Ao participar, na manhã de hoje (dia 9), de audiência pública na Comissão de Reforma do Judiciário, no Congresso Nacional, o ministro Antônio de Pádua Ribeiro, decano do Superior Tribunal de Justiça, defendeu a compactação do texto constitucional, que regulamenta e engloba assuntos que, a rigor, nem deveriam estar na Constituição, mas sim, serem tratados pela legislação federal. O Corregedor Nacional de Justiça classificou a Carta Política brasileira de catálogo telefônico, por sua prolixidade e alcance abrangente demais para um texto que deveria ser tecnicamente enxuto.
Ao falar aos deputados presentes à audiência, o ministro disse concordar integralmente com a observação feita pelo ministro Nelson Jobim, presidente do Supremo Tribunal Federal, de que a Constituição brasileira precisa passar por uma lipoaspiração. Mas não só no texto constitucional, como também no tocante à legislação comum, que qualificou de caótica, geradora de crises e de um sem número de processos que terminam por inviabilizar o funcionamento da estrutura judiciária, mesmo porque costuma ser, no caso brasileiro, o próprio Estado o maior gerador de demandas e de causas, seja por meio da própria União, seja pelos Estados e pelos municípios, ou por suas autarquias.
O ministro Pádua Ribeiro criticou com veemência alguns itens da Reforma ora em tramitação na Comissão, como, por exemplo, a emenda que pretende introduzir o exame de matéria constitucional no âmbito do recurso especial. Para o ministro, se aprovada essa emenda, será destruído todo o sistema constitucional relativo ao Judiciário, introduzido pela Assembléia Nacional Constituinte no texto de 1988. O Corregedor Nacional de Justiça alertou que o Superior Tribunal de Justiça é na verdade hoje uma espécie de Supremo Tribunal Federal antigo, anterior à Constituição vigente, com a competência de ser o guardião da lei federal.
Pelo texto constitucional de 1988, em vigor, o STJ dá a última palavra em termos de vigência e interpretação da lei federal, enquanto o Supremo continuou com o foro constitucional, por isso que cabe o recurso especial para o STJ, versando sobre questões de aplicação e interpretação da lei federal, matéria infraconstitucional, enquanto cabe, para o Supremo Tribunal Federal, o recurso extraordinário, discutindo questões de índole constitucional. O ministro Pádua Ribeiro advertiu que se o STJ for julgar matéria constitucional vai transformar-se em um simples tribunal de passagem, ficando a Corte adjudicada ao STF.
Por isso afirmou que a aprovação dessa emenda significará um verdadeiro retrocesso a tudo o que foi estabelecido pelo legislador CONSTITUINTE originário, implicando uma autêntica volta ao passado, vislumbrando um quadro caótico em que ou se adjudica o STJ ao Supremo, levando todos os ministros do Superior para a Suprema Corte, ou simplesmente se coloca em disponibilidade os integrantes do STJ e se deixa a cargo do Supremo o julgamento das matérias constitucional e infraconstitucional.
O ministro defendeu que o Congresso não perca a oportunidade de formatar o Supremo como foi pensado originariamente, como uma Corte constitucional, acabando-se de vez com a possibilidade de levar para o Supremo matéria infraconstitucional, como acaba acontecendo hoje, contribuindo para a morosidade DA JUSTIÇA e para sobrecarregar mais os trâmites processuais. Defendeu o fim do recurso ordinário para o Supremo Tribunal Federal e afirmou a necessidade urgente de medidas para diminuir também o número de recursos especiais para o STJ, cujos 33 ministros estão julgando atualmente mais de 200 mil processos por ano, número verdadeiramente absurdo.
O ministro Pádua Ribeiro considerou positiva a possibilidade de aprovação da emenda que deixa a critério da lei ordinária estabelecer os casos em que não caiba o recurso especial. O ministro se disse favorável à extensão da chamada repercussão geral, já aprovada para o Supremo Tribunal Federal, também para o STJ, como forma de atender à base do sistema jurídico brasileiro do duplo grau de jurisdição. Sustentou ainda, nos casos excepcionais, nas causas repetitivas, que envolvam a aplicação da lei federal, a requerimento do Procurador-Geral da República, o CABIMENTO DO chamado mandado inibitório, para impedir grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas.
Com relação à eleição para a direção dos tribunais, o ministro ponderou que seja fixado na emenda, de modo bem claro, que dela só poderão participar e NELA votar os membros DO PRÓPRIO tribunal, assegurando uma eleição interna. Para o Corregedor Nacional de Justiça, a falta dessa definição pode simplesmente inviabilizar o Poder Judiciário, que não pode funcionar em termos de maioria e minoria, como os outros Poderes. O compromisso do Judiciário, afirmou o ministro, é com a Constituição editada pelo Congresso Nacional e pelo Poder Constituinte, e com as leis editadas pelo Parlamento. Se for permitida a criação de partidos políticos dentro do Judiciário, com um grupo apoiando o desembargador ou o ministro Fulano, e o outro do lado do desembargador ou do ministro Sicrano, com facções e torcidas, isso significará simplesmente o fim do sistema judiciário, que não pode, numa sociedade democrática, ser instrumento de atividade política, sob pena de ser atingida sua indispensável isenção.
O ministro Antônio de Pádua Ribeiro defendeu ainda a nomeação de um integrante da Justiça Militar, a mais antiga do Brasil, para o Conselho Nacional de Justiça. Todas as justiças especializadas do País ali estão representadas, menos a Justiça Militar, o que o ministro considerou uma injustiça.
O ministro sustentou, ainda, que seja editada uma emenda constitucional definindo claramente as hipóteses de nepotismo, como a melhor maneira de proibir essa prática, condenada por toda a sociedade. Para o ministro, esse é um tema complexo que vem sendo tratado de modo desigual e desencontrado pelas várias legislações que o enfrentaram, nos estados e nas constituições estaduais. Por isso, entende que se o tema assumisse uma conformação constitucional iria evitar uma série de distorções, devendo valer o texto aprovado para todo o Poder Público, seja federal, estadual ou municipal, e para todos os Poderes.
Outro tema importante abordado pelo ministro Antônio de Pádua Ribeiro foi o dos precatórios, que são as ordens de pagamento de sentenças que condenaram o Estado a indenizar alguém. O ministro alertou para o fato de que se trata de um instituto tipicamente brasileiro, que remonta a Portugal, com as chamadas cartas de vênia da nobreza, ou seja, para penhorar os bens dos nobres era necessária uma autorização especial, que originou o que hoje conhecemos como precatório.
O ministro Pádua Ribeiro afirmou que, como o Estado brasileiro é um mau pagador, inventou-se o instituto do precatório, que na verdade, na época da inflação alta, beneficiava os estados, pois propiciava aos governantes pagar um valor nominal por um bem desapropriado de valor real muito superior e com o pagamento sendo feito um ano depois, ou seja, fingia-se que se pagava, mas aí veio o Plano Real e se criou a moeda forte, o que acabou por criar uma crise política sem precedentes, porque tinha que se passar a pagar em valores reais e não mais em valores nominais.
O Corregedor Nacional de Justiça sustentou que é preciso encontrar uma forma de fazer o Estado pagar as suas dívidas, porque quando o Estado é o primeiro a não cumprir com as suas obrigações, estimula o contribuinte a fazer o mesmo. Sugeriu, por isso, que se busque, no bojo da Reforma do Poder Judiciário, a adoção de uma espécie de título sentencial, que poderia talvez até ser negociado na Bolsa de Valores, mas que tivesse eficácia executiva de cumprimento da obrigação.
Finalizando, o ministro endossou a posição defendida pelo ministro Vantuil Abdalla, presidente do Tribunal Superior do Trabalho, também ouvido hoje pela Comissão, entendendo que o Conselho Nacional de Justiça, por meio do Ministério Público, poderia ter a iniciativa de propor, por um número representativo de seus membros, como por exemplo 3/5 de seus integrantes, ação de cassação de juízes por falta de decoro ou por falta de trabalho.