Fios desencapados e falta de água em presídio recém-inaugurado

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Alamanda, Camélia são nomes de plantas que identificam os prédios da Penitenciária Feminina de Rio Branco. Pintados sobre paredes cor de palha, levam o visitante que chega a um dos pavilhões da prisão a se lembrar da fachada de uma escola recém-inaugurada. 

Em visita realizada no último dia 30 de maio, o conselheiro Rogério Nascimento e a juíza auxiliar da Presidência do CNJ, Maria de Fátima Alves, encontraram instalações aparentemente novas, mas também inadequações no projeto arquitetônico das instalações, superlotação do espaço, fornecimento de água deficiente e outros problemas que obrigam administração e presas a fazer improvisos diários para contornar os problemas da unidade prisional.

Durante a inspeção, o capitão da tropa de choque que acompanha os representantes do CNJ lembra a equipe de que não se deve encostar nas grades das celas. O risco não é de ser agarrado pelas presas, como o policial alertaria, mas de tomar choque. Fios elétricos atravessam o vão das grades na porta de cada cela para conectar ventiladores às tomadas, que foram instaladas no muro externo do pavilhão.No clima equatorial de Rio Branco, a temperatura máxima mensal nunca fica abaixo de 30 graus Celsius, em média. Apesar do clima ameno do dia da inspeção, a sensação térmica superava essa marca no interior da cela, um cômodo de cerca de 12 metros quadrados com sete mulheres dentro.

Na unidade prisional feminina de Rio Branco, 234 mulheres dividem o espaço projetado para apenas 86. Entre os pavilhões Camélia e Alamanda, um esqueleto de tijolos e ferragens promete aliviar um pouco da superlotação do local, mas só depois de resolvido um impasse burocrático que envolve a construtora responsável pela conclusão das obras do prédio. 

“Um dos problemas do sistema carcerário brasileiro é, sem dúvida, a superlotação. No Acre, especificamente, o quadro de superlotação é muito grave”, afirmou o conselheiro, que vai incluir a informação e sugerir as providências necessárias em entregar relatório à presidente do STF e do CNJ, ministra Cármen Lúcia. 

files/conteudo/imagem/2017/06/3977b9f20f4bfbb1540cf0b166592a3b.JPGDetenta amamenta bebê em cela da Unidade Prisional Feminina de Rio Branco. FOTO: Luiz Silveira/Agência CNJ  

Filhos sob custódia 

A improvisação serve para distribuir energia elétrica, mas também as próprias presas nas dependências da penitenciária. Aquelas que têm filhos recém-nascidos são encaminhadas ao prédio que foi erguido para as visitas íntimas. Lá, bebês vivem seus primeiros dias de vida juntos ao lado de suas mães, que inventam berços na falta de um berçário, como previsto na Lei de Execução Penal (Lei 7.210/84). 

Sob a estrutura dos beliches, mulheres amamentam e amarram para os bebes mini-redes de dormir, típicas de tantas culturas da Região Norte. Dentro de um pequeno envelope de pano cor de rosa, dorme a filha de quatro meses de S., presa de São Paulo que já cumpriu dez anos de pena no seu estado. Em uma saída autorizada pela Justiça, resolveu tentar a sorte recomeçando a vida nos Estados Unidos. Não conseguiu sequer sair do Brasil. Foi presa como vítima de uma rede de tráfico internacional, embora ela se defina de outra maneira. “Eu era a droga. Eu e a bebê”, afirma. 

Seca na floresta 

Para atender a necessidade de higiene pessoal das crianças, as mães são obrigadas a armazenar água em baldes que mais lembram latas de lixo de um condomínio residencial. O problema não se restringe à unidade maternoinfantil improvisada. O fornecimento de água para as mulheres do maior presídio feminino do Acre é precário, embora esteja localizado em uma clareira na maior floresta tropical do planeta, região do país onde mais chove. Em Rio Branco, os 1.948 milímetros registrados correspondem a um índice pluviométrico um terço superior ao de São Paulo, por exemplo. 

files/conteudo/imagem/2017/06/808e7c5f10e8fcd1a020960aef8c9357.JPG A juíza auxiliar da Presidência do CNJ, Maria de Fátima Alves, verifica na Unidade Prisional Feminina de Rio Branco/AC como é feito armazenamento de  água para higiene pessoal.

Apesar disso, segundo as presas, as torneiras são abertas duas vezes por dia, em intervalos de 10 a quinze minutos, tempo que acusam ser insuficiente para guardar a água para lavar roupa, louça, limpar o chão da cela, tomar banho e beber. Algumas presas denunciam má fé por parte das agentes prisionais, que se defendem ao apontar o déficit de água como defeito estrutural da penitenciária. Segundo o conselheiro Rogério Nascimento, a Penitenciária Feminina de Rio Branco é uma obra inacabada. “O que acontece é uma improvisação do serviço público. A unidade foi ocupada antes de ser concluída, o que foi uma solução muito ruim e uma peculiaridade do Acre”, afirmou o conselheiro. 

Raio-x do Norte 

Nascimento coordena o Grupo Especial de Monitoramento e Fiscalização (GEMF), criado pela presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do CNJ, ministra Cármen Lúcia, para elaborar um diagnóstico da situação prisional da Região Norte. Nascimento já esteve em Manaus e Boa Vista, onde vistoriou os presídios onde mais de 100 presos foram mortos em conflitos iniciados no início do ano, ao lado da juíza coordenadora do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF) do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Maria de Fátima Alves.

Humilhações 

Muitas das presas ouvidas pela magistrada do CNJ estão enroladas em toalhas no aguardo da água para se banhar. Presa há nove meses na unidade, T. reclama do horário em que a água desce das torneiras. “No dia da visita, a gente acorda cedo para receber nossos familiares, mas não abrem a água. É muita humilhação”, disse. Ao final da visita, T. avisou à comitiva do CNJ que a água voltou a correr. “Foi só porque vocês (representantes do CNJ) estão aqui”, disse. No Presídio Antônio Amaro Alves, situado a umas centenas de metros da unidade feminina, o fornecimento de água depende de caminhões-pipa.

 

Infraestrutura deficiente 

As agentes prisionais apontam defeitos na elaboração do projeto arquitetônico da penitenciária. “Fizeram um prédio sem prever o básico. Nós somos humanas. Nosso plantão é de 24 horas aqui dentro, mas ninguém fica acordada 24 horas direto. Temos de descansar. Hoje tivemos de improvisar camas em uma sala de aula de outro pavilhão, mas já querem nos expulsar de lá”, afirmou uma delas. Como são obrigadas a dormir fora dos pavilhões, por falta de espaço adequado para o descanso das equipes de custódia, as presas passam as noites trancadas, sem supervisão.

Socorro 

Muitas relataram episódios de crises – nervosas, pressão arterial, entre outras – justamente durante o turno da noite. Mesmo assim, muitas vezes não somos atendidas. As legam não ter efetivo para fazer escoltas em caso de emergências. “Quando passamos mal, temos de ‘bater grade’ (bater objetos na grade da entrada da cela) para sermos ouvidas”, afirma uma presa de 24 anos, que alega ter crises de hipoglicemia com frequência. 

Nesses casos de emergência, a solução é subir em um beliche e gritar socorro pelas frestas, por onde passam apenas fios elétricos e outras gambiarras que sintonizam antenas à TVs. A abertura é tão pequena que impede a passagem de um punho fechado, muito menos de luz solar suficiente para se criar uma alamanda, nome da trepadeira tóxica que batiza o pavilhão e enfeita treliças e caramanchões em jardins por todo o país.

Manuel Carlos Montenegro

Agência CNJ de Notícias