Rui Stoco*
Tem-se afirmado que a crise da Justiça é a crise da carência de recursos materiais e humanos. Isso é verdade para muitos de nossos tribunais, notadamente em regiões menos desenvolvidas do País. Mas há tribunais que superaram esses problemas.
O caráter de independência e autonomia dos tribunais brasileiros – ainda que de fundamental importância para o bom funcionamento da Justiça – acabou por conformar situações absolutamente díspares e, em muitos casos, insustentáveis e injustas em termos de financiamento das atividades do Poder Judiciário nos Estados da Federação. De sorte que os meios para a adequada distribuição de Justiça não são os mesmos, nem há igualdade.
Na busca pelos recursos para garantir a prestação jurisdicional, os tribunais lançaram mão de diferentes iniciativas. Entre elas está, por exemplo, a cobrança de um porcentual da arrecadação das serventias extrajudiciais, ou seja, a atividade notarial e de registro.
Desta sorte, ainda que incluída a participação dos tribunais no orçamento global para fazer frente às despesas com pessoal, por meio de duodécimos, os orçamentos dos tribunais variam muito em função de como organizaram suas fontes de custeio. Há tribunais que recebem dos cartórios mais de R$ 20 mil ao mês. Em outros casos, essa contribuição não chega a R$ 1 mil. Há também aqueles em que as custas ou a taxa judiciária são arrecadas em nome do Poder Executivo e outros nos quais essa arrecadação é feita diretamente em favor dos Fundos de Reaparelhamento. Essas distorções ou disparidades acabam por transformar o Judiciário brasileiro num mosaico de situações absolutamente díspares e incompatíveis. Em muitos casos, o financiamento do Poder Judiciário fica na dependência dos humores de eventuais ocupantes do Executivo, num claro atentado à independência e à harmonia entre os Poderes.
A independência do Judiciário inclui necessariamente a independência financeira.
Segundo decidiu o Superior Tribunal de Justiça (STJ), “o repasse das dotações orçamentárias pelo Poder Executivo aos demais Poderes, nos termos previstos no art. 168 da Constituição, não pode ficar à mercê da vontade do chefe do Executivo, sob pena de se pôr em risco a independência desses Poderes, garantia inerente ao Estado de Direito” (RMS 10.181, RSTJ 142/99).
Mais do que isso, a eficiência e o cumprimento do princípio constitucional da duração razoável do processo (Constituição federal, artigo 5º, LXXVIII) depende do adequado aporte de recursos humanos e materiais. E essa independência deve ter leitura multifária, de sorte a abranger não só os recursos como a perfeita organização e o estabelecimento de métodos modernos de condução da atividade judiciária, de gerenciamento de recursos e de uso da informática em favor do jurisdicionado, dando a cada um o que deve ser seu, mas no momento adequado. Deve, ademais, abranger a Justiça em seu caráter nacional, viabilizando o correto e adequado funcionamento do Judiciário nas grandes capitais tanto quanto nas comarcas localizadas nos rincões mais carentes e necessitados do País.
A igualdade nos meios judiciais postos em favor dos jurisdicionados não pode ser apenas um “dever ser”, nem uma garantia retórica, mas um “ser” efetivo.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) trabalha para equalizar isso, de maneira que os tribunais obtenham os rendimentos necessários, sem as desigualdades eventuais. Para tanto já começou a fazer um diagnóstico completo da situação. A análise minuciosa dos dados nos indicará os caminhos a serem percorridos para avançar nesse campo.
Os tribunais necessitam ter absoluta autonomia financeira. Para viabilizá-la o CNJ atua em diferentes projetos, inclusive com a compatibilização da Lei de Assistência Judiciária (Lei nº 1.060/50) com o artigo 5º, LXXIV, da Constituição federal, via proposta de projeto de lei.
A questão será debatida, num primeiro momento, no Seminário Interno de Planejamento Estratégico, a ser realizado pelo CNJ, quando a Comissão de Fundos e Reaparelhamento dos Tribunais, composta pelos conselheiros Andréa Pachá e Felipe Locke Cavalcanti, além de mim, fará uma exposição completa das diretrizes que serão seguidas.
Outros projetos estão em andamento e avançado estudo, que deverá culminar num conclave do qual participarão os representantes dos tribunais do País para a discussão dos temas, união de forças e obtenção do fim comum almejado, qual seja, a efetiva independência financeira dos tribunais.
O conjunto que congrega as providências que serão apresentadas e propostas aos dirigentes dos tribunais estaduais se compõe de cinco projetos básicos, buscando o aporte de recursos financeiros que ficarão abrigados em conta do Fundo Especial de Reaparelhamento e Modernização dos Tribunais de Justiça, gerenciada por um Grupo Gestor, sem prejuízo da participação do Poder Judiciário no orçamento do Estado, ou seja, do repasse de duodécimos pelo Poder Executivo para fazer face às despesas com pessoal (artigo 20 da LC 101/2000) e de custeio.
A adesão dos tribunais aos projetos será livre e facultativa e os instrumentos normativos projetados congregam projeto de lei federal, projeto de lei estadual e instrumentos de regulamentação interna nos tribunais criando os sistemas que serão submetidos à aprovação.
Com essas providências a Comissão de Fundos e Reaparelhamento espera conseguir diminuir as desigualdades de ordem financeira entre os tribunais estaduais, ao mesmo tempo que atinge um dos objetivos fundamentais do CNJ, que é o de colaborar no planejamento dos tribunais.
(*) Rui Stoco é conselheiro do CNJ
Artigo publicado em 9 de abril de 2008