Nepotismo em cartório: decisão entre lei e Constituição

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A ministra Cármen Lúcia, presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), afirmou que a aplicação dos princípios constitucionais também deve nortear decisões de órgãos administrativos como o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). “Se eu tenho a Constituição de um lado e uma lei que com ela não se compatibiliza, ao julgador compete decidir se aplica a Constituição e nega a aplicação da lei – que os órgãos administrativos, como o CNJ, podem fazer  ou se aplica a lei e nega a Constituição”.

A declaração foi feita durante o julgamento, pelo Plenário, de liminar no Procedimento de Controle Administrativo 0007449-43.2017.2.00.0000, analisada na 260ª Sessão Ordinária do CNJ, realizada nesta terça-feira (10/10). No processo, relatado pelo conselheiro Henrique Ávila, foi solicitada a suspensão dos efeitos do acórdão proferido pelo Conselho da Magistratura do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) que não referendou portaria de designação da requerente para responder pelo 1º Tabelionato de Notas da Comarca de Paranavaí/PR até o provimento da vaga. Ela assumiria o posto diante do falecimento do marido, antes titular da vaga.

Ao citar o jurista John Marshall, ex-presidente da Suprema Corte dos Estados Unidos e um dos fundadores do Direito Constitucional norte-americano, Cármen Lúcia salientou que, no caso em análise, se aplica o nepotismo, proibido pela Constituição,  pois os cartórios prestam um serviço público. “Vinte e nove anos depois da promulgação da Constituição, conseguimos implementar uma grandessíssima parte da Constituição e, no que se refere às serventias [cartórios], não”, disse a presidente. Ela destacou ainda que levantamento em elaboração no CNJ aponta que assuntos relacionados a cartórios representam um terço dos processos recebidos pelo Conselho.

De acordo com o relatório da liminar, o órgão máximo do TJPR analisou, por duas vezes, recurso no caso e, por maioria absoluta de votos, refutou a portaria, por considerar “caracterizada hipótese de nepotismo, consubstanciada pela condição de parentesco da requerente [designada] e do titular falecido [cônjuge]”. Em seu voto, o conselheiro relator, Henrique Ávila, defendeu que o nepotismo não poderia ser aplicado no caso em questão uma vez que a Lei n. 8.935, no tocante à extinção de delegação de notário, não impõe qualquer restrição à designação de substituto que tenha vínculo de parentesco com o titular morto, autorizando expressamente a livre escolha e contratação, pelo titular, dos escreventes/substitutos e funcionários.

Ao divergir desse entendimento, o conselheiro Fernando Mattos citou jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sobre o tema, destacando que o interino não se confunde com o titular da serventia, já que este é o delegado do serviço notarial de registro, enquanto o interino é o preposto do poder público. Mattos observou que, seguindo essa interpretação, “será designado o substituto mais antigo desde que não viole a aplicação da Súmula Vinculante n. 13”. Com esse entendimento, o conselheiro decidiu não ratificar a liminar. A divergência foi acompanhada ainda pelos conselheiros Arnaldo Hossepian, André Godinho, Iracema Vale, Márcio Schiefler, Valdetário Monteiro, Rogério Nascimento e Maria Tereza Uille. Vencidos, Daldice Santana e Aloysio Corrêa da Veiga seguiram o entendimento do relator.

Thaís Cieglinski
Agência CNJ de Notícias