O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) promoveu nesta semana a terceira rodada de lançamentos de mais de 30 produtos de conhecimento na área penal, produzidos a partir de parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e apoio do Ministério da Justiça e Segurança Pública por meio do Departamento Penitenciário Nacional (Depen). Na terça-feira (3/11), foram apresentadas publicações inéditas sobre arranjos institucionais e protocolos de políticas públicas em prisões, assim como síntese de evidências sobre estigmas sofridos por pessoas egressas do cárcere e seus familiares.
O Diagnóstico de Arranjos Institucionais e Proposta de Protocolos para Execução de Políticas Públicas em Prisões apresenta as dinâmicas de articulação entre os órgãos gestores das políticas penais nos estados e outros atores relevantes na operacionalização e gestão de atividades. O documento também traz recomendações para a melhoria dos arranjos institucionais existentes, com propostas para o Executivo e para o Judiciário.
“Com base nas prescrições internacionais e em referências empíricas observadas no Brasil e em outros países, o documento propõe alternativas para que os Poderes Judiciário e Executivo encontrem soluções viáveis e tangíveis de enfrentamento das mazelas que fazem das prisões brasileiras ambientes de violência e de violação dos direitos”, destacou o juiz coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF/CNJ), Luís Lanfredi.
Segundo o coordenador do DMF, o material é uma ferramenta potente para o trabalho de magistrados, de gestores, de servidores penais e das organizações da sociedade civil interessados em enfrentar as condições atuais. “Valer-se dele, fazer uso de seus apontamentos, dos desenhos institucionais e das soluções que indica pode ser um caminho efetivo para colocar o Estado brasileiro atuando no sentido estrito do respeito aos direitos fundamentais das pessoas privadas de liberdade.”
O documento se divide em três partes: marcos conceituais para as políticas públicas em prisões; dados coletados em 26 unidades federativas e a análise dessas informações; além de propostas de aprimoramento e protocolos de atuação na área. “Os principais achados apontam para avanços em várias políticas, mas também para fragilidades em transformar o texto normativo em práticas efetivas da gestão prisional. Esse não é um problema só de gestão, mas da própria forma de conceber o funcionamento dessas unidades”, explicou o coordenador do eixo de Cidadania do programa Fazendo Justiça, Felipe Athayde.
Ao abordar modelos de administração prisional em diferentes países, a pesquisadora a pesquisadora Fiona Macaulay, professora no Departamento de Estudos pela Paz, na Universidade de Bradford, na Inglaterra, ressaltou a importância de se ter em perspectiva a experiência da pessoa presa, dos familiares e servidores desses estabelecimentos. “Nas últimas quatro décadas surgiram várias tentativas de medir a experiência prisional. Essa literatura nos dá pistas para entender como vincular a questão da gestão – quem administra e como – com as etapas que operacionalizam as finalidades desejadas do sistema.”
O professor Luiz Antônio Bogo Chies, da Universidade Católica de Pelotas (RS) e presidente do Conselho da Comunidade da Execução Penal da comarca, destacou que o documento elaborado pelo CNJ representa importante instrumento para direcionar a mudança do estado de coisas inconstitucional que caracteriza as prisões brasileiras e o papel do Judiciário em impulsionar essas medidas. “O desafio principal é o de gerar a intersetorialidade das políticas. A partir de iniciativas como a que está sendo lançada hoje, o Judiciário assume a importante tarefa de impulsionar a oferta de mecanismos para que os diversos atores possam se instrumentalizar e gerar respostas”.
Pessoas egressas
No período da tarde, houve o lançamento da publicação Síntese de Evidências: Enfrentando o Estigma contra Pessoas Egressas do Sistema Prisional e suas Famílias, elaborado pelo Instituto Veredas em parceria com o CNJ e apoio da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz Brasília). O material reúne evidências de pesquisas globais e locais, avaliadas e organizadas para o enfrentamento do estigma contra grupos específicos. A proposta é subsidiar o diálogo sobre políticas relacionadas a pessoas egressas com gestores, trabalhadores, sociedade civil organizada e demais atores da área.
“A publicação busca apoiar os gestores e os serviços a se engajarem no enfrentamento dessa desafiadora temática. Ela apresenta os efeitos das intervenções psicossociais de base comunitária, indicando facilitadores e barreiras de implementação e, também, as intervenções educativas que conduzem aos efeitos esperados, apresentando assim as iniciativas mais acertadas, que promovem melhores e maiores resultados”, pontuou o juiz coordenador do DMF/CNJ, Luís Lanfredi.
Diretora do Instituto Veredas, Laura Boeira falou sobre o processo de elaboração do estudo, que contou com a participação das equipes estaduais do Fazendo Justiça em Minas Gerais, Distrito Federal e Piauí. Foram realizadas entrevistas com pessoas egressas e seus familiares, assim como membros dos poderes Judiciário e Executivo. “A síntese é um material para informar as ações da vida real nas cidades. Esse público ainda é invisibilizado em diversos níveis da atenção à cidadania.”
Laura também apresentou cinco propostas de intervenção que tiveram eficácia na redução do estigma contra pessoas egressas e seus familiares: intervenções psicossociais de base comunitária junto a pessoas estigmatizadas e suas famílias; intervenções educativas; promoção de contato entre pessoas estigmatizadas e a população em geral; grupo de apoio para as pessoas egressas e suas famílias; e ações de comunicação sobre estigma em diferentes mídias.
A assessora de comunicação e pesquisa do Instituto Igarapé, Dandara Tinoco, também participou do webinário e apresentou resultados de estudos e campanhas promovidas pela entidade, que analisa temas relacionados à segurança e paz. Em pesquisa sobre inserção laboral de pessoas privadas de liberdade e egressas do sistema, verificou-se que o estigma esbarra em outros obstáculos e que a superação envolve medidas como mostrar o impacto do estigma sobre as relações sociais e familiares ou colocar em evidência histórias positivas e apoio a serviços e empresas que buscam atuar na área. “As propostas apresentadas pelo documento lançado pelo CNJ são concretas e dão materialidade ao tema.”
É o que também pontuou a assistente social da Defensoria Pública de São Paulo, com atuação no DMF/CNJ, Melina Miranda, que mediou o webinário. “Muito importante pensarmos em caminhos, baseados em evidências, para o enfrentamento ao peso do estigma e de seus efeitos, que constituem verdadeiras barreiras à ressocialização.”
Agenda
Na próxima terça-feira (10/11), haverá a penúltima agenda de lançamentos do Fazendo Justiça. A partir das 10h, o canal do CNJ no YouTube transmitirá ao vivo o lançamento do Manual de Prevenção e Combate à Tortura e Maus-tratos na Audiência de Custódia.
A partir das 15h30, o webinário Manuais, Informativos e Guias: Gestão Prisional, Alternativas Penais, Monitoração Eletrônica e Atenção a Pessoas Egressas trará um apanhado de novas publicações originalmente lançadas pelo Departamento Penitenciário Nacional.
Iuri Tôrres e Marília Mundim
Agência CNJ de Notícias