Embora sejam mais da metade da população, as mulheres representam apenas 38% da magistratura brasileira. A tendência de queda da representação feminina na carreira, anunciada pela redução do percentual de novas juízas, justifica a adoção de medidas contra a sub-representação feminina na magistratura, um dos temas do seminário promovido nesta quinta-feira (17/11) pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) “Mulheres na Justiça: novos rumos da Resolução CNJ n. 255”. Especialistas e magistrados apresentaram soluções para superar o problema, com estatísticas e marcos teóricos.
De acordo com o corregedor nacional de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão, que conduziu o painel “Ampliação da participação feminina do Poder Judiciário – caminhos possíveis”, a desigualdade entre os gêneros na carreira demanda ação cotidiana de magistrados e magistradas. “Vejo que a atuação das colegas mostra como se lutar contra esse preconceito. É na prática, no dia a dia. Acho que é uma batalha de afirmação diária. Todos nós que integramos o Poder Judiciário temos de vivenciar essa batalha em cada sessão de julgamento, em cada audiência. Só assim venceremos essa ideia de assimetria que vem ganhando força no dado de ingresso na carreira”, afirmou.
De acordo com a pesquisa da Associação de Magistrados Brasileiros (AMB) “Quem somos – a magistratura que queremos”, o percentual de ingresso de mulheres na carreira caiu em relação à primeira década do século, quando as mulheres eram 41% dos novos magistrados, para aproximadamente 34% entre 2010 e 2018, dado também confirmado em levantamento do CNJ.
Soluções
Em uma pesquisa sobre a percepção das magistradas sobre formas de vencer a sub-representação feminina na carreira, a juíza do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) Eunice Prado identificou a visibilidade e a ocupação de espaços de poder como demandas prioritárias. Aumentar a participação feminina nas bancas examinadoras de concurso, nas mesas de eventos das escolas judiciais e entre os cargos da alta administração dos tribunais são medidas defendidas para resolver o problema da falta de mulheres na magistratura por 95% das 1.451 magistradas respondentes.
“Em função da visibilidade que esses eventos proporcionam a mulheres, precisamos estar presentes nesses espaços, nessas ocasiões”, afirmou a juíza. Eunice Prado realizou a pesquisa para a dissertação de mestrado que concluiu em agosto, na Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam). Outro dado da pesquisa revelou o ruído causado pelo termo “cota” em relação à aceitação da política afirmativa de reserva de vagas. Enquanto 83,2% das respondentes aprovavam “nomeação paritária de magistradas para os cargos de alto escalão da carreira, inclusive com reserva de vagas destinadas às mulheres nesses espaços”, só 64% responderam concordar totalmente com “políticas de cotas de gênero”.
Interseccionalidade
O estigma sobre o termo “cota” se deve ao racismo estrutural da sociedade brasileira, outro fenômeno que reduz ainda mais as chances de mulheres negras que tentam acessar a carreira, a partir da base da pirâmide social, de acordo com a juíza federal Adriana Cruz. Com o preço “proibitivo” das passagens aéreas praticados atualmente, a magistrada, que também integra o Observatório de Direitos Humanos do CNJ, defendeu mais engajamento do Conselho na causa, para promover reforma da regulamentação dos concursos que permita que etapas de concursos para ingresso na carreira – como exames médicos – ocorram na localidade de origem de candidatas e candidatos. O CNJ instituiu pela primeira vez políticas afirmativas nos concursos de ingresso à carreira da magistratura em 2015.
“Não fossem as cotas, não teríamos o coletivo de juízes negros que trouxe essa pauta para o Conselho. Não fossem esses números levantados pelo [Censo do Poder Judiciário do] CNJ, a questão da equidade racial não estaria na mesa. Não fossem essas mulheres que entraram na magistratura nos últimos anos, não estaríamos aqui (discutindo o assunto). Uma mudança da cultura institucional começa com ações que partem da cúpula. Por isso um seminário como esse é essencial nesse sentido. A atuação CNJ é indispensável. Ainda somos poucas. Não temos esse espaço nos nossos tribunais para encaminhar nossas demandas”, afirmou a magistrada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2).
Conhecimento
Tanto as instituições quanto os indivíduos precisam de uma mudança de postura para o enfrentamento que levarão a superar estruturas como o sexismo, de acordo com o desembargador federal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) Roger Raupp. Mudar regras de remoção e promoção fazem diferença assim como promover um “letramento de gênero” da magistratura. “Não dá para enfrentar o sexismo sem enfrentar a CIS/heteronormatividade (condição de norma social atribuída às relações heterossexuais). Me perdoem o jargão, mas faz parte do letramento. Temos de nos letrar nesses termos, adquirir uma visão mais sofisticada – no bom sentido – e uma atitude diferente em relação ao fenômeno”, afirmou o magistrado.
Mudança cultural
Se o acesso à magistratura é dificultado para as mulheres, a evolução funcional também enfrenta barreiras. Para a pesquisadora e juíza do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS) Mariana Rezende Ferreira Yoshida, atitudes discriminatórias, maior afetação da vida social (dupla jornada), maior grau de dificuldade no exercício do cargo, mais oportunidades de ascensão perdidas, menos indicação para cargos de confiança, discriminação interseccional e promoções (especialmente por merecimento) ajudam a explicar por que há 45% de mulheres no início da carreira, mas apenas 25% delas nas vagas de desembargadora – e apenas 19% chegam a ministras de tribunal superior.
Segundo a pesquisadora da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Karina Denari, políticas afirmativas são necessárias, assim como a continuidade delas, sob o monitoramento da sociedade civil. O estudo que realiza para a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) sobre a participação feminina em cortes constitucionais “Quem estamos empoderando? Indicadores e tendências sobre diversidade judicial em cortes constitucionais?”, revelou que a Inglaterra criou uma Comissão de Diversidade em 2009 e atualmente voltou a ter apenas uma mulher na Suprema Corte do país. “O pioneirismo não garante uma representatividade feminina adequada”, disse. No Brasil, a primeira mulher a ser nomeada ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) foi a ministra Ellen Gracie, no ano de 2000.
Texto: Manuel Carlos Montenegro
Edição: Thaís Cieglinski
Agência CNJ de Notícias
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