Aos onze anos, Madson se parece com grande parte dos meninos de sua idade: gosta de brincar de esconde-esconde, assistir ao desenho do “Ben10”, jogar capoeira e futebol. O que ele também gostaria muito de fazer é dar um beijo na mãe ou no pai ao chegar da escola. O problema é que a família dele, por enquanto, não existe. Madson mora em um abrigo desde bebê e é uma das 17 crianças e adolescentes que participa do Projeto Eu Existo, da Corregedoria do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJRN).
O projeto, lançado em março de 2018, estimula a busca de pais para crianças e adolescentes que vivem em instituições de acolhimento do Rio Grande do Norte e, por motivos diversos, estão fora do perfil normalmente escolhido para adoção. Por meio de vídeos, que podem ser acessados aqui, as crianças se apresentam e falam de seus sonhos e preferências. Os vídeos foram gravados em cenas cotidianas das crianças – os irmãos Joelson e Jefferson, por exemplo, jogam bola e brincam no parquinho enquanto contam que gostariam muito de uma família que fosse “boa, carinhosa, tenha condições (materiais) e nos eduque”. Jefferson e Joelson completam dizendo que não se imaginam vivendo um longe do outro.
De acordo com a desembargadora Zeneide Bezerra, do tribunal potiguar, o projeto nasceu para dar visibilidade às crianças que estão em abrigos e abrir espaço para que as pessoas que querem adotar possam ampliar o seu perfil desejado. “Queremos que essas pessoas vejam os vídeos e se apaixonem pelas crianças, que seja uma adoção pelo sentimento e não por um perfil idealizado”, diz a desembargadora. De acordo com ela, o projeto já possibilitou diversas adoções de crianças e adolescentes, inclusive duas internacionais – as crianças foram para Itália. “Para mim, se o projeto possibilitar a adoção de uma criança, já estaria ótimo”, diz. Atualmente, de acordo com a desembargadora, há 40 crianças no estado aptas à adoção.
Cadastro de adoção
Atualmente, existem 9.394 crianças e adolescentes e 45.036 pretendentes inscritos no Cadastro Nacional de Adoção (CNA), coordenado pela Corregedoria Nacional de Justiça. O CNA passa por reformulação para tornar mais ágil a busca de uma família e possibilitar a inclusão de mais dados sobre as crianças, além de fotos, vídeos e cartas. O novo cadastro está em fase de testes em algumas comarcas do país e tem como base o projeto desenvolvido pelo Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES).
Para o corregedor nacional de Justiça, ministro Humberto Martins, a construção do novo sistema de adoção – que integrará os cadastros de adoção e o de crianças em acolhimento – continua avançando, com a expectativa de que, quando estiver em pleno funcionamento, seja possível a colocação de fotos e vídeos.
“Estamos, agora, aguardando a conclusão dos testes, sendo que o próximo estado a entrar no CNA será o de Alagoas. A partir daí, serão incluídos outros estados até a conclusão final do projeto, com a implantação do sistema em todo país, sempre com o objetivo de melhor atender aos interesses das crianças e das famílias”, afirmou Martins.
Menos resistência, novas famílias
O novo CNA está sendo implantado no Paraná, nas comarcas de Ponta Grossa e Foz do Iguaçu. Para a juíza Noeli Reback, titular da Vara de Infância e Juventude de Ponta Grossa e coordenadora estadual de infância e juventude do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), o novo sistema possibilita melhor gerenciamento dos dados na busca pelos pretendentes, por integrar o histórico da criança em acolhimento.
Na comarca de Ponta Grossa, há 240 pretendentes e 100 crianças e adolescentes acolhidos, sendo que 14 deles estão aptos à adoção – todos com mais de cinco anos e com irmãos. “A maioria ainda quer crianças até cinco anos, mas em 2018 fizemos várias adoções de crianças mais velhas”, diz a desembargadora.
Uma delas foi a de um homem solteiro que se cadastrou para adotar uma criança. Durante o estágio de convivência – etapa necessária para adoção – com o menino de 12 anos, acabou se aproximando também de seu amigo de dez anos que vivia no mesmo abrigo. Em novembro, depois de dois meses de um bem-sucedido estágio de convivência com os dois meninos, a juíza Noeli deu a sentença de adoção para a formação da nova família. “Foi uma adoção muito bonita. Os meninos já eram melhores amigos no abrigo e agora se tornaram irmãos”, diz.
Juíza Noeli Reback, da comarca de Ponta Grossa (PR), acompanha adoção de dois meninos, um de 10 anos e outro de 12. FOTO: Arquivo pessoal
Na percepção da juíza Beatriz Merenda, responsável pela 2º Juizado da Infância e Juventude de Porto Velho (RO), que participa da fase de testes do novo CNA, os pretendentes estão ampliando o perfil escolhido para abarcar novas possibilidades de adoção. Em um caso recente, por exemplo, um casal do interior de São Paulo adotou uma menina de quatro anos com deficiência por buscar justamente esse perfil no cadastro. Quando era bebê, em 2014, a menina foi resgatada pelos bombeiros durante enchente histórica do Rio Madeira que desabrigou milhares de pessoas em Porto Velho e, por conta do afogamento, ficou com sequelas físicas e neurológicas.
A juíza atribui a mudança de mentalidade dos pretendentes aos cursos de preparo para adoção e às informações veiculadas pela mídia, que combatem mitos em relação à adoção tardia. “Acredito que o novo CNA vai facilitar o encontro de famílias mais adequadas pelo ponto de vista do interesse da criança”, diz a juíza.
Campanhas de adoção tardia
Além do TJRN, outros tribunais de Justiça pelo país têm apostado na divulgação de vídeos de crianças em acolhimento para incentivar a adoção tardia. Um deles foi o tribunal do Espírito Santo que lançou, em 2017, a campanha “Esperando por você”, com cerca de 20 vídeos de crianças com poucas possibilidades de adoção – após a divulgação, duas delas iniciaram processo de adoção. Atualmente, no Espírito Santo, das 100 crianças acolhidas e prontas para adoção, 86% têm mais de 8 anos de idade, 49% fazem parte de grupos de irmãos e 23,5% possuem alguma necessidade especial.
Outra iniciativa foi o projeto Adote um Boa Noite, do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), por meio de um site que retrata algumas das crianças que esperam pela adoção, vinculadas às varas de Infância de Santo Amaro e Tatuapé. A campanha foi lançada em setembro de 2017 e, em dois meses, 130 famílias interessadas procuraram as varas de infância. Em 2018, o projeto do TJSP Adote um Boa Noite venceu o Prêmio Innovare, que reconhece boas práticas para o aperfeiçoamento da Justiça.
O estado de São Paulo concentra o maior número de crianças que vivem em abrigos: nele, estão 13.418 das 47 mil acolhidas em todos os estados, de acordo com dados do CNJ.
Luiza Fariello
Agência CNJ de Notícias