A taxa de pessoas que voltaram a ser presas após deixarem os presídios em razão da pandemia do novo coronavírus é inferior a 2,5%, segundo amostras iniciais obtidas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em diferentes unidades da federação. A reavaliação emergencial de prisões para pessoas de grupo de risco que não foram condenadas por crimes violentos é uma das orientações da Recomendação n 62/2020, aprovada pelo CNJ em março para evitar mortes em massa nos ambientes de privação de liberdade. Entre março e maio, 32,5 mil pessoas receberam uma forma alternativa de cumprimento da pena, como regime domiciliar e monitoração eletrônica, o que representa cerca de 4% da população prisional do país.
O cruzamento dos efeitos da Recomendação 62 com dados sobre reentrada dos liberados pela pandemia foi realizado em Alagoas, Ceará, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, que tiveram taxas de 0,2%, 1,82%, 2,2% e 1,1%, respectivamente. Embora pesquisadores e instituições usem metodologias distintas para obter taxas de reentrada, resultando em variações no dado, o estudo mais recente do CNJ com informações sobre o assunto apontou uma taxa de retorno de 42,5% para o período entre 2015 e 2019.
Alagoas
Alagoas registrou apenas um caso de retorno entre meados de março e o fim de maio, período em que houve a saída de 402 pessoas com base da Recomendação CNJ n. 62. “Como demonstrado, a maioria das pessoas pediram o socorro da liberdade não para voltar a delinquir, mas para se tratar ou para evitar o contágio”, avalia o presidente do Tribunal de Justiça de Alagoas, desembargador Tutmés Airan de Albuquerque Melo. O presidente da corte alagoana ainda aponta que 2020 marca o primeiro ano, desde 2012, em que mais pessoas saíram da privação de liberdade do que ingressaram.
“A normativa [Recomendação 62] legitima a ação dos juízes. A atuação do CNJ foi muito importante e resgatou uma ideia humanitária. Ninguém é condenado para morrer contagiado. O CNJ evitou que se perpetrasse uma pena indireta de morte”, avalia Melo.
Ceará
Os números do Ceará mostram que, das 2.139 pessoas retiradas das prisões em razão da pandemia, apenas 39 voltaram a ser presas, uma taxa de 1,82%. “A ação conjunta de diversos órgãos refreou o contágio em massa e o colapso do sistema de saúde pública, com respeito às necessidades de paz social e segurança pública”, avalia o juiz da 3ª Vara de Execuções Penais do Ceará e membro do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário (GMF) local, Cézar Belmino Barbosa Evangelista Junior.
Entre as ações adotadas no estado listadas pelo magistrado, estão a constituição de comitê de acompanhamento da pandemia no sistema prisional com produção de dados, reuniões periódicas e participação de instituições diversas, como Secretaria de Administração Penitenciária, Secretaria de Saúde, Ministério Público, Defensoria Pública, Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa e a OAB-CE, além da análise célere dos pedidos de prisão domiciliar e saída antecipada.
Minas Gerais
Entre 17 de março a 4 de maio, foram colocados em liberdade 21.224 pessoas que estavam privadas em liberdade em Minas Gerais, sendo 8.340 pessoas em virtude da pandemia, enquanto o restante pelo fluxo natural do cumprimento de pena, livramento condicional e liberdade provisória. No mesmo período ocorreram 13.939 novas prisões, incluídas 664 pessoas que haviam sido beneficiadas com soltura por outros motivos no mesmo período, ou seja, 3,12%. Das pessoas soltas em razão da pandemia, 2,24% dos presos reentraram nas prisões por fato novo.
“Este controle revela em primeiro lugar a baixa reiteração criminosa dos beneficiados, e sobretudo que o maior número das reentradas não está com o público relacionado à pandemia”, afirma o magistrado Vara de Execuções Penais de Belo Horizonte, Luís Carlos Resende.
De acordo com o magistrado, muitos juízes de execução penal de Minas Gerais passaram a optar pela prisão domiciliar dos presos que já saíam diariamente das unidades prisionais (regimes aberto e semiaberto) ou que tinham direito a saídas temporárias, evitando assim o risco de contaminação à população privada de liberdade e aos próprios agentes penitenciários. Por conta dessas medidas, foi possível um rearranjo das pessoas que continuavam privadas de liberdade, e 30 estabelecimentos passaram a servir como porta de entrada das novas prisões efetuadas, isolando-se os demais do contato com os novos presos.
“Antes mesmo da edição da Recomendação CNJ n. 62/2020, o TJMG e o Poder Executivo mineiro já haviam editado as medidas sugeridas, e a confirmação de entendimento pelo CNJ trouxe extrema confiança aos magistrados quando de suas decisões, sobretudo ao interpretar que se tratava de política criminal e de saúde, com visão nacional”, diz Resende, que também é juiz auxiliar da Presidência da Corte. “É um misto de valores, coroado pela responsabilidade social com todos os envolvidos, sejam os operadores do direito, servidores do sistema, mas principalmente a população em geral, os presidiários e seus familiares”, avalia.
Rio Grande do Sul
No Rio Grande do Sul, entre 18 de março a 30 de abril, foram colocados em liberdade ou em prisão domiciliar 6.686 pessoas, dos quais aproximadamente um terço em decorrência da Recomendação CNJ n. 62. Do total de solturas, apenas 2,1%, ou 138 pessoas, retornaram ao sistema prisional por prisão em flagrante. “No Rio Grande do Sul, houve redução geral da criminalidade no período de pandemia, uma queda de aproximadamente 35% de ingressos de procedimentos relativos a prisões em flagrante e preventivas.
Considerando que a maioria dos presos colocados em prisão domiciliar cumpriam pena nos regimes semiaberto e aberto, não houve novo risco à segurança pública. O risco é o mesmo que preexistia à pandemia, consideradas as características dos regimes mais brandos”, explica o juiz corregedor do Tribunal de Justiça, Alexandre Pacheco, que também coordena o GMF local.
Em março foram concedidas 1.878 liberdades ou prisões domiciliares em decorrência da pandemia e da Recomendação CNJ n. 62, que representa 4,5% do total da população prisional de 42 mil presos. Das 1354 prisões domiciliares concedidas por juízes de execução criminal no mês de março, somente 10 a 15% referiam-se a presos de regime fechado, integrantes de grupo de risco. Os demais cumpriam pena nos regimes semiaberto e aberto. Segundo o magistrado, entre 1º a 17 de março, foram 535 domiciliares, enquanto no período entre 18 a 31 de março, 819. Em abril, houve queda de 52% da conversão em domiciliar, o que para ele, aponta que a maioria dos pedidos foi contemplado logo após a recomendação.
Iuri Tôrres
Agência CNJ de Notícias