O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) prepara, em conjunto com o Comitê Gestor Nacional de Justiça Restaurativa e magistrados, membros dos grupos gestores nos estados, a minuta de um Plano de Desenvolvimento para colocar em prática a Justiça Restaurativa no país. O texto pretende ser um orientador dos tribunais na aplicação dessa solução de conflitos baseada na escuta das vítimas e ofensores. Uma síntese do texto foi apresentada no Seminário Justiça Restaurativa, realizado pelo CNJ, nesta segunda e terça-feira (17/6), na sede do Tribunal Superior do Trabalho (TST), em Brasília.
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O relator da minuta, juiz Marcelo Nalesso Salmaso, membro do Comitê Gestor Nacional da Justiça Restaurativa do CNJ, apresentou alguns pontos que poderão nortear a política nacional, caso sejam aprovados. A ideia, segundo Salmaso, é incentivar os tribunais a implantarem projetos de Justiça Restaurativa ou, caso já o façam, fortalecer os programas já existentes. Primeiramente, o plano mapeou os programas em desenvolvimento nas Cortes, e delineou um modelo da política, por meio de parâmetros e diretrizes.
Ele ressaltou que o texto traz tópicos relativos à estrutura física (espaço necessário) e humana (número de facilitadores, de psicólogos e assistentes sociais, por exemplo), para a efetivação da Resolução CNJ nº 225/2016. Entre eles, estão, por exemplo, a carga horária do curso de formação dos facilitadores em Justiça Restaurativa e a possibilidade de ministrar a parte teórica por meio virtual e, obrigatoriamente, de maneira presencial, a parte prática. Outro ponto apresentado e que deverá ser debatido entre os participantes do seminário nas oficinas que ocorrem nesta terça-feira (18/6), diz respeito ao incentivo, pelo CNJ, para que os tribunais prevejam em suas dotações orçamentárias valores voltados à aplicação da Justiça Restaurativa em seus estados.
Além dos debates presenciais, uma consulta pública será aberta para que outras contribuições possam ser trazidas e ouvidas pelo relator da minuta. Salmaso afirmou que o texto final contará com o apoio do Departamento de Pesquisas Judiciárias (DPJ), que compilará as sugestões encaminhadas nas próximas semanas. O normativo final deve ficar pronto até novembro. “Contamos que esse seja um trabalho de equipe, de construção coletiva. Queremos um modelo orientador, e não um modelo fechado”, disse.
Reparação de danos
O coordenador do Comitê Gestor de Justiça Restaurativa do CNJ, conselheiro Valtércio Oliveira, destacou a importância de se buscar o fim para um conflito, em um ambiente guardado de segurança jurídica e física, que vá além da mera punição, mas que trate, por exemplo, da reparação de danos emocionais.
“Queremos disseminar a Justiça Restaurativa por todo o país, não apenas na esfera judicial. Aprimorar essa questão, levá-la para as comunidades. Nas escolas onde existe esse trabalho restaurativo, os círculos restaurativos estão ajudando e mudando a vida de muitas pessoas. Em uma escola de Caxias do Sul (RS), cidade onde já existe uma política de pacificação social por iniciativa do município, o número de delitos cometidos entre jovens caiu mais de 50%”, disse o conselheiro.
Realidade mais pacífica
“É preciso trabalhar na difusão nacional da Justiça Restaurativa para conduzir a sociedade a uma realidade mais pacífica”. Essa é a opinião do coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas do Conselho Nacional de Justiça (DMF/CNJ), Luís Geraldo Sant’ana Lanfredi, que também participou do Seminário Justiça Restaurativa.
De acordo com o especialista, a Justiça tradicional só tem a “punição” como resposta. E a expectativa é sempre pela prisão. “Precisamos superar a forma como tratamos os conflitos e a violência. O crescimento do encarceramento não tem trazido nenhum benefício para a sociedade. Pelo contrário, está aumentando ainda mais a violência”, avalia. Para Lanfredi, é necessário buscar a raiz dos conflitos, envolvendo positivamente as partes, reestabelecendo relações e construindo uma cultura de paz e promovendo a efetiva transformação da sociedade.
A juíza Josineide Medeiros, do Tribunal de Justiça do Pará compartilha da mesma opinião. “Nosso trabalho aqui é mostrar esse espaço da justiça restaurativa em diversos aspectos, para que ela possa ser ampliada. Desejamos a implantação da cultura da paz e do respeito às diferenças”, disse. Para Alexandre Takashima, juiz do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, “o Judiciário é apenas mais uma peça nesse movimento”. O magistrado enfatizou que as instituições são formadas por pessoas e que o papel da Justiça Restaurativa é “construir pontes” entre as pessoas e as instituições”.
Capacitação
A coordenadora pedagógica do Centro de Formação e Desenvolvimento de Pessoas do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), Mary Biancamano, falou sobre a implantação do curso de capacitação de facilitadores e metodologias restaurativas no Rio Grande do Sul. De acordo com ela, existem hoje no estado 56 facilitadores judiciais, 840 facilitadores da paz e 66 juízes em orientação.
No Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) a supervisora do Serviço de Justiça Restaurativa, Andrea Svicero, afirmou que a parceria com os magistrados tem feito o projeto crescer. “Quando todos conhecem e acreditam no trabalho, ajuda muito”, enfatizou. No tribunal, mais da metade dos magistrados já passaram pelo treinamento para serem facilitadores.
Rodrigo Dias, juiz e coordenador do Comitê de Práticas Restaurativas do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), disse que no seu estado o desafio ainda é motivar as pessoas a aplicar o que aprenderam nos cursos de metodologias restaurativas. Atualmente, o tribunal conta com 27 instrutores e, até o final de 2018, já haviam sido capacitados 1.352 pessoas. Somente neste ano, até maio, mais 100 pessoas foram treinadas.
Justiça Restaurativa: o que é
A Resolução CNJ n. 225, de 2016, conceitua justiça restaurativa para o Poder Judiciário como um “conjunto ordenado e sistêmico de princípios, métodos, técnicas e atividades próprias que visa à conscientização sobre os fatores relacionais, institucionais e sociais motivadores de conflitos e violência, e por meio do qual os conflitos que geram dano, concreto ou abstrato, são solucionados de modo estruturado”.
Com uma abordagem diferente do fenômeno da violência, o método de solução de conflitos da justiça restaurativa prevê a responsabilização do(s) agressor(es), direta ou indiretamente, além da reparação do dano de uma forma que permita a recomposição dos laços sociais rompidos pela violência.
A iniciativa prima pela criatividade e sensibilidade na escuta das partes em conflito, com a adoção de medidas voltadas para a solução de divergências ou, em casos de violência, mediante a aproximação entre vítima, agressor, suas famílias e a sociedade, na reparação dos danos causados por um crime ou infração.
A partir da escuta ativa e da compreensão das responsabilidades, busca-se a reparação dos danos advindos da transgressão e o atendimento das necessidades de todos os envolvidos, construindo-se novos caminhos de convivência. O método vem sendo executado há mais de dez anos no país.
Paula Andrade e Regina Bandeira
Agência CNJ de Notícias