O aumento expressivo no número de mulheres presas no Brasil – crescimento de 567% em 15 anos – vem exigindo que o Poder Público revise o encarceramento das detentas. Na tentativa de garantir a humanização do sistema prisional feminino, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) adotou um modelo que dá atenção diferenciada à questão.
Na comarca de Porto Alegre, o 1º Juizado da 2ª Vara de Execução Criminal, apelidada de VEC feminina, desenvolve um trabalho pioneiro a respeito do aprisionamento feminino. Além de melhorias no ambiente em que essas mulheres cumprem as penas, a iniciativa busca garantir a manutenção dos laços afetivos das detentas com as famílias que as esperam do lado de fora.
“Não subestimo os problemas dos homens privados de liberdade, mas as mulheres enfrentam questões mais complexas. Na maior parte das vezes, o encarceramento delas desfaz a unidade familiar”, afirma a juíza Patrícia Fraga, titular da vara.
A juíza é responsável por fiscalizar e acompanhar o cumprimento de penas em quatro unidades da capital e da região metropolitana: Instituto Penal Feminino de Porto Alegre, Presídio Feminino Madre Pelletier, Anexo Feminino da Penitenciária Modulada de Montenegro e Penitenciária Feminina de Guaíba.
O trabalho pioneiro começou a ser desenvolvido em abril de 2014, a partir de sugestão do juiz Sidinei Brzuska, à época responsável por todos os presídios da capital gaúcha. Desde então, a cada semana, a juíza Patrícia inspeciona um dos estabelecimentos, oportunidade em que checa condições dos locais e ouve demandas das mulheres presas. Patrícia destaca uma particularidade desses atendimentos. “Enquanto uma conversa com um preso leva em média 15 minutos, com a presa chega a durar uma hora e meia”, diz.
Segundo a juíza, os filhos são a maior preocupação destas mulheres encarceradas. Na tentativa de amenizar o problema, assim que uma mãe ingressa no sistema prisional, a VEC verifica a situação dos filhos e, caso seja necessário, encaminha o caso ao Ministério Público para que sejam tomadas providências.
Melhorias
Em condições precárias, os presídios desafiam os gestores estaduais e mobilizam o Judiciário. Recursos provenientes de verbas pecuniárias – cedidas pela vara local de penas alternativas – costumam ser usados para fazer melhorias nas instalações das unidades. No momento, o Presídio Feminino Madre Pelletier, prédio construído na década de 1950, passa por uma reforma, a primeira em décadas. Por abrigar detentas mais vulneráveis – como gestantes, idosas e presas com dificuldades de mobilidade –, além de contar com uma unidade materno-infantil, esse presídio recebe ajuda especial da VEC feminina.
Os R$ 210 mil investidos na obra, que será concluída em outubro, prevê a troca das redes elétrica e hidráulica, além de reparos na parte estrutural. Com a melhoria das condições do presídio será possível instalar equipamentos doados pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen), como aparelhos de ar-condicionado, nebulizadores e máquinas de lavar roupa. Atualmente, oito gestantes e cinco mães com bebês recém-nascidos estão instaladas no local.
As crianças ficam na unidade até completar um ano e, a partir dos 6 meses, é iniciado um trabalho de preparação para separação de mãe e filho. “Esse processo envolve ainda a família extensa da presa (normalmente os avós), ou seja, a pessoa que vai cuidar da criança”, afirma a juíza.
O trabalho é desenvolvido em parceria com a Vara da Infância e da Juventude, que expede o termo de guarda aos responsáveis para que a criança possa deixar legalmente a unidade prisional.
A medida – aplicada na grande maioria dos casos – garante mais conforto à mulher presa, pois permite a manutenção do vínculo com o filho, que pode visitá-la no presídio. As demais visitas às presas são outra peculiaridade da realidade do cárcere feminino. Enquanto nos presídios masculinos, esposas e namoradas costumam lotar as filas para manter contato com os companheiros, nas prisões destinadas às mulheres, mãe e irmãs são as visitantes mais comuns.
Dignidade humana
A carência material nos presídios gaúchos segue o padrão do sistema carcerário brasileiro. “A luta pela dignidade da mulher encarcerada é diária. Não ter absorvente, sabonete, pasta de dentes é um atentado à dignidade humana”, diz Patrícia Fraga.
Em 2016, por meio de uma campanha informal, a VEC feminina arrecadou mais de 3 mil itens, como leite em pó, produtos de higiene e de limpeza.
Além dessa iniciativa, a vara desenvolve nas quatro unidades atendidas ações de saúde, como mutirões para a realização de mamografias, e de conscientização a respeito de temas como a violência doméstica. “Propomos reflexões para que elas pensem a respeito do papel que têm como mulher e ensinem seus filhos e filhas sobre o assunto”, afirma a magistrada.
Regras de Bangkok
Principal marco normativo mundial sobre o encarceramento feminino, as Regras de Bangkok tiveram sua versão oficial para o português lançada em março de 2016. O documento publicado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) foi aprovado pelas Nações Unidas em 2010 e traz diretrizes para o tratamento de mulheres presas e medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras.
Thaís Cieglinski
Agência CNJ de Notícias