”A luta salvou minha vida”, diz Gláucio Ramos, o Duck. Aos 29 anos, professor de boxe na Academia Delfim, na Tijuca, ele encontrou no ringue a porta de saída do mundo do crime. Duck descobriu o esporte ainda na cadeia, em um projeto conjunto com a Vara de Execuções Penais (VEP), do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que promovia treinamento de boxe e outras modalidades de luta em 10 presídios do estado.
“Quando saí, em 2015, recebia mensagens para voltar ao crime, mas não aceitei. A luta me fortaleceu”, conta Duck, que inicialmente trabalhou como faxineiro na academia e treinava nas horas vagas. Tempos depois, a academia custeou os estudos para que Gláucio se graduasse como professor de boxe. Hoje, dá aulas, atende alunos particulares e organiza um projeto esportivo para jovens carentes no Morro do Tuiuti, na Zona Norte do Rio.
Já Leandro Alves da Silva, o Leandrinho Playboy, foi preso em 2011. Depois de seis anos e meio atrás das grades, busca se reencontrar na luta. “A oportunidade agora pode ser a última”, diz ele, que já era faixa azul de Jiu-Jitsu, antes de cumprir pena. “Mas só de ter saído e não ter feito nada de errado, já é a glória”. Hoje, treinando na Delfim, Leandro quer se especializar no ensino do Jiu-Jitsu e fazer um curso de boxe, para se tornar instrutor no esporte.
A ressocialização também passa pelas oportunidades de trabalho. Além dos egressos do sistema penal, a academia começou a receber réus que cumprem penas alternativas, por meio de um convênio com o TJRJ. “São pessoas condenadas a no máximo quatro anos de prisão”, explica Adriana Gnevkovsky, diretora do Departamento de Penas e Medidas Alternativas da VEP. “Acreditamos que elas podem ser resgatadas”.
É o caso de Paulo Guimarães Borges, que trocou a pena pelo trabalho. Em apenas duas semanas, ele encontrou uma nova família. “Tenho que me esforçar, fazer jus ao trabalho”, diz.
Segundo o juiz Rafael Estrela, da Vara de Execuções Penais do TJRJ, os casos são exemplos do poder do esporte na ressocialização. “Os esportes podem contribuir para diminuição da agressividade, e a luta pode tornar o ser humano menos violento, porque prioriza a disciplina e o autocontrole”, defende o magistrado, que acrescenta. “É uma prática que exercita o respeito ao adversário, aos colegas mais graduados, às regras do bom combate. A luta dá ao preso valores que, na maioria das vezes, ele não teve”.
Rodrigo Pedro da Silva entrou para o crime aos 15 anos. Passou por instituições para menores infratores, juntou-se ao tráfico de drogas e subiu na hierarquia do crime até se tornar gerente de uma boca de fumo. Pouco depois de completar 18 anos, foi preso. “Foram três anos e seis meses, e saí da cadeia pior do que entrei”, conta. Uma semana depois de ganhar liberdade, reincidiu, e foi preso novamente. Foram, então, mais quatro anos e meio atrás das grades, onde enfrentou depressão, uso de drogas e tuberculose.
A nova saída, desta vez, foi diferente. Rodrigo procurou emprego, trabalhou em dois lugares, mas não deu certo. Estava entrando em desespero, pensando em voltar para o crime, quando se lembrou das aulas de luta no presídio, e foi convidado pelo colega Duck para ir a Delfim. Ficou meses treinando até surgir uma vaga de faxineiro. Dois anos depois, dá aula de boxe e é campeão em torneios semiprofissionais de Muai Thai.
Nesse período, Rodrigo trouxe para academia um velho conhecido: FMC, 17 anos, o Caveirão. “Conheci esse moleque no morro, quando ele era um bebê, reencontrei ele na rua e convidei para cá”, conta.
Com diversas passagens em instituições para menores infratores, o jovem hesitou em aceitar o convite. Aos três anos de idade, Caveirão viu o próprio pai, chefe do tráfico em um morro da Zona Norte, ser assassinado na sua frente. “Caí no crime para me vingar”, diz. Hoje, faz faxina na Academia, treina e sonha com um futuro no esporte. “Fico mais tranquilo. Sinto que a vida está mudando”.
Depois de três anos e meio atrás das grades, Marcelo Mandarino diz ter conhecido o inferno nas ruas. Ao sair da cadeia, sem rumo, sem trabalho, entrou no vício do crack. Foram 82 dias na cracolândia de Manguinhos. “Cheguei a ficar seis dias, direto, fumando pedra, como um zumbi”, conta ele. A lembrança da família e a esperança no esporte, no entanto, salvaram sua vida. “Tive forças para vencer a droga”, diz Mandarino, com orgulho.
Os treinos de luta dentro do presídio Muniz Sodré o levaram a procurar a academia, em busca de uma chance. Hoje, é treinador de boxe, e voltou a competir em 2016, tornando-se bicampeão estadual e duas vezes vice-campeão brasileiro máster de Kick Boxe. Sua maior ambição, no momento, seria disputar o Mundial na Itália, em 2019. Poucos recursos, fé abundante. “Agradeço a Deus por tudo, pela oportunidade de me reencontrar”.
Fonte: TJRJ