O Tribunal de Justiça de Roraima (TJRR) firmou acordo de cooperação judicial com o alto comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) em que se compromete com o atendimento judicial itinerante à população de refugiados venezuelanos que se encontra no Estado.
Mais de 800 venezuelanos entram por dia no Brasil, de acordo com a Acnur. Desde 2017, 52 mil venezuelanos ingressaram no País, 40 mil deles por meio do estado de Roraima. O acordo foi feito em função da situação de extrema vulnerabilidade destes imigrantes e a necessidade de assegurar os direitos inerentes à dignidade humana.
A participação de magistrados na Justiça Itinerante, uma política incentivada pelo Conselho, é regulamentada pelo Provimento n. 20/2012 da Corregedoria do CNJ. De acordo com o juiz Erick Linhares, da Vara Itinerante de Boa Vista, idealizador do acordo, o primeiro passo é a visitação dos abrigos para refugiados.
Hoje existem cerca de dez na cidade, e outros quatro estão sendo organizados, para entender quais são as principais demandas desta população. Em geral, a primeira providência tomada pelos imigrantes é tentar regularizar a sua situação junto aos órgãos federais e a emissão da carteira de refugiado.
Segundo o juiz Linhares, o Judiciário pode auxiliar na segunda etapa, que prevê a integração dos imigrantes na comunidade. Um dos objetivos principais do atendimento de Justiça itinerante é regularizar a situação das crianças no Brasil: “queremos matricular as crianças na escola, traduzir documentos, regularizar a guarda das crianças, que muitas vezes não vêm com os pais. Essas crianças estão nas ruas”, diz o juiz.
Relação de confiança
Além disso, o atendimento prestado pela Justiça Itinerante do TJ de Roraima deverá homologar causas cíveis que envolvam matérias como reconhecimento e extinção de união estável, fixação de alimentos, reconhecimento de paternidade, entre outros.
“A ideia é integrá-los à sociedade e facilitar a vida deles no país. Precisaremos construir uma relação de confiança, o que não é simples pois eles vêm de um Estado opressor”, diz Linhares.
Conforme o acordo, assinado pela desembargadora Elaine Cristina Bianchi, presidente do TJRR, as audiências poderão ser realizadas em espanhol, e os atos processuais deverão ser redigidos em português. O tribunal vai estabelecer o calendário de atendimentos em abrigos e praças onde se encontrem os refugiados com uma semana de antecedência.
De acordo com dados do Ministério da Justiça, até julho de 2017, estimava-se que havia cerca de 300 mil venezuelanos na Colômbia, 40 mil em Trinidade e Tobago e 30 mil no Brasil em situações migratórias diversas ou em situação irregular.
Apenas entre janeiro e setembro do ano passado, cerca de 48.500 venezuelanos solicitaram refúgio em diversos países, quase o dobro de 2016.
Auxílio dos próprios imigrantes
Alguns venezuelanos deverão atuar como conciliadores ou tradutores durante o mutirão de Justiça Itinerante, especialmente aqueles que possuem formação nestas áreas em seu País de origem. É o caso de Oswaldo José Ponce Pérez, 51, que era juiz federal em Caracas, capital da Venezuela.
Pérez abandonou a Venezuela devido à perseguição política que sofreu do governo e, no Brasil, acabou arrumando um trabalho análogo ao de escravo.
Atualmente, o juiz ganha a vida como músico, apresentando-se em bares de Boa Vista. Segundo o juiz Linhares, o ex-juiz venezuelano, que também fala português e tem ótima qualificação, atuará como conciliador voluntário pelo TJ-RR.
Outro venezuelano que deverá auxiliar nos atendimentos da Justiça itinerante era professor de idiomas, fluente em quatro deles, que teve de vender tudo o que tinha em seu País para comprar comida – no Brasil, vende cocada no terminal de ônibus da capital roraimense.
Luiza Fariello
Agência CNJ de Notícias