Joaquim Falcão*
A maior e principal associação dos juízes brasileiros, a AMB, contando com mais de dez mil associados e comandada pelo pernambucano Mozart Valadares, acaba de divulgar pesquisa recente, de janeiro de 2009. Pesquisa que interessa a todos. Nela, os juízes falam de suas condições de trabalho. Três conclusões são inevitáveis. A primeira é que quanto mais as reivindicações dos juízes forem fundamentadas em dados empíricos e legitimadas pela maior representatividade possível, melhor. Mais os caminhos da reforma do Judiciário deixarão de ser opções ideologizadas e preferências, certas ou erradas, de poucos. É preciso que a OAB ouça seus advogados, o Ministério Público ouça seus promotores, as associações dos usuários ouçam as partes. E que a opinião pública também se pronuncie. Assim como os juízes estão se ouvindo. A efetividade das propostas depende da maior participação de todos. E quem melhor capta a opinião, de pés encharcados no chão, são as pesquisas. E não as doutrinas.
A segunda é que, por mais paradoxal que possa parecer, como disse Mozart Valadares no recente Encontro nacional da magistratura, em Belo Horizonte, os juízes querem conhecer a Justiça. Ou seja, o próprio Judiciário. A pesquisa é clara: mais de 99% dos juízes de primeira instância não sabem sobre o orçamento dos tribunais. Não sabem nem mesmo dos recursos que dispõem para realizar seus próprios trabalhos em suas varas. Fica difícil o planejamento estratégico, o combate ao desperdício e o alcance de metas. Aqui, maior transparência é imperativo constitucional.
Na verdade, a atual estrutura do Poder Judiciário é fruto de uma confusão de hierarquias. A autoridade dos desembargadores é uma autoridade jurisdicional. Suas decisões prevalecem sobre a dos juízes de primeira instância. E isto é fundamental para o Estado Democrático de Direito. Mas o Estado Democrático de Direito não exige, necessariamente, que a autoridade jurisdicional de dizer o direito se traduza em autoridade administrativa de gerenciar tribunais. A hierarquia jurisdicional não implica, necessariamente, na hierarquia administrativa. A nova Lei Orgânica da Magistratura vai, com certeza, repensar e desfazer esta confusão.
A terceira conclusão que se pode tirar é que, para usar uma expressão da moda, os tribunais necessitam de um “choque de gestão”. O que já está ocorrendo em vários tribunais. Aliás, a pesquisa mostra como diferem as regiões entre si. E o desempenho da Justiça do Nordeste é inferior ao desempenho das Justiças do Sul e Sudeste, sobretudo quanto à qualidade do atendimento, da qualificação de funcionários Não é preciso, por exemplo, construir mais prédios. A estrutura física de trabalho é, no mínimo, regular para 73% dos entrevistados. O Fórum é bem localizado para 91% dos entrevistados. Mas esta satisfatória estrutura física necessita de um repensar: existe mais espaço para processos, para o papel, do que salas de espera para os advogados e o público. Precisa-se de digitalização para desocupar o espaço tomado pelos processos, e não de mais prédios. E precisa-se de formação de pessoal qualificado. A Justiça em números, estatísticas produzidas pelo CNJ, comandada por Mairan Maia, indicam que não nos faltam servidores. Faltam, em alguns tribunais, mais juízes e menos cargos de confiança. Fica clara, também, uma ainda grave deficiência de informatização dos tribunais e varas. Cerca de 80% dos juízes não têm sistemas de informação para realizar seus trabalhos. Cerca de 30% ainda usam carimbos. Poucos são os que dispõem de equipamentos necessários à digitalização. Mas, se pudéssemos resumir, uma grande conclusão desta pesquisa é a de que a grande maioria das providências necessárias a uma Justiça mais ágil está claramente nas mãos dos tribunais e dos próprios magistrados. Os diagnósticos feitos, seja pelo CNJ, pela AMB, seja por especialistas, podem variar um pouco. Mas tudo é uma questão de determinação política por parte das diretorias dos tribunais e mobilização interna convergente para a modernização e maior transparência da gestão. Para uma Justiça ágil.
(*) Joaquim Falcão é conselheiro do CNJ e diretor da Escola de Direito da FGV
Publicado no Jornal do Comercio (PE) em 01/03/2009.