Especialistas debatem desafios da prática restaurativa

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Foto: Gil Ferreira/Agência CNJ
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“A Justiça Restaurativa (JR) não pode ser tratada como um simples treinamento, feito com apostilas. Ela não deve ser burocratizada nem burocrática. Ela é calcada na racionalidade, mas também se baseia na criatividade, dialoga com os direitos humanos, com a liberdade humana”. A afirmação, feita pelo professor João Salm, do Departamento de Justiça Criminal de Chicago (EUA) e consultor para o Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas (PNUD) na área de justiça social e reparadora, ocorreu durante o 2º Seminário de Justiça Restaurativa, promovido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

O especialista, co-diretor do Centro de Justiça Restaurativa do Skidmore College (Nova York), ressaltou a importância do envolvimento de quem trabalha com a prática com os valores que visam resguardar a liberdade humana. “É um conjunto ordenado e sistêmico de princípios e métodos, mas, mais que o direito material, a Justiça Restaurativa oferece a possibilidade de restaurações profundas, subjetivas. A sociedade está preparada a pensar a Justiça de forma não culpabilizadora? As organizações estão preparadas para lidar com a reparação de danos de maneira não burocrática? São pontos que precisamos despertar em nós, como sociedade”, afirmou Salm.

Nesta terça (10/12), o 2º Seminário de Justiça Restaurativa – que ocorre no auditório do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (TJBA) – finaliza sua programação, com oficinas para a troca de experiências e boas práticas entre as áreas técnicas da Justiça Restaurativa. Na tarde do primeiro dia, membros do Comitê Gestor apresentaram o Planejamento da Política Nacional de Justiça Restaurativa do Poder Judiciário, espécie de guia para materialização das ações previstas pela Resolução CNJ nº 225/2016.

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Dar escala à Justiça Restaurativa no país é um dos propósitos do CNJ. A prática, que visa pacificar conflitos com técnicas que envolvem escuta das vítimas, responsabilização dos autores, aproximação das famílias e reparação de danos causados por um crime ou infração, vem sendo utilizada em tribunais de Justiça do país, mas ainda faltam ajustes. A juíza do Tribunal de Justiça do Pará (TJPA) Josineide Gadelha Pamplona Medeiros, por exemplo, levantou a necessidade de contar com apoio, estrutura e articulação em rede.

“A vítima de crimes está sendo protegida de mais violações ou tem sido revitimizada? Os ofensores, autores de crimes, estão sendo responsabilizados de maneira apropriada? A comunidade participa de alguma forma do processo? Esses são alguns indicadores importantes que devem ser observadas ao implementar a Justiça Restaurativa no país”, afirmou a magistrada.
Sobre a organização, o juiz do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) Marcelo Salmaso, membro do Comitê Gestor do CNJ, falou sobre a necessidade de os tribunais se estruturarem internamente. O magistrado sugeriu que, para começar um programa de JR, é preciso instalar um órgão central de coordenação, alocado em uma área que o tribunal achar mais indicada, sejam coordenadorias de infância, sejam Núcleos Permanentes de Mediação e Conciliação (Nupemec), seja Presidência ou Corregedoria.

“Que seja um coletivo de magistrados e servidores que, voluntariamente, ocupem essa função e tenham formação mínima para isso e atuem em uma lógica dialógica e horizontal. Este órgão de macrogestão deve ter competência para gestão do plano da política do tribunal para a expansão da prática e comunicação com a sociedade”, diz Salmaso.

Treinamento pedagógico

“O treinamento pedagógico é o coração da implantação da Justiça Restaurativa. Ele não pode ser um fast food”, ressalta o magistrado Egberto de Almeida Penido, do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP). Na opinião do juiz, caberá ao CNJ sugerir diretrizes para a construção de um projeto pedagógico mínimo e orientador para a formação e aperfeiçoamento em JR a ser desenvolvido por cada tribunal. “Mas quais as cargas horárias necessárias? 30 ou 40 horas teóricas? 60 horas práticas são suficientes? A parte teórica pode ser à distância? Estamos criando isso de maneira coletiva”, disse Penido.

O desembargador Leoberto Brancher, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), também membro do Comitê Gestor Nacional, ressalta que o CNJ incentiva os tribunais a trabalharem com a prática, mas, lembra, o programa deve ser de adesão voluntária, espontânea. A Justiça Restaurativa vai além de buscar culpados, se baseia em um Judiciário diferente, que constrói mudanças. Mas não pode ser impositivo, isso tem que partir de nós, nas realidades locais”, afirmou.

Coube ao juiz Haroldo Rigo, do Tribunal de Justiça de Sergipe (TJSE), destacar a previsão de dotação orçamentária destinada ao planejamento e práticas dessas ações. Segundo ele, tem sido difícil manter o projeto de maneira voluntária. “Para fazer de maneira qualificada, temos necessidades financeiras. Quais ações vão ficar debaixo do guarda-chuva central? Se eles acontecerem longe do sistema de Justiça, o órgão central pode alcançar? Sim, é possível. Mas precisamos formar essa articulação”, afirmou.

Redução do encarceramento

Entre 1990 e 2016, a população prisional brasileira cresceu mais de 700%. Atualmente, mais de 800 mil pessoas estão sob a custódia do Estado. A pesquisa Pilotando a Justiça Restaurativa (2017), citada pelo representante do Departamento de Monitoramento e Fiscalização (DMF) no evento, Vitor Pimenta, revelou que ainda não há impacto desse programa na redução do encarceramento. Segundo o estudo, para que a JR tenha, de fato, abrangência, é preciso uma formação continuada, equipe especializada, e núcleos fortalecidos.

A juíza de Infância e Juventude Brigitte de Souza May, do Judiciário de Santa Catarina (TJSC), lembrou que não há como resolver os desafios de maneira individual se não forem trabalhadas as questões institucionais, que também contribuem na violência. “Muitas são as influências que levam o indivíduo a um conflito. Por isso a importância do trabalho em rede, pois isso atinge diferentes matizes do ser humano”, disse.

Para o segundo dia de evento, estão programadas oficinas práticas na área da Justiça Restaurativa, e uma palestra sobre a experiência da Justiça Restaurativa no Bahia, com a desembargadora Joanice Maria Guimarães de Jesus, diretora do Nupemec do TJ baiano.

Regina Bandeira
Agência CNJ de Notícias