Coordenada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em prol da observância e do respeito aos direitos humanos no âmbito da Justiça, ocorreu nesta terça-feira (6/10) a primeira reunião de trabalho do Observatório de Direitos Humanos do Poder Judiciário. No encontro, o presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux, conclamou todos os brasileiros a construírem “soluções justas, que erradiquem as violências cometidas contra essas minorias vulneráveis”.
“Em minha gestão (2020/2022), a sociedade civil terá voz na Justiça para propor iniciativas em direitos humanos e o Observatório será um canal permanente de diálogo para esse debate e a implementação de medidas concretas que promovam a dignidade da pessoa humana sejam efetivadas”, afirmou Fux. O colegiado tem caráter consultivo e reúne representantes da sociedade civil, especialistas e membros do Judiciário.
Na abertura do encontro, Fux ressaltou o ineditismo do projeto “estratégico e prioritário” para garantir os direitos humanos e proteger o meio ambiente, concretizando políticas públicas de proteção às populações mais vulneráveis do país. Cinco temas foram apresentados pelo ministro Fux como centrais para que o país saia do cenário de violações de direitos. São eles: segurança pública e o sistema criminal; direitos de crianças e adolescentes; mulheres vítimas de violência; questão racial; e as referentes à identidade de gênero.
Violações
A especialista em educação Cláudia Constin, membro do grupo, ressaltou a vulnerabilidade das crianças, em especial no período da pandemia. “As crianças sofreram mais. As desigualdades que já existiam não só se desvelaram como se acentuaram. Estamos vivendo um momento muito triste de nossa história. Há estudos que revelam que 28% dos jovens estão sem educação. A violação aos direitos humanos é não ter acesso a tentar construir uma vida melhor.”
A juíza Adriana Cruz destacou a importância do resgate da dignidade humana do povo negro, já que, nos últimos 10 anos, apenas entre as mulheres negras, o número de assassinato cresceu 12%. “Há apenas seis gerações, minha família chegava aqui em navios negreiros. Somos o sonho dos escravizados. Graves violações são detectadas diariamente. Apesar da queda dos homicídios, a população negra entre 15 e 29 anos está sendo dizimada.”
A magistrada também indicou a importância do Observatório avaliar as violações de direitos em templos religiosos de matriz africana e as questões do encarceramento provisório de pessoas negras. E a preocupação de que o trabalho aborde a necessidade de um andamento mais célere e razoável dos processos, principalmente na justiça criminal.
Embaixadora da ONU, cantora, produtora e bailarina, Daniela Mercury ressaltou seu comprometimento com a liberdade de expressão. “Nada é mais importante para a democracia, como instrumento de luta e transformação, que a liberdade de expressão”, afirmou. “Não há como pensar em direitos humanos sem liberdade de expressão. Estamos em um momento crucial para reiterarmos nossa relação com a liberdade. O Poder Judiciário liberta as liberdades. A arte é a nossa voz, dá sentido de pertencimento, é um importante mecanismo de descolonização mental. E os artistas estão hoje em dia desprestigiados e censurados.”
Dom Walmor de Oliveira, presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), citou que vai trabalhar pela redução da desigualdade social. “Buscarei contribuir nesse diálogo transversal em torno de duas questões: a vulnerabilidade econômica e social. Estamos apostando em uma nova economia, não marcada pela idolatria do dinheiro, para construirmos avanços maiores e direitos fundamentais às pessoas.”
Para Dom Walmor, debater o desenvolvimento sustentável deve estar no cerne dos trabalhos do Observatório. “Estamos em um tempo desastroso para o meio ambiente e precisamos da força do Judiciário para os desmandos do poder. Para que possamos fazer um novo caminho. Tratamos o planeta de maneira doentia e, de fato, nosso planeta ficou doente.”
O presidente da Avon Brasil e do Instituto Avon, Daniel Silveira, contou o trabalho que a entidade já faz com mulheres vítimas de violência e defendeu que a busca pela implementação da agenda das Nações Unidas de cumprimento do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável nessa temática seja um trabalho de todos. “Juntos, podemos deixar de fato um legado para as nossas próximas gerações e erradicarmos a violência, a discriminação de gênero e tantos outros desafios ainda presentes.”
A antropóloga, professora aposentada da Universidade de São Paulo (USP) e emérita da Universidade de Chicago, Maria Manuela Carneiro da Cunha, afirmou que vai elaborar recomendações relativas a questões de terras em áreas de quilombolas, indígenas e perícias antropológicas. “A Constituição Federal está sendo desrespeitada. Estamos assistindo uma corrida de grileiros invadindo terras indígenas. A insegurança no campo só cessará com a segurança jurídica de todos – indígenas e fazendeiros. Estão acabando com os direitos dos povos ancestrais de maneira fraudulenta e covarde. O STF – como guardião dessa lei – assumiu uma importância fortíssima e é com ele que podemos contar.”
Frei Davi, da organização da sociedade civil Educação e Cidadania de Afro-descendentes e Carentes (Educafro), cobrou análise sobre definição de cotas para concurso de tabelião de cartório. Em junho de 2019, o Plenário Virtual do CNJ decidiu que os tribunais possuíam autonomia quanto à previsão de vagas para cotas raciais nos concursos para outorga de delegação de serviços notariais e registrais.
O rabino Nilton Bonder explicou que sua área de trabalho está vinculada a educação, cultura, liberdade religiosa e desenvolvimento sustentável. Ele citou como desafios a falta de transparência, e o assédio e a tentativa de controle das informações em instituições estatais como Funarte, Ibram e Ibama.
A ex-procuradora-geral da República Raquel Dodge, convidada a participar do primeiro encontro do grupo, destacou a importância do Observatório para o país. “O CNJ abre um lugar para que a sociedade civil fale. E ela traz demandas importantes, relativas a violações severas. A paz é fruto da concórdia. Para haver debate, é preciso que as diferenças se expressem de maneira livre e respeitosa. A sociedade civil precisa de um ambiente onde ela se expresse livremente. Mas ela atualmente se sente ameaçada ou desestimulada.”
O encontro ainda contou com a participação dos conselheiros do CNJ Henrique Ávila e Ivana Farina. Uma proposta em defesa dos direitos humanos será enviada por cada integrante do Observatório até o começo de novembro. O próximo encontro está marcado para 10 de dezembro, Dia Internacional dos Direitos Humanos.
Regina Bandeira
Agência CNJ de Notícias
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