José Barroso Filho*
Nas palavras de GIORGIO DEL VECCHIO: “o crime não é simplesmente um fato individual pelo qual deve responder, de modo exclusivo, seu autor, para repará-lo; é também – e precisamente nas formas mais graves e constantes – um fato social que revela desequilíbrios na estrutura da sociedade onde se produz. Em conseqüência, suscita problemas muito além da pena e da reparação devidas pelo criminoso”.
Para DAHRENDORF, “nas sociedades contemporâneas assiste-se ao declínio das sanções. A impunidade torna-se cotidiana. Esse processo é particularmente visível em algumas áreas da existência social. Trata-se de áreas onde é mais provável ocorrer a isenção de penalidade por crimes cometidos. São chamadas de áreas de exclusão e demonstram o reconhecimento, por parte do cidadão comum, de espaços na cidade que devem ser deliberadamente evitados, isto é, o reconhecimento de áreas que se tornaram isentas do processo normal de manutenção da lei e da ordem”.
Tratar o fenômeno jurídico de maneira isolada é uma visão reducionista e ineficiente, necessário a compreensão de outros domínios, além do Jurídico: o Político, o Econômico, o Social. Essa visão mutidisciplinar é fundamental para entender o fenômeno jurídico.
Analisemos a correlação entre o urbanismo e a criminalidade.
A Pesquisa de Informações Básicas dos Municípios, feita pelo IBGE, revela que favelas nada têm a ver com material de construção. Dos caixotes cobertos de zinco às casas de alvenaria, não houve progresso social nem urbano. A ilusão de encontrar emprego nas áreas metropolitanas perdura.
O problema das ocupações irregulares de terrenos urbanos para moradia da população de baixa renda se repete na maioria das grandes cidades brasileiras e nos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento. O resultado é o crescimento desordenado e o inchaço das cidades com falta de infraestrutura para garantir as necessidades básicas do cidadão, reconhecidas na Constituição, como o saneamento básico, abastecimento de água, assistência médica, transporte e educação.
As áreas de habitações sub-humanas são presas do crime organizado e tornaram-se questão de segurança. Impossível, no labirinto das favelas, repletas de vielas e becos inacessíveis, o acesso de uma ambulância ou uma viatura da polícia, dentre as sensíveis ausências do Poder Público. As áreas de habitações sub-humanas são presas do crime organizado e tornaram-se questão de segurança. Impossível, no labirinto das favelas, repletas de vielas e becos inacessíveis, o acesso de uma ambulância ou uma viatura da polícia, dentre as sensíveis ausências do Poder Público.
As conseqüências recaem sobre os próprios moradores, na sua esmagadora maioria, honestos e que ficam reféns de grupos criminosos. Desta forma, o urbanismo converte-se em um grave fator criminógeno.
Vale lembrar que as chaves do urbanismo estão nas quatro funções: habitar, trabalhar, recrear-se, circular. Todas estas funções estão comprometidas ou inexistem nas chamadas favelas ou invasões.
Necessário o estímulo a parcerias comunitárias com o setor público e adotar providências simples como a ?reabilitação de prédios que possibilitem conduta criminosa; melhorar o meio ambiente urbano: iluminar ruas; remover crescimento de matagais; lacrar prédio vazios; abrir vias de acesso aos serviços públicos, impedindo o estabelecimentos dos “labirintos de vielas e becos” …
Fundamental é a ampliação de postos de saúde nos bairros, de modo a promover o atendimento básico, inclusive, utilizando os recursos da telemedicina.
De todo interessante será a criação e reformas de praças, bem assim, a implementação de uma rede de bibliotecas em bairros mais pobres, cujo papel primordial é recuperar o espaço público deteriorado e facilitar a convivência Com o mesmo objetivo, a promoção de constantes shows de música, entre várias outras ações culturais como festivais de teatro e de dança. Os efeitos dessas iniciativas resultarão no surgimento de uma nova vida noturna, antes limitada porque as famílias tinham medo de sair de casa.
Fundamental e melhoria da educação formal. O poder público deve se empenhar em aumentar a matrícula, reduzir a evasão e, através do treinamento para os professores, oferecer melhor qualidade de ensino.
Basta observar os êxitos obtidos em Bogotá e Medelin, na Colômbia, ambas, antes conhecidas como centros de violência.
Vale o exemplo do Haiti, no qual, as tropas brasileiras aprenderam que o Estado não pode se restringir ao patrulhamento, mas deve melhorar a vida nas favelas para ganhar o apoio da população. Enquanto os militares se limitaram ao patrulhamento, foram acuados pelos criminosos das três grande favelas de Porto Príncipe: Cité Soleil, Cité Militaire e Bel-Air. Tudo mudou depois que a Companhia de Engenharia começou a acompanhar as operações e a executar obras e serviços. Segundo o General AUGUSTO HELENO, primeiro comandante da Missão de Estabilização no Haiti (ONU), as ações começaram com a simples retirada de lixo das favelas – só em Bel Air foram 1.200 caminhões – e prosseguiu com obras que melhoraram a qualidade de vida dos moradores: “Imediatamente após a ação militar, a companhia entrava e fazia intervenções capazes de melhorar o dia-a-dia da população. Em Cité Soleil, só havia água duas vezes por semana, quando tinha. Chegamos lá e fizemos poços. Hoje, os moradores têm água 24h por dia. Recuperamos escolas, colocamos um posto de saúde com médicos e dentistas. Temos gente até para cortar cabelo. Para a população, isso é sensacional”, explica.
O Direito como instrumento de Justiça não pode ser ensimesmado ou pretender ser infenso à realidade. Deve ser engajado e, sobretudo, prospectivo e voltado ao desenvolvimento humano. Deve ser compreendido, ensinado e aplicado sempre em uma perspectiva multidisciplinar. Não há justiça sem desenvolvimento! Não há desenvolvimento sem justiça!
(*) José Barroso Filho é juiz-auditor da Justiça Militar Federal, titular da 12ª C.J.M. (AM, AC, RO e RR), já atuou na 2ª Auditoria da 3ª C.J.M. (Bagé/RS), na 3ª Auditoria da 3ª C.J.M. (Santa Maria/RS), na Auditoria da 6ª C.J.M.(Ba e SE) e na Auditoria da 10ª C.J.M. (CE e PI; Juiz Auxiliar da Presidência do Conselho Nacional de Justiça – CNJ (DF); Selecionado pela ONU para o posto de Juiz Internacional em Timor-Leste; Professor universitário; Doutorando em Administração Pública pela Universidad Complutense de Madrid (Espanha); Diploma de Estudos Avançados em Administração Pública (Universidad Complutense de Madrid – Espanha); Mestre em Direito pela UFBA; Especialista em Direito Público pela UNIFACS; Pós-graduado pela Escola Judicial Edésio Fernandes/MG, pela Escola de Formação de Magistrados/Ba e pela Escola Superior de Guerra/RJ; Professor da Escola de Magistrados/Bahia; Professor de Cursos de pós-graduação do CIESA (AM), Fundação Visconde de Cairu (Ba) e CCJB (Ba); Conferencista da Escola de Administração do Exército (ESAEX); Diretor científico do Centro de Cultura Jurídica da Bahia (CCJB); Membro do Conselho Editorial da Revista Brasileira de Direito Público; Membro de Bancas Examinadoras em Concursos Jurídicos; Autor de várias obras jurídicas (livros e artigos); Ex-Juiz de Direito (MG); Ex-Juiz de Direito (PE); Ex-Juiz Eleitoral (45ª e 123ª Zonas Eleitorais – TRE/PE); Ex- Promotor de Justiça (BA).
Artigo publicado em 2 de maio de 2008