Há dez anos, não havia uma estatística nacional em relação ao número de processos judiciais, tampouco sobre o orçamento dos tribunais ou a quantidade de magistrados e servidores do Poder Judiciário no Brasil. Com o objetivo de proporcionar dados confiáveis para aprimorar o planejamento da Justiça, bem como dar transparência perante a população, em 2004, o Supremo Tribunal Federal (STF) publicou o primeiro Relatório Justiça em Números, com base em números de 2003. A pesquisa, assumida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no ano seguinte, tornou-se o principal instrumento de gestão do Poder Judiciário, apontando no último relatório, referente ao ano de 2013, o total de 95,1 milhões de processos em tramitação na Justiça brasileira. De acordo com projeções feitas pelo CNJ, esse número pode alcançar a marca de 114,5 milhões em 2020.
O Justiça em Números, que começou com dados mais básicos sobre despesas e números de processos, possui atualmente três grupos de informações: orçamentárias (despesas), de pessoal (número de servidores e magistrados) e sobre litigiosidade (número de processos, classe processual, julgamentos realizados, estoque). Ao longo dos anos, foram desenvolvidos diversos indicadores que permitiram a análise da produtividade, da celeridade e do acesso ao Poder Judiciário, como o Índice de Atendimento à Demanda (IAD) – que indica se está havendo aumento ou diminuição do estoque de processos ao longo do tempo -, o Índice de Produtividade dos Magistrados (IPM) e Índice de Produtividade dos Servidores (IPS). Outro indicador importante é a taxa de congestionamento que, de acordo com o relatório de 2014, apresentou patamar de 70,9%, ou seja, de cada 100 processos que tramitaram na Justiça em 2013 aproximadamente 29 foram baixados no período.
Na opinião do conselheiro do CNJ Rubens Curado, membro da Comissão Permanente de Gestão Estratégica, Estatística e Orçamento do CNJ, há uma proximidade muito grande entre o Justiça em Números e a gestão estratégica dos tribunais. “Toda gestão parte do pressuposto de uma informação sobre a realidade da instituição e o Justiça em Números é o principal instrumento para permitir o planejamento dos tribunais”, afirma Curado.
Além do planejamento, outra função importante do Justiça em Números é permitir a transparência do Poder Judiciário, em relação ao seu desempenho, seu orçamento e suas despesas. Para Curado, o processo de incentivo à transparência defendido pelo CNJ começou pelo Justiça em Números. “O relatório funciona como uma prestação de contas para a sociedade, mostrando o desempenho da Justiça e o retorno do investimento feito pela população no Poder Judiciário”, diz.
A evolução da pesquisa coincide com o desenvolvimento da informatização no Judiciário e o Processo Judicial Eletrônico (PJe), sobretudo em relação aos dados que se referem à litigiosidade. “Sem a informatização não poderíamos fazer o Justiça em Números, o que se tornou possível também com a doação de equipamentos pelo CNJ aos tribunais”, conta Curado.
Estratégias do Judiciário – Um exemplo de planejamento a partir do relatório é a Política Nacional de Atenção Prioritária ao Primeiro Grau de Jurisdição, estabelecida pelo CNJ com a Resolução n. 194/2014. O objetivo é desenvolver iniciativas voltadas ao aperfeiçoamento da qualidade e efetividade dos serviços judiciários da primeira instância dos tribunais brasileiros. A política foi feita com base nos dados do Justiça em Números 2014, segundo os quais, dos 95,1 milhões de processos que tramitaram no Judiciário brasileiro no ano de 2013, 85,7 milhões encontravam-se no primeiro grau, o que corresponde a 90% do total.
Conforme a pesquisa, a taxa de congestionamento do segundo grau, computado todo o Judiciário, é de 47%, enquanto a do primeiro grau é de 73%. De acordo com o conselheiro Curado, que foi o relator da Resolução n. 194, a norma foi toda estruturada e fundamentada em dados do Justiça em Números. “Não se pode fazer política pública com base no ‘achismo’ e, antes do Justiça em Números, não se tinha uma noção da realidade nacional do Judiciário. Não havia uma consolidação dos dados esparsos dos tribunais”, diz Curado.
Acesso à Justiça – De acordo com o Justiça em Números 2014, em cinco anos, o número de processos pendentes passou de 58,9 milhões em 2009 para 66,8 milhões em 2013. Na comparação com 2012, o dado de 2013 representa aumento de 4,2%. Em contrapartida, o ritmo de ingresso de casos novos apresentou queda em 2013. O percentual de aumento no número de casos novos, que já chegou a 9% entre 2010 e 2011, caiu para 1,2% no ano passado.
Para o conselheiro Rubens Curado, a litigiosidade, no entanto, não deve ser apenas motivo de preocupação, pois ela representa também o maior acesso da população à Justiça. “Convivem no Brasil pessoas com pouco ou sem acesso à Justiça em contraste com instituições, sobretudo empresas, que fazem uso abusivo da Justiça, que são os grandes litigantes. Não se pode colocar a culpa da litigiosidade no cidadão que busca a Justiça e tem esse direito, mas em algumas grandes empresas, e inclusive na administração pública, que são grandes litigantes e abusam da Justiça”, acredita o conselheiro.
O Justiça em Números nos mostra ainda uma correlação direta entre litigiosidade e o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) nos estados – quanto maior o IDH, como nos estados de São Paulo e do Rio Grande do Sul, maior o número de processos novos. Para o conselheiro Curado, esse dado mostra que o acesso à Justiça tem a ver com a cidadania e o avanço no desenvolvimento humano. “Observamos que quanto mais instruída a pessoa, mais chances de recorrer ao Poder Judiciário”, diz.
Produtividade dos magistrados – Também foram desenvolvidos índices, no Justiça em Números, com o intuito de medir a produtividade de magistrados (IPM) e de servidores (IPS). Segundo o IPM, em 2013, foram baixados 1.684 processos por magistrado, o que indica queda de 1,7% em relação aos verificado no ano anterior (1.712 processos). Já o índice relativo aos servidores passou de 102 para 100 processos baixados por servidor (queda de 1,8%).
Embora considere que a Justiça ainda esteja longe do ideal de celeridade em razão do número de processos, Curado avalia que o relatório permitiu concluir que não se pode culpar os juízes pela demora. O relatório mostra que cada juiz julga, em média, 1.500 processos por ano, o que dá, em média, 4,2 processos por dia, sem considerar fins de semana e feriados. “Ou seja, os juízes produzem muito, claro que contando com uma equipe de servidores, mas, mesmo assim, não dão conta de dar vazão a demanda toda e aí entra em cena o diagnóstico da litigiosidade brasileira”, conta Curado.
Outro índice importante é o Índice de Atendimento à Demanda (IAD), que indica aumento ou diminuição do estoque ao longo do tempo. Quando o percentual resultante é igual ou maior que 100% significa que o estoque de processos pendentes está diminuindo. O relatório, no entanto, mostra que houve, nos últimos cinco anos, movimento em sentido contrário – o índice passou de 103% em 2009 para 98% em 2013, o que indica uma tendência de aumento no estoque.
Novos indicadores – Desde a sua criação, em 2004, o Justiça em Números passou por duas importantes reformulações: a primeira, em 2009, por meio da Resolução n. 76/2009, que criou o modelo atual e, a segunda, em 2015, quando novos indicadores foram incluídos para aperfeiçoar o relatório, a partir de consulta pública e ampla participação dos tribunais.
Com isso, a edição de 2016 a ser produzida com base nos dados dos tribunais em 2015 terá, como principal avanço, a coleta e publicação de dados sobre a duração dos processos, que permitirá saber não só o tempo total de tramitação das ações como o tempo de cada etapa processual. “Essa é uma das informações mais caras à sociedade. Poderemos ver quais são as fases mais demoradas do processo, compará-las entre os tribunais e fazer, inclusive, um corte por procedimento ou por classe processual”, diz o conselheiro Curado.
Outros destaques são a criação de indicadores sobre conciliação – que atualmente existem apenas na Justiça do Trabalho – e da taxa de congestionamento líquida, que exclui do estoque de cada tribunal os processos suspensos em razão de repercussão geral e de recursos repetitivos, que também passarão a ter indicadores próprios.
Além das recentes alterações para inclusão dos novos indicadores, o CNJ está desenvolvendo um projeto para ter acesso às informações de capa de todos os processos que tramitam na Justiça, que contém, dentre outros dados, o autor da ação e o assunto, que foi padronizado pela Resolução 46, que criou as Tabelas Processuais Unificadas do Poder Judiciário. Esses dados serão alimentados pelos próprios tribunais por meio de um sistema denominado web service. Com essas informações, será possível saber, por exemplo, quantos processos sobre violência contra a mulher, pedidos de medicamentos, tribunais do júri, dentre muitos outros temas, existem no Judiciário brasileiro.
Esta é a segunda matéria de uma série especial sobre a atuação do Conselho Nacional de Justiça ao longo de seus dez anos de existência. Nesta quarta-feira (10/6) mostraremos como as ferramentas de planejamento e gestão, a exemplo das Metas Nacionais e de programas como o Processo Judicial Eletrônico (PJe), contribuíram para o desenvolvimento do Judiciário.
Luiza de Carvalho Fariello
Agência CNJ de Notícias