Com evento online que reuniu centenas de especialistas nos dias 29 e 30 de novembro, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) lançou o novo Cadastro Nacional de Inspeção de Unidades e Programas Socioeducativos (Cniups). O sistema substitui os formulários do antigo Cnius usados por magistrados e magistradas no ato da inspeção e se adequa às atualizações na Resolução CNJ n. 77/2009 promovidas pela Resolução CNJ n. 326/2020.
O novo cadastro foi elaborado com o apoio técnico do programa Fazendo Justiça, executado pelo CNJ em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) para incidir em desafios estruturais do campo da privação de liberdade. A partir de janeiro de 2023, o CNIUPS será obrigatório em todas as inspeções bimestrais em unidades de meio fechado e semiaberto no país.
“Não será possível construir um processo socioeducativo que responsabilize e integre socialmente e reposicione a trajetória desses adolescentes enquanto aceitemos que esses espaços sejam locais opacos ao ao olhar público e vulneráveis a situações vexatórias de maus tratos contra os e as adolescentes”, afirmou o coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF), Luís Lanfredi, durante o lançamento. “O Brasil necessita que esses e essas jovens retornem com outra perspectiva de vida para sociedade. Não são apenas eles e seus familiares que ganharão com um sistema socioeducativo pautado nos direitos humanos, e sim todos nós”.
O juiz auxiliar da presidência do CNJ com atuação no DMF Edinaldo César Santos Junior afirmou que, com o Cniups, “o Judiciário assume o protagonismo na superação da histórica lacuna de dados sobre o sistema socioeducativo”. De acordo com o magistrado, os adolescentes serão interlocutores para questões sobre a estrutura física das unidades – incluindo existência de salas de aula, espaços para prática de esportes, salas para conversas com advogados- e sobre seus direitos básicos, a exemplo de acesso à saúde, educação escolar e profissionalizante, convivência familiar. “São as pessoas que mais sabem sobre as condições e a vivência em cada unidade”, completou.
As inspeções judiciais precisam ter um olhar que contemple questões de gênero e raça, e a juíza auxiliar da presidência do CNJ com atuação no DMF Karen Luise Souza propôs algumas perguntas para auxiliar magistrados e magistradas na abordagem dessas questões. “Precisamos pensar se o que se espera do adolescente está pautado em estereótipos sexistas ou racistas. Há restrição a tranças ou a cortes de cabelos afro, por exemplo? Todas as religiões têm acesso a unidade, inclusive as de matriz africana? Há uma assimetria de tratamento entre adolescentes negros e adolescentes brancos?”, ponderou.
Para o representante-residente adjunto do Pnud no Brasil, Carlos Arboleda, o Cniups será um marco na atuação do judiciário brasileiro nas questões de adolescentes em conflito com a lei. “As políticas nacionais para a proteção dos direitos da infância e juventude desempenham um papel determinante. Serão os pilares sobre os quais se construirá uma sociedade mais equitativa e mais inclusiva, em que educação, cultura e saúde sejam, de fato, direitos básicos”, disse também na abertura do evento.
Sobre o CNIUPs
O Cniups foi desenvolvido por juízes e juízas de todo o Brasil, um trabalho de dois anos até seu formato final. Possibilitará que todo o cadastro das inspeções seja feito em tempo real durante a visita dos magistrados às unidades, por meio de celulares ou tablets, utilizando um roteiro padronizado de perguntas. Os dados serão consolidados automaticamente pelo sistema e ficarão disponíveis para consulta de forma pública, algo inédito até aqui.
Para subsidiar o uso desse novo recurso, O CNJ lançou dois manuais. O primeiro com orientações gerais sobre a Resolução CNJ 77/2009 e um guia de procedimentos para as fiscalizações judiciais no sistema socioeducativo. O segundo traz instruções práticas acerca do preenchimento do Cniups. Acesse as publicações:
Manual Resolução CNJ 77/2009 Inspeções Judiciais em unidades de atendimento socioeducativo
Manual de orientação técnica para preenchimento do Cadastro Nacional de Inspeções em Unidades e Programas Socioeducativos (Cniups) – Meio fechado
Combate à tortura
Um tema que perpassou todas as mesas nos dois dias do seminário foram as ações para combater a tortura e outros tratamentos cruéis em ambientes de privação de liberdade. “É uma obrigação internacional, mas colocá-la em prática exige a cooperação e a vontade política de diversas instituições. Nos anima ter encontrado no Brasil um conjunto de juízes capacitados e engajados neste propósito”, disse o integrante do Subcomitê das Organização das Nações Unidas para a Prevenção da Tortura, o diplomata peruano Juan Pablo Vegas.
A secretária-geral da Associação para Prevenção da Tortura (APT), Bárbara Bernath, ressaltou que as visitas judiciais nas unidades socioeducativas são de extrema relevância. “Esse escrutínio externo tem efeito de parar e prevenir a tortura e qualquer outro tipo de abuso na detenção”, explicou. Segundo a perita do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate a Tortura no Brasil (MNPCT), Camila Barbosa Sabino, as inspeções “podem ser o único momento em que as narrativas dos adolescentes chegam às autoridades”. Para ela, é fundamental evitar que esses espaços sejam de “naturalização do castigo, da violência física e psicológica, principalmente nos corpos dos adolescentes pretos e pretas”.
Sobre o evento
Todos os debates e troca de experiências entre magistrados e palestrantes nos dois dias de seminário estão disponíveis na íntegra no canal do CNJ no Youtube:
Primeiro dia do seminário Inspeções no Socioeducativo e o Novo Cniups
Segundo dia do seminário Inspeções no Socioeducativo e o Novo Cniups
Texto: Pedro Malavolta
Edição: Nataly Costa e Débora Zampier
Agência CNJ de Notícias