A publicação de orientações técnicas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para a realização de inspeções em locais de privação de liberdade no contexto da pandemia fortaleceu as medidas de monitoramento e fiscalização adotadas por magistrados e tribunais em todo o país. O CNJ padronizou procedimentos respeitando critérios de segurança sanitária para apoiar magistrados nas inspeções, que se tornaram ainda mais relevantes devido ao fechamento de presídios e unidades de internação em todo o país desde o início da pandemia.
No Amazonas, o juiz da Vara de Execução Penal (VEP) e atual corregedor dos presídios de Manaus, Glen Hudson Paulain Machado, concluiu programação de inspeções e visitas técnicas a todas as unidades prisionais da capital com o respaldo da orientação expedida pelo CNJ. “Com apoio da Secretaria de Administração Penitenciária, da Defensoria Pública e dos órgãos de saúde, procuramos atender todas as orientações do CNJ, inclusive respondendo um questionário e seguindo protocolo desde a chegada ao presídio até a saída. Avalio como muito produtiva a inspeção, na qual procuramos, inclusive, dialogar com presos, obtendo informações sobre questões de saúde”, disse o magistrado.
As orientações técnicas do CNJ também guiaram a edição de portaria do Tribunal de Justiça do Mato Grosso, que resultou em inspeções em unidades de privação de liberdade em Cuiabá e Várzea. O documento traz uma série de critérios a serem observados nas visitas, como situação de abastecimento de alimentos e de kits de higiene pessoa, periodicidade da limpeza e higienização, se houve acréscimo no tempo de permanência em ambientes abertos e se estão sendo realizadas ações de educação em saúde.
De acordo com o juiz de direito Geraldo Fernandes Fidelis Neto, o contato do poder público com as pessoas privadas de liberdade ajuda, inclusive, familiares e a população em geral. “A presença do juiz dentro da penitenciária mostra que essas pessoas não estão esquecidas. Também verificam-se as condições de salubridade e de humanidade que são empregadas no sistema penitenciário. É muito importante fazer esse contato, porque também esclarece situações causadas por fake news. Estive lá pessoalmente, e isso tranquiliza as famílias. E é Importante que sejam regulares, para mostrar que o trabalho continua”, explica o magistrado, que conta também com o apoio de outras entidades, como Conselhos da Comunidade e Ordem dos Advogados do Brasil, nas inspeções.
No Paraná, a coordenação estadual do programa trabalhou conjuntamente com o GMF na elaboração de um roteiro para auxiliar nas inspeções. No final de junho, a juíza coordenadora do Grupo, Ana Carolina Bartolamei Ramos, realizou inspeção na capital Curitiba. “As inspeções são essenciais neste momento em que há um isolamento ainda maior das pessoas presas, com as visitas suspensas, por exemplo, em razão da pandemia. Por outro lado, o procedimento numa situação dessas deve ser específico, por isso a necessidade de orientações técnicas neste sentido, como feito pelo CNJ”, afirmou a magistrada, que é corregedora de presídios e atua na Vara de Execuções Penais.
Ainda segundo a juíza, a orientações do CNJ dão suporte técnico aos juízes para que tomem os devidos cuidados tanto para evitar a contaminação das presas e presos, como para evitar a contaminação da própria equipe que irá acompanhar inspeção, mas sem deixar de lado objetivo principal que é a presença do Poder Judiciário dentro dos estabelecimentos prisionais para inspecioná-los, ‘tomando providências para o adequado funcionamento e promovendo, quando for o caso, a apuração de responsabilidade’ (art. 66, II, da LEP)”, continua.
Socioeducativo
O sistema de execução de medidas socioeducativas, voltado a adolescentes que praticaram atos infracionais, também tem sido atendido pelas orientações técnicas do CNJ. Em Pernambuco, a juíza auxiliar da Vara Regional da Infância e Juventude, Marília Ferraz Martins Thum, inspecionou presencialmente uma das unidades de internação da capital Recife. “O receio de contágio nesse momento de pandemia atinge a todos. Mas a magistratura, mesmo nesse momento tão delicado, não se esquivou do seu papel constitucional e, pautado nas diretrizes do CNJ e da Coordenadoria da Infância do TJPE, pude realizar as inspeções de maneira segura a todos os envolvidos”, afirma a magistrada.
Ainda segundo a juíza, a condição peculiar do adolescente como pessoa em desenvolvimento torna a inspeção no sistema socioeducativo ainda mais relevante. “Além de verificar as condições físicas do estabelecimento de internação, fiscalizamos se estão sendo ofertados cursos e estudos aos socioeducandos, como forma de permitir que vislumbrem novas oportunidades e perspectivas de vida e, assim, seja efetivamente ressocializado”, diz a magistrada.
Minas Gerais também tem mantido calendário regular de inspeções no sistema socioeducativo, como explica o juiz Afrânio Nardy, da Vara Infracional de Belo Horizonte, que já realizou 18 visitas desde o início da pandemia. “Inspeções trabalham num duplo eixo: além de verificar condições da unidade, do ponto de vista estrutural e logística, procurar fazer acompanhamento de cada um dos adolescentes. Visitar unidades nesse período é um momento de escuta dos adolescentes sobre a situação nas unidades, rotinas e engajamento em atividades, além de preocupações que manifestam sobre a pandemia. Também ajudam a nortear decisões em cada processo de execução”, completa Nardy.
Magistrados de diversas outras UFs também realizam inspeções, tanto presenciais quanto por videoconferência –método alternativo que pode ser utilizado durante a pandemia. Entre eles estão Amapá, Bahia, Ceará, Distrito Federal, Espírito Santo, Maranhão, Pará, Paraíba, Rio Grande do Norte, Roraima, Santa Catarina e Sergipe. Todas as inspeções geram relatórios que são enviados ao CNJ.
Orientações
As orientações sobre inspeção durante a pandemia foram elaboradas pelo Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF/CNJ) em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e apoio do Ministério da Justiça e Segurança Pública, que busca soluções para desafios estruturais dos sistemas prisional e socioeducativo. Nas unidades da federação, as equipes locais do programa deram apoio técnico aos Judiciários locais para a elaboração dos roteiros de inspeção.
No lançamento das orientações técnicas para inspeções, o juiz auxiliar do CNJ com atuação no DMF Antônio Carlos Tavares destacou que as inspeções são procedimentos essenciais para o funcionamento dos estabelecimentos de privação de liberdade e merecem atenção especial durante a pandemia, já que 100% das unidades prisionais estão fechadas para visitação no país, segundo o Departamento Penitenciário Nacional (Depen).
Também juiz do DMF/CNJ, Fernando Pessôa da Silveira Mello afirmou que é dever dos magistrados garantir que as penas e as medidas socioeducativas impostas pelo Judiciário sejam cumpridas de acordo com padrões estabelecidos de dignidade. “Precisamos garantir que a pandemia não agrave a violação de direitos nos espaços de privação de liberdade, como pontuado pelo Supremo Tribunal Federal, que julgou o sistema prisional brasileiro como estado de coisas inconstitucional”,
Iuri Tôrres
Agência CNJ de Notícias com informações da assessoria do TJAM