A estrutura do sistema de saúde brasileiro contribui para o cenário da crescente busca de respostas da Justiça. De acordo com dados apresentados durante o 1º Curso Nacional sobre Judicialização da Saúde, o subfinanciamento, o aumento dos gastos com medicamentos, o Sistema Único de Saúde (SUS) empobrecido e precarizado, os planos populares de baixa cobertura e um acesso a serviços de qualidade restrito à população de maior poder aquisitivo são a receita para a manutenção e crescimento das ações judiciais.
Segundo o professor doutor em gestão da saúde e pesquisador da Universidade Harvard Adriano Massuda, os caminhos possíveis para reverter o cenário atual estão no fortalecimento do SUS e na adoção de um padrão tecnológico nacional e regional. Massuda, que também já foi secretário de Saúde de Curitiba, mostrou que o financiamento da saúde teve pontos de crescimento importantes, mas que, com a crise econômica deflagrada há alguns anos e o aumento do dólar, houve queda no investimento do gasto per capita, que chega a quase U$ 800/ano, considerado aquém do necessário.
Para mudar a questão do financiamento seria necessário um processo legislativo mais célere, capaz de acompanhar a necessidade de financiamento do setor. No entanto, atualmente, o gasto público com o setor é de 42%, contra mais de 50% nos países mais ricos. Além disso, registra-se crescimento do gasto com seguro privado, que subiu de 20% para 28%.
O maior investimento em saúde no Brasil vem dos municípios, que gastam 32% de seus orçamentos no setor. Já os governos estaduais aplicam 24% do total. Apesar de ainda ser insuficiente, os percentuais estão acima do projetado pela Lei Complementar nº 141/2012, que define o mínimo constitucional a ser investido por estados e municípios, que é de 12% a 15%, respectivamente. Já a União tem de destinar a seguinte taxa: valor do exercício financeiro e valor do PIB do ano anterior.
Massuda ressaltou também o aumento do custo com remédios, que atinge não apenas o setor público, mas também os planos privados. “Falta regulamentação para os preços dos medicamentos, que chegam ao Brasil custando de 15 a 20 vezes mais do que no país de origem”, apontou. Desde 2015, houve um crescimento exponencial da judicialização para a compra de medicamentos, impactando o orçamento do Ministério da Saúde. Ressalte-se que o Brasil gasta cerca de 8% do PIB com a saúde e 60% do investimento é estatal. O professor disse que quanto maior a renda do país, maior o gasto público em saúde.
Durante o debate, o Secretário Nacional do Consumidor do Ministério da Justiça, Luciano Timm, disse que “é difícil fazer conta quando se trata de um tema tão sensível”. Contudo, ele ressaltou que é preciso haver uma uniformização das decisões judiciais. Ele defendeu ainda que, em questões gerais, como em relação ao fornecimento de fármacos, as decisões também deveriam ser incorporadas aos planos de saúde. No entanto, segundo argumentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), se isso for aplicado, os planos de saúde terão preços inviáveis para a população. Por outro lado, o secretário afirmou que se a solução para o SUS for o aumento do financiamento, com a crise atual, isso não será possível.
O presidente da mesa, professor da Faculdade de Medicina de São Paulo Giovanni Guido Cerri, disse que o gasto com saúde do Brasil não está desalinhado com o de outros países, mas defendeu que é preciso melhorar o gasto. “Gastamos U$ 800 per capita, mas de onde tirar os recursos para aumentar esse investimento? É uma equação difícil de fechar e piora com a judicialização, que atende indivíduos e não a coletividade”, disse.
O 1º Curso Nacional sobre Judicialização da Saúde foi realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em parceria com a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), e encerrado nesta terça-feira (8/10).
Encerramento
O diretor-geral da Enfam, Herman Benjamin, participou do encerramento do evento, afirmando que espera que haja desdobramentos da discussão sobre a judicialização da Saúde. Ele citou a parceria firmada entre o CNJ e o Ministério da Justiça, que criou a plataforma integrada do Processo Judicial Eletrônico (PJe) com o serviço Consumidor.gov.br, reconhecendo que, como a saúde é um bem jurídico fundamental e também foi contemplada pelo código do consumidor, “mais cedo ou mais tarde deverá incorporar os planos de saúde”.
O conselheiro do CNJ e coordenador do Fórum Nacional de Saúde, Arnaldo Hossepian, afirmou que ações voltadas à saúde estarão sempre em transformação. “É uma pauta cara para a sociedade. Este foi um momento de levar para a magistratura esta discussão, ampliando suas possibilidades por permitir a transmissão online, que vai ao encontro do momento que o país atravessa, com uma crise orçamentária”, afirmou.
O conselheiro, que terminou seu mandato no CNJ nesta quinta-feira (10/10), disse que o curso é uma demanda antiga da magistratura e mostra o Conselho e a Enfam trabalhando juntos para fazer com que o maior número de juízes tome conhecimento dessa política pública, implementada na administração do ministro Dias Toffoli. “A iniciativa mostra o anseio da magistratura brasileira, porque o Conselho é a arena adequada para diagnóstico daquilo que o Poder Judiciário necessita. Nesse sentido, estamos realizando verdadeiramente nossa missão”, afirmou.
A conselheira Candice Galvão, que deve substituir o conselheiro Hossepian na condução dos trabalhos do Fórum, informou que o presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, assinou a Portaria CNJ nº 149/2019 que nomeia Hossepian como subcoordenador do Comitê Executivo do Fórum. “O Judiciário foi chamado para um papel, em relação à saúde, que não estava esperando. Estamos buscando agregar conhecimento e ter mais segurança para as decisões. Há especializações na área e apoio do CNJ em suas políticas voltadas para a judicialização da saúde. Que consigamos dar as respostas que os cidadãos esperam, mas de forma responsável, para que outros cidadãos não sejam prejudicados”, disse.
Lenir Camimura Herculano
Agência CNJ de Notícias