O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) recomendou ao Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul (TJMS) que regulamente e fiscalize o cumprimento dos ritos que devem preceder a internação de adolescentes em conflito com a lei. A sugestão consta em relatório produzido pelo Programa Justiça ao Jovem, do CNJ, sobre o sistema socioeducativo daquele Estado. O documento foi encaminhado às autoridades do Poder Judiciário e Executivo na semana passada.
Durante visitas às unidades de internação sul- mato-grossenses, em maio do ano passado, as equipes do CNJ verificaram a inexistência “de fluxo bem definido para as providências previstas no art. 175 e seguintes do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que dizem respeito à apresentação ao Ministério Público (MP) e ao Judiciário, pela autoridade policial, do adolescente apreendido em flagrante por ato infracional de natureza grave”.
Pela legislação, a apresentação do adolescente ao Ministério Público deve ocorrer em no máximo 24 horas. Após realizar a oitiva e verificar os termos do flagrante, o órgão pode representar o adolescente, solicitando a internação deste. Nesse caso, o pedido de custódia deve ser apreciado pelo juiz responsável imediatamente.
Segundo o juiz auxiliar da Presidência do CNJ Daniel Issler, o Tribunal de Justiça deve fiscalizar o cumprimento do rito estabelecido no ECA. “A recomendação do CNJ é a de que o TJMS realize estudos para a edição de regulamentação sobre este fluxo e fiscalize o seu cumprimento. Também se faz necessário mais diálogo com a Polícia Civil e Ministério Público, para que haja a integração das ações”, afirmou.
De acordo com Issler, verificou-se também, durante as visitas, algumas situações em que o prazo de cinco dias para a permanência de adolescentes custodiados em distritos policiais não é respeitado. Esse período está previsto no art. 185, § 2º, do Estatuto da Criança e do Adolescente. Segundo o juiz, o problema foi verificado, principalmente, na comarca de Maracaju.
Unidades – O Programa Justiça ao Jovem visitou as oito unidades de internação do Mato Grosso do Sul. O relatório traz detalhes das condições de cada um desses estabelecimentos. Na Unidade Pantanal, em Corumbá, constatou-se a existência de alojamento único, o que impede a separação dos adolescentes por critérios como idade, compleição física e gravidade do ato infracional.
A Unidade Mitaí, em Ponta Porã, foi construída há dois anos e possui instalações adequadas para múltiplas atividades. Mas o quadro de servidores está incompleto. Como o estabelecimento fica em área de fronteira com o Paraguai, os adolescentes são separados de acordo com a nacionalidade. Também há jovens indígenas entre os internados, os quais não vêm recebendo acompanhamento da Fundação Nacional do Índio (Funai).
Em Campo Grande, a Unidade Dom Bosco tem arquitetura semelhante a prisões e problemas com o abastecimento de água. A Unidade Estrela da Manhã, na mesma cidade, destinada a adolescentes do sexo feminino, funciona em casa adaptada, com estrutura deteriorada e infiltrações. As jovens atendidas, no entanto, elogiaram o tratamento que recebem dos funcionários.
Ainda em Campo Grande, a Unidade Novo Caminho, de internação provisória de adolescentes do sexo masculino, embora funcione em prédio adaptado, revelou-se bem conservada, arejada e limpa. Os jovens elogiaram o tratamento.
A Unidade Aurora Gonçalves Coimbra, em Três Lagoas, tem estrutura precária e insuficiente para atender os adolescentes. Há problemas com a higiene e falta atividades profissionalizantes.
Em Dourados, a unidade feminina Esperança encontrava-se em péssimo estado de conservação. As jovens ficam ociosas a maior parte do tempo, pois não há atividades pedagógicas ou profissionalizantes. Já a Unidade Laranja Doce, na mesma cidade, a maioria dos adolescentes afirmou receber agressões físicas constantemente.
Defensoria – De acordo com Daniel Issler, um dos coordenadores do programa, a Defensoria Pública sul-mato-grossense realiza um bom trabalho com os adolescentes. O órgão ajuizou, nos últimos anos, diversas ações cíveis públicas com vistas ao aperfeiçoamento das condições das unidades de internação.
Para o coordenador do Justiça ao Jovem, para melhorar a execução da internação, o Estado do Mato Grosso do Sul precisa, entre outras medidas, adequar as unidades ao Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), criar mais vagas e investir na formação continuada de servidores e magistrados.
Programa – O Justiça ao Jovem foi criado em junho de 2010 para avaliar o sistema socioeducativo brasileiro. O programa percorreu todo o país e elaborou diagnósticos para cada estado que visitou (veja aqui).
Giselle Souza
Agência CNJ de Notícias