Judiciário deve enfrentar desafios sobre trabalho escravo, dizem conselheiros

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Criado em dezembro do ano passado, por meio da Resolução 212/2015 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Fórum Nacional do Poder Judiciário para Monitoramento e Efetividade das Demandas Relacionadas à Exploração do Trabalho em Condições Análogas à de Escravo e ao Tráfico de Pessoas (Fontet) tem como atribuição o aperfeiçoamento das estratégicas de enfrentamento aos dois crimes pelo Poder Judiciário. O tema foi debatido em evento promovido pela Justiça do Trabalho do Paraná sobre políticas prioritárias para a atual gestão do CNJ, uma parceria entre a Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho do Paraná (TRT-PR) e a Associação dos Magistrados Trabalhistas da 9ª Região (Amatra IX).

As preocupações do CNJ foram apresentadas pelos integrantes do Comitê Nacional Judicial de Enfrentamento à Exploração do Trabalho em Condição Análoga à de Escravo e ao Tráfico de Pessoas (Portaria 5/2016), conselheiros Lelio Bentes e Gustavo Alkmin, em mesa presidida pelo diretor da Escola Judicial do TRT-PR, Arion Mazurkevic. “Vivemos uma situação contraditória com o grau de evolução social e econômica que atingimos no Brasil e as situações indignas de trabalho que precisamos combater”, disse Mazurkevic. Também participou da mesa a presidente da Associação Paranaense de Juízes Federais, Patrícia Panasolo.

O fórum foi criado para monitorar e receber informações sobre exploração de trabalho em condições análogas à de escravo e ao tráfico de pessoas, incentivando a magistratura a participar do debate e a replicar boas práticas. Também tem o objetivo de criar vínculos com outros órgãos preocupados com o tema, como a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e o Ministério Público do Trabalho (MPT). Atualmente, 21 milhões de trabalhadores são afetados por essa situação, em atividades envolvendo lucros anuais estimados de 150 bilhões de dólares aos responsáveis. “Essa situação contribui para a perpetuação da situação de indiferença. Precisamos romper com esse ciclo vicioso para darmos garantias e tutelas a todos, e o CNJ tem buscado esse objetivo com políticas estruturantes para reverter a lógica de que o direito é para poucos”, disse.

Celeridade de julgamentos – O conselheiro Lelio Bentes, ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST), lembrou que os debates sobre o tema avançaram muito desde a década de 1990, quando o Brasil reconheceu que havia trabalho escravo no país, mas que há muito a ser feito para garantir celeridade aos julgamentos e punição dos envolvidos. Até hoje, mais de 55 mil trabalhadores já foram libertos da condição de trabalho análoga à escravidão, mas só houve uma condenação na Justiça e ninguém foi preso.

Outro desafio citado pelo conselheiro é a dificuldade para a coleta de provas. “Quando essas pessoas são libertadas, a primeira coisa que elas querem é voltar para casa. Então, depois de um ano, quando o juiz vai tomar o depoimento, elas já não estão mais lá”, explica. Uma das soluções propostas é a produção antecipada de provas, quando magistrados, em regime de plantão, acompanhariam ações de resgate desses trabalhadores. No entanto, o ministro destacou que nenhuma ação pode ser efetiva sem a educação e a qualificação dessa mão de obra. “Não é raro uma pessoa ser encontrada pela segunda vez nessas condições, porque era vulnerável e não tinha outra opção”, disse. Ele ainda lembrou a dificuldade dos estrangeiros irregulares no País, pois acabam chantageados e explorados devido a essa condição.

O ministro defendeu a regulamentação do ato de expropriação e a revisão dos critérios da Lista Suja do Trabalho Escravo para que esta passe a ter regras sobre direito de defesa e aperfeiçoamento sobre a entrada e saída de nomes – a lista está suspensa por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). “Quando a situação era regularizada, levava-se dois anos para se retirar o nome, o que acabava prejudicando o elemento de urgência para que os envolvidos se prontificassem a resolver a questão”, observou. Segundo o ministro, o Judiciário tem que ficar atento às tentativas de retrocesso, citando como exemplo o Projeto de Lei do Senado 432/2013, que pretendia extinguir a jornada exaustiva e as condições degradantes como caracterização de trabalho análogo à escravidão.

Trabalho árduo – A juíza Patricia Panasolo falou sobre os pontos de convergência entre a Justiça Federal e a Justiça do Trabalho no enfrentamento ao trabalho escravo e tráfico de pessoas, destacando que estes casos ainda são muito pouco conhecidos no país devido à dificuldade de identificá-los. “O trabalho vai ser árduo, mas já estamos dando passos ao reconhecer o problema e discuti-lo”, disse a magistrada. Ela destacou preocupação especial com a questão de gênero, pois as mulheres traficadas e escravizadas sexualmente, muitas vezes, são duplamente vitimadas, pois não têm discernimento sobre a situação de exploração em que se encontram.

Segundo o conselheiro Gustavo Alkmim, o problema mundial do desemprego cria condições para degradação das relações de trabalho, uma vez que mais pessoas estão dispostas a trabalhar sem o mínimo de garantias ou direitos, porque não encontram outra opção. Ele lembrou que hoje o Brasil não apenas exporta trabalhadores nessas condições, mas vem sendo o destino de pessoas exploradas, como bolivianos e chineses. “O que estamos pensando no CNJ é justamente fazer emergir essa realidade. Quando se pensa em qualquer providência sobre isso, há que se pensar no Judiciário, e ao criar o fórum, o CNJ chamou os juízes à reflexão e à necessidade de medidas enérgicas”, observou.

Além da revisão dos critérios da Lista Suja e da priorização do julgamento desses casos, o conselheiro defendeu indenizações pesadas aos infratores e ações mais incisivas de conscientização dos consumidores sobre a origem dos produtos. Ele lembrou que o presidente do CNJ, ministro Ricardo Lewandowski, é um apoiador das iniciativas de combate ao trabalho escravo e ao tráfico de pessoas. “Juntamente com as questões da área criminal, criou-se um CNJ Social, que está levando ao Judiciário a ideia de que a dignidade da pessoa humana é um tema que deve ser prioritário”, completou o conselheiro.

Deborah Zampier
Agência CNJ de Notícias