Pessoas atingidas pelo desastre de Mariana (MG) denunciam problemas de saúde relacionados à tragédia

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1ª Audiência Pública - Caso Barragem Mariana - Foto: Gil Ferreira/Ag.CNJ
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A audiência pública promovida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) na última sexta-feira (10/9) permitiu que moradores e moradoras de Minas Gerais e Espírito Santo relatassem publicamente as consequências que o desastre de Mariana causou – e segue a causar – na vida de cada um. Essas pessoas foram atingidas pelo rompimento da Barragem do Fundão, no município de Mariana (MG), em 5 de novembro de 2015, quando cerca de 34 milhões de metros cúbicos de rejeito da mineração, sob responsabilidade da empresa Samarco, foram despejados no Rio Doce.

A audiência faz parte do esforço do CNJ em mediar uma solução entre as partes envolvidas na tragédia natural, social e econômica da região, por meio de ação do Observatório Nacional sobre Questões Ambientais, Econômicas e Sociais de Alta Complexidade, Grande Impacto e Repercussão, fórum aberto com o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).

A conselheira do CNJ que presidiu a audiência, Flavia Pessoa, classificou o rompimento da Barragem do Fundão como um “dos maiores desastres ambientais do mundo” e salientou que a falta de reparação dos danos levou o CNJ a buscar uma repactuação do caso entre as partes envolvidas, empresa, vítimas, além de instituições do Estado e da sociedade. “Apenas critérios e indicadores técnicos objetivos, amparados por normas brasileiras, serão utilizados para estruturar e avaliar as ações de reparação ou compensação, priorizando soluções objetivas para controvérsias técnicas. Para atingir tal intento, precisamos promover a necessária interlocução com a sociedade e por isso estamos hoje aqui reunidos.”

Entre as demandas levantadas, foi apontada uma consequência do desastre que não recebe a atenção necessária: a saúde da população local. “Não vai ter repactuação sem direito à saúde. Precisa estar na pauta”, afirmou Simone Silva, da Comissão de Atingidos de Barra Longa. Em apenas 16 dias, lama tóxica de minério de ferro escorreu da barragem da Samarco e desceu 663 quilômetros até a foz do rio, no Oceano Atlântico, no município de Linhares (ES), distante 361 quilômetros de Mariana.

A má qualidade da água registrada até hoje é decorrente desse derramamento, de acordo com Joelma Fernandes, moradora de Governador Valadares (MG). A agricultora e ilheira mostrou na audiência pública uma amostra do líquido turvo. “A água do Rio Doce que abastece 330 mil habitantes (população de Governador Valadares) é essa água aqui. O Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE) trata coliformes fecais e bactérias, não metais pesados. Somos 70% de água. Se colocar água de má qualidade no corpo, a tendência é adoecer.”

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Hauley Valim, professor universitário do município capixaba onde o Rio Doce encontra o mar, enfatizou que os graus de contaminação em plantas, peixes, crustáceos e aves só aumenta. A contaminação é registrada em pesquisas realizadas ano após ano. “No entanto, não tem pesquisa que mostre o mesmo em relação à saúde humana. De todos os metais pesados, o único que diminuiu sua presença foi o arsênico.”

Economia

A produtora rural de Conselheiro Pena (MG) Maria Célia Albino contou que sente no dia a dia a contaminação de todo o meio ambiente pela lama da Barragem do Fundão. Na sua propriedade, destinada à produção de leite, ela testemunha a morte de diversos bezerros, abortos em vacas, mortes de animais que vão pastar e atolam na lama. “Nós perdemos qualquer equipamento de irrigação que compramos depois de poucos meses de uso, porque a lama tóxica contida na água corrói tudo. Eu tenho as notas fiscais dos materiais, posso mostrar.”

Já o presidente do Sindicato Rural de Linhares, Antônio Porto, explicou que produtores e produtoras rurais não tiveram nenhuma compensação financeira mensal pelo prejuízo, que fez famílias perderem suas economias e até as terras onde produziam. “Temos casos de terras que foram a leilão e de terras com embargo de leilão. O prejuízo causado nas lavouras atingiu principalmente a cultura cacaueira, tradicional da região – e nós temos um dos melhores cacaus do mundo, eleito no Salão de Paris.”

A contaminação fez a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) proibir o uso de água na região para irrigação e dessedentação do gado, segundo o advogado do sindicato, Diego Carvalho. “Só pode ser usada mediante tratamento para essas finalidades (irrigação e consumo animal), mas os produtores não têm condições de criar estação de tratamento de água própria. E mesmo que construíssem, a água só poderia ser tratada com TANFLOC, um produto que é fornecido pela Fundação Renova aos municípios atingidos. No entanto, é uma substância que não tem estudos sobre as consequências do seu uso e que os produtores também nem sabem onde conseguir.”

Social

Representante de 3 mil famílias indígenas Tupiniquim e Guarani que moram na Terra Indígena Comboios, município de Aracruz (ES), o cacique Antônio Carlos reivindicou o direito de indígenas serem ouvidos no processo de repactuação. O modo de vida tradicional e a estrutura social dos povos indígenas do litoral norte do estado, que dependiam dos córregos, do rio e da praia, foram desestruturados, segundo o cacique, devido à poluição das águas pela lama tóxica. Os prejuízos se estendem à agricultura, ao artesanato produzido, à pesca, à fauna e à flora da região. “A Fundação Renova nos nega o direito que é nosso, dos indígenas do litoral do Espírito Santo, em descumprimento dos artigos 231 e 232 da Constituição Federal de 1988 e desconsiderando o direito a organização interna dos indígenas.”

O morador de Linhares Jocenilson Cirilo Mendonça reclamou da falta de assessoria técnica para produção de laudos que comprovem a insalubridade da natureza e as ameaças à saúde dos humanos, dos animais e das plantas. “O crime continua e precisamos das autoridades. Ou é isso ou o povo atingido vai ter de tomar a frente, com suas ignorâncias, porque é através das manifestações que somos observados.”

Várias participações da audiência pública denunciaram que a falta de uma solução satisfatória para os problemas decorrentes da tragédia da barragem de Mariana levou a um movimento predatório de membros da advocacia junto às famílias. Creuza Campelo da Silva, moradora de São Mateus (ES), contou que já teve quatro advogados e não pode mais arcar com os serviços pelo que eles cobram. “O último pediu 20% da causa”, segundo a comerciante, artesã e pescadora.

“Antes podíamos comer caranguejo, peixe, hoje não podemos comprar nada. Nossa água está fedendo, amarela, não dá para nem tomar banho, nem no mar. Ainda falam que não estamos contaminados. Não posso vender caranguejo na barraca porque não posso contaminar outras pessoas. Pescar para vender para quem? Nossos manguezais já estão mortos, está acabando com toda nossa natureza”, afirmou, emocionada.

Manuel Carlos Montenegro
Agência CNJ de Notícias

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10 09 2021 Audiência Pública – CASO BARRAGEM MARIANA – Observatório Nacional Sobre Questões Ambientais, Econômicas e Sociais de Alta Complexidade e Grande Impacto e Repercussão