Há três anos, a juíza Eulinete Tribuzzi, titular da 11ª Vara Criminal da Comarca de Manaus/AM, fazia uma ligação para o gerente de uma empresa de ônibus, com objetivo de convencê-lo a contratar um rapaz que havia passado na entrevista de emprego, mas foi barrado por ter antecedentes criminais. A ligação teve sucesso e, hoje, o egresso já foi até promovido de cargo. O esforço da juíza amazonense ilustra a dedicação de diversos magistrados do Poder Judiciário em todo país na tentativa de ressocializar apenados, por meio de uma oportunidade no mercado de trabalho. Tribunais de Justiça de pelo menos sete estados – Amazonas, Rio Grande do Sul, São Paulo, Paraná, Bahia, Maranhão e Mato Grosso – têm se destacado em parcerias firmadas com empresas por meio do Programa Começar de Novo, instituído pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2010.
O Começar de Novo se propõe a sensibilizar órgãos públicos e a sociedade civil para que forneçam postos de trabalho e cursos de capacitação profissional para presos e egressos do sistema carcerário. Geralmente, as empresas que participam do programa oferecem vagas para quem cumpre pena em regime semiaberto e aberto, que muitas vezes são contratados após o cumprimento da pena. É o que ocorre, por exemplo, com 32 egressos da penitenciária Major PM Zuzi Alves da Silva, em Água Boa, no Mato Grosso, que comporta 580 detentos atualmente.
Rotina de trabalho – Todos os dias, às seis da manhã, eles sobem em um ônibus disponibilizado pela Companhia Vale do Araguaia, uma empresa de grande porte do ramo de reflorestamento, e percorrem 70 quilômetros até a fazenda em que a empresa está situada. Lá, antes começar o serviço, recebem o mesmo tratamento dos demais funcionários. Às quatro e meia da tarde, seguem no ônibus da empresa de volta para o presídio. “Aqui dentro, eles são colaboradores normais e nunca tivemos nenhum problema de relacionamento ou produtividade”, conta Antônio Honorato, coordenador administrativo da empresa.
A empresa dispõe de um encarregado e um supervisor para os egressos e o presídio disponibiliza dois agentes de fiscalização durante o serviço. Os egressos recebem um salário mínimo, que é dividido em três partes: um terço vai diretamente para eles, outro para familiares dependentes e o último terço fica em uma poupança que só pode ser sacada quando terminam de cumprir a pena. Além disso, a empresa paga um adicional de bonificação por produtividade. “Já tivemos caso de presos que saíram do sistema com R$ 25 mil para recomeçar a vida”, conta Honorato.
De acordo com a juíza auxiliar da Corregedoria do Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso (TJMT) Ana Cristina Silva Mendes, quase 300 reeducandos já passaram pelo programa e houve apenas um caso de fuga em três anos. “Eles são muito gratos por integrar o projeto, aprendem um ofício e ganham uma perspectiva para o futuro”, diz a juíza. Atualmente quatro ex-presos trabalham na companhia em regime celetista, como os demais funcionários. “Só não contratamos mais porque muitos cumprem a pena e vão procurar a família, que geralmente mora em outras regiões longe daqui”, diz Honorato.
Camarão ao molho de uvas – Foi em um jantar com seu patrão, enquanto comia pela primeira vez em um restaurante fino de Salvador/BA um prato de camarão ao molho de uvas, que o empresário Nylton Pires teve a ideia de ajudar os egressos do sistema penitenciário. “Pensei na comida azeda que eu comia na prisão e nas pessoas que eu sabia que, se tivessem uma chance também, não voltariam para o crime”, diz Nylton, que atualmente cumpre pena em regime aberto. Ele conseguiu abrir uma microempresa no setor de serviços após cumprir 14 anos em regime fechado e mais quatro no semiaberto, quando conseguiu emprego em uma construtora.
Ao abrir sua empresa, a primeira providência foi fazer o credenciamento junto ao Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (TJBA) no programa Começar de Novo. “Fiz questão de voltar ao presídio para visitar os detentos e dizer que quem quisesse trabalhar teria emprego na minha empresa”, diz Nylton. Hoje os egressos trabalham na empresa em diversos setores, como motorista, zeladoria, fiscal de shopping, conservação, entre outros. “Queria quebrar o paradigma de que egresso só pode trabalhar em construção”, diz.
De acordo com Ana Paula, analista judiciária e responsável pelo Começar de Novo no tribunal baiano, que conseguiu a oportunidade de emprego para Nylton, atualmente há 560 apenados trabalhando pelo programa, por meio de acordos de cooperação técnica firmados entre as empresas e o tribunal. “Os apenados se sentem valorizados, aprendem uma profissão saem com o objetivo de procurar um emprego naquela área”, diz Ana Paula. Na opinião de Nylton, sua empresa se tornou uma grande família de trabalho e solidariedade. “Aconselho os egressos a não se arriscarem em locais de confusão. Para quem passou pelo sistema, não tem mais carnaval”, diz Nylton.
Reconhecimento – Desde 2009, a 11ª Vara Criminal da Comarca de Manaus faz parcerias com ONGs que oferecem cursos profissionalizantes aos presos provisórios. “É muito gostoso ouvir que o liberado abriu um negócio por conta da profissionalização que recebeu”, conta a juíza Eulinete Tribuzzi, titular da vara do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas (TJAM). Ela coordena o projeto “Reeducar – Reduzindo o retorno ao cárcere”. A cada quinze dias, são promovidas palestras de orientação profissional para os liberados da prisão provisória, que aguardam uma sentença. Dos 8.300 reeducandos que passaram pela palestra desde 2010, apenas 160 voltaram a reincidir em outro crime.
Outras ações – No Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJRS), a Corregedoria desenvolve o Projeto Trabalho para a Vida, em parceria com várias instituições públicas e privadas, para criar as condições necessárias à ressocialização pelo trabalho dos apenados e egressos do sistema prisional. Um convênio celebrado entre o TJ do Maranhão (TJMA), a Unidade de Monitoramento Carcerário, a Secretaria de Estado da Justiça e Administração Penitenciária (Sejap) e a empresa Ciclismo vai garantir novas vagas de trabalho para detentos da Penitenciária de Pedrinhas. De acordo com o convênio, os apenados receberão qualificação técnico-profissional e atuarão no ramo da produção de raios para aros de bicicletas. O encaminhamento será feito por meio do Programa Começar de Novo.
Luiza Fariello
Agência CNJ de Notícias