As indicações para a composição do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) ainda carecem de ações afirmativas para garantir uma maior participação feminina no colegiado. Desde a criação do órgão, em 2004, 120 pessoas compuseram o CNJ, dos quais 96 foram homens e apenas 24 mulheres, o que representa 20% dessa composição. Os dados foram apresentados nessa quinta-feira (17/11), durante o evento “Mulheres na Justiça”, realizado pelo CNJ.
O índice de mulheres indicadas às vagas do CNJ foi considerado pequeno pelas pesquisadoras da Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Gênero, Direitos Humanos e Acesso à Justiça, da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), juízas Adriana Ramos de Mello (TJRJ) e Marcela Lobo (TJMA). O ideal, de acordo com elas, é que o percentual fosse equilibrado. “É preciso criar mecanismos para eliminar a diferença de gênero, quer por cotas, paridade ou alternância”.
Em toda a magistratura, apenas 37,2% são mulheres. No entanto, as mulheres já representam 51% da população brasileira. “Verificamos uma sub-representação feminina nos espaços de poder de maneira geral”, afirmou a juíza Adriana Ramos de Mello. O levantamento avaliou cada uma das 15 vagas que compõem o CNJ, com um resultado global de 22% de participação feminina.
Representação por cadeira
A pesquisa “A Participação Feminina no Conselho Nacional de Justiça: uma Política de Igualdade e Representatividade” apontou que os segmentos que mais indicaram mulheres ao Plenário do Conselho foram o Superior Tribunal da Justiça (33%) e os tribunais regionais federais (33%). Na Justiça Federal, 22% das indicações das vagas para a magistratura de 1º grau foram mulheres.
Nas vagas destinadas ao Ministério Público, a União indicou 25% de mulheres, enquanto o Estadual teve 22% de promotoras indicadas. As mulheres foram 11% das indicações do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Já as juízas e desembargadoras dos TRTs representaram 22% das indicações do segmento. A Justiça Estadual também registrou 22% de indicações femininas para o CNJ.
O menor índice de indicações de mulheres no CNJ foi da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Das 18 indicações realizadas entre 2004 e 2022, apenas uma mulher foi contemplada (6%). As pesquisadoras apontaram que, no Brasil, há mais de 638 mil mulheres na advocacia (50,51% dos profissionais), contra pouco mais de 625 mil homens advogados. “Os valores absolutos, no entanto, não reverberam nas indicações ao CNJ”, apontou Adriana Mello.
As vagas destinadas a cidadãos e cidadãs, indicados pelo Senado Federal e pela Câmara dos Deputados, também registraram um percentual baixo, com 12% indicações femininas. No período analisado, somente a Câmara indicou uma mulher para sua cadeira no CNJ. O Senado Federal, no entanto, não indicou nenhuma. “Há uma frequência nas reconduções a essas vagas, mas todas foram feitas quando homens ocupavam as vagas. Isso limita as indicações com participação feminina”, afirmou a juíza.
Propostas para avanços
A partir dos resultados, as pesquisadoras apresentaram propostas para avanço nas políticas de gênero. Entre as medidas, estão a promoção do equilíbrio entre homens e mulheres nas listas de indicações pelas instituições que compõem o CNJ, ações que promovam o acesso das mulheres ao CNJ a partir de uma perspectiva interseccional em termos de raça, cor e etnia, fortalecimento dos comitês de gênero e a criação de um selo e de um prêmio pela igualdade de gênero nos tribunais. Também sugeriram a criação de um banco de dados desagregados por raça, cor e etnia no Poder Judiciário, para que as mulheres se vejam e sejam estimuladas a concorrer a esses cargos de promoção.
Por parte das pesquisadoras, os dados obtidos serão analisados de forma qualitativa, tratando do perfil e da trajetória das conselheiras. O resultado deve ser apresentado no primeiro semestre de 2023. “Nosso objetivo foi incitar o questionamento sobre o CNJ que queremos para o futuro e quais as barreiras as mulheres enfrentam para chegar até o colegiado”, afirmou a juíza Adriana Mello. As pesquisadoras esperam que a apresentação da trajetória das atuais e das conselheiras que já passaram pelo órgão possa “estimular outras mulheres a ocupar esses espaços”.
Política
A apresentação da pesquisa foi seguida do painel “Gênero, Democracia e Parlamento”. “Se é difícil uma mulher se eleger, é mais difícil ainda se reeleger. E ninguém se elegeu com discurso exclusivo de defesa das mulheres. Todas as candidatas que tinham essa bandeira foram derrotadas”. Com essa afirmação a deputada federal Margarete Coelho abordou a questão da violência política contra as mulheres. A parlamentar destacou a luta feminina na conquista de espaços na política e nos partidos políticos. Segundo ela, mesmo quando estão inseridas no cenário político, as mulheres não são responsáveis por grandes questões ou matérias de peso. “Há um entendimento de que as mulheres não dão conta de assumir suas responsabilidades políticas, que é um esforço grande demais para nós. Mas nós damos conta, sim”, afirmou.
Para ela, há algumas falácias sobre o movimento feminino na política que precisam ser descontruídas, como a máxima de que mulher não vota em mulher. “Na verdade, mulher não tem mulher para votar, pois somos apenas 30% dos candidatos”, lembrou. De acordo com ela, a lei da cota, ou da paridade, estabelece um percentual mínimo de 30% de candidatas para os partidos.
Margarete Coelho, que também foi a primeira mulher a assumir o governo do Piauí, afirmou que os partidos, ao alcançar o mínimo constitucional, deixam de recrutar as mulheres, treiná-las e capacitá-las para a eleição. “Somos consideradas como ‘café com leite’, isto é: estamos ali para completar uma lista e não porque é nosso direito. Podemos ser candidatas, mas não seremos eleitas. Essa é a maior violência política contra as mulheres”, apontou.
Texto: Lenir Camimura
Edição: Sarah Barros
Agência CNJ de Notícias
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