Os órgãos do Judiciário estão mobilizados para o combate e prevenção ao assédio e à discriminação no ambiente de trabalho. Diversas iniciativas vêm sendo realizadas em todo o país para aprimorar o cuidado e a atenção com trabalhadores e trabalhadoras.
Instituída em 2020 pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a Política Nacional de Prevenção e Enfrentamento do Assédio Moral, Sexual e Discriminação fortaleceu as ações de tribunais e conselhos para promover um ambiente de trabalho adequado. Isso gera impactos positivos no dia a dia dos profissionais do Judiciário e leva a uma ainda melhor prestação de serviços à população.
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A presidente da comissão de enfrentamento ao assédio do Tribunal Regional Eleitoral do Pará (TRE-PA), juíza Rosa Navegantes, conta que o trabalho está voltado especialmente para a proteção da violência contra a mulher. Em atuação desde 2021, o colegiado já produziu uma cartilha sobre o assunto e promoveu uma mesa redonda. “Também conseguimos inserir a questão do assédio e discriminação no código de ética do tribunal. E criamos um canal específico para receber denúncias por e-mail, com um procedimento especial para esses casos.”
A juíza afirma que a comissão ainda não recebeu nenhuma denúncia, mas o investimento nas medidas preventivas continua. “As pessoas podem ter medo de denunciar, mas criamos canais que possam garantir a proteção e a prevenção. Nosso próximo passo será a implantação da Ouvidoria da Mulher, que está sob análise do Plenário.”
Nas redes sociais do TRE-PA, são publicados vídeos sobre discriminação de vários tipos, como gordofobia, LGBTQIA+, questões de gênero e de racismo. E, no dia 13 de maio, o tribunal fará mais um evento nessa temática. “A norma do CNJ veio em boa hora e tem que ser aplicada, porque isso existe e as pessoas que fazem o Judiciário têm que se sentir seguras”, destaca Rosa Navegantes.
Direitos
No Tribunal de Justiça Militar do Rio Grande do Sul (TJMRS), as comissões de Prevenção ao Assédio e de Incentivo à Participação Institucional Feminina foram reinstaladas em março. O presidente do TJMRS, desembargador Amilcar Macedo, defende que é necessário ter canais para que as pessoas possam se manifestar. “Fazemos parte do mesmo ambiente de trabalho. Não existem pessoas invisíveis. Estamos fazendo uma gestão sem discriminação e a intenção é que possamos incentivar canais específicos para receber as denúncias.”
Palestras e treinamentos para prevenção têm sido realizados pelo TJMRS. Pesquisa interna mostrou que o assédio moral é a questão mais presente no ambiente de trabalho do órgão, com o uso de frases ofensivas e de duplo sentido. Na sequência vem a discriminação, principalmente em relação às opiniões políticas. “Nosso objetivo é concretizar os direitos fundamentais, para que não venham a acontecer casos assim.”
O Tribunal criou um canal chamado “Converse com o Presidente” para receber manifestações sobre o ambiente de trabalho. “Temos uma questão cultural na área militar e é preciso que haja uma separação entre a questão hierárquica e a discriminação”, lembra o presidente.
Uma proposta de normativo e a realização de pesquisas periódicas estão sendo avaliadas pelo tribunal militar para que possam acompanhar os efeitos das medidas preventivas. “Essas medidas são importantes para que os colaboradores se sintam bem e desenvolvam seu mister de forma tranquila.”
Capacitação
No Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO), além de uma cartilha de orientação, também foi desenvolvido um curso pela Escola Judicial. “O Código de Ética e a Prevenção do Assédio Moral, Assédio Sexual e Discriminação no âmbito do TJGO”, com carga horária de 40h, começou a ser ministrado nesta semana.
De acordo com a coordenadora da Comissão do Tribunal, juíza Sirlei Martins, o tribunal tem desenvolvido ações para desmistificar o tema do assédio e da discriminação e ampliar o debate. “A ideia é incentivar a participação dos servidores e colaboradores, com a ampla participação do sindicato.”
Além disso, as equipes de recursos humanos e da Ouvidoria do TJGO foram capacitadas para receber as denúncias e dar o encaminhamento necessário. “Quando a notícia chega à Comissão, passa por um processo de análise – também da área de saúde, com apoio de psicólogos, que fazem a primeira acolhida”, conta a magistrada.
Sirlei Martins afirma que o debate em si já demonstra uma mudança de atitude. Durante a Semana de Combate ao Assédio e à Discriminação, iniciada na segunda (2) e que segue até sexta-feira (6/5), está sendo divulgado um vídeo institucional, reforçado o acesso à cartilha e promovida uma live com especialista para tirar dúvidas de servidores e servidoras.
“Nosso objetivo é a conscientização, prevenção e combate à violência psíquica ou física no ambiente do tribunal e, consequentemente, na sociedade como um todo. Queremos informar o que é o assédio, como ele ocorre e oferecer recursos para que as pessoas possam denunciar a prática”, afirma a juíza do TJGO.
Justiça Federal
As medidas preventivas adotadas pelo Conselho da Justiça Federal (CJF) impactam seu público interno, mas também servem de modelo para os demais tribunais federais. Além de estabelecer uma política própria, a Comissão realizou uma pesquisa para diagnosticar a situação. O levantamento apontou uma necessidade de atenção especial às mulheres, cujos percentuais relativos a elas foram superiores aos dos homens em todos os tipos de assédio e discriminação – exceto nos ataques à saúde mental.
Também foi desenvolvida uma cartilha contendo informações sobre o tema e um fluxo de denúncia de assédio dentro do órgão. Ela explica quais comportamentos podem ser considerados abusivos dentro da rotina de trabalho e que é possível a denúncia de abusos ocorridos nas dependências do CJF.
O envio de pequenas reportagens para as equipes sobre o que seria o assédio sexual e como seria o assédio moral e a discriminação no trabalho fez parte da “Campanha de Enfrentamento ao Assédio e à Discriminação”. Essas e outras ações buscaram desenvolver uma cultura de enfrentamento às situações. Como resultado, o CJF nota melhora no clima organizacional e gestores e gestoras das seções se dizem mais atentos a essas práticas.
Segundo nota enviada pela assessoria do CJF, as medidas preventivas são importantes para a proteção dos trabalhadores. “O Judiciário tem sido, ao longo do tempo, motor de muitas mudanças culturais importantes na sociedade brasileira. No que se refere à Comissão de Enfrentamento ao Assédio Moral, Sexual e à Discriminação, o papel mais relevante desempenhado é o de informação aos servidores e colaboradores, a fim de consolidarmos uma cultura organizacional que repudie comportamentos abusivos no serviço público de modo geral.”
A política também está consolidada no Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), que já instituiu Comissões de Prevenção e Enfrentamento do Assédio Moral e do Assédio Sexual na 2ª instância e nas Seções Judiciárias de Mato Grosso do Sul e São Paulo. Em novembro de 2021, as três Comissões, em parceria com a Associação dos Juízes Federais de São Paulo e Mato Grosso do Sul (Ajufesp), promoveram um webinário. E agora estão trabalhando na minuta de uma resolução com diretrizes para a política de prevenção e enfrentamento ao assédio e elaborando uma cartilha sobre a temática.
Pioneirismo
O Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT1), no Rio de Janeiro, aprovou sua Política de Prevenção e Combate à Violência Laboral e ao Assédio Moral e Sexual, de forma pioneira, em 2019. A norma foi atualizada para se adequar à nova política nacional.
A Comissão de Enfrentamento funciona como canal efetivo de resolução dos casos, sendo porta de entrada para o processo de acolhimento e cuidado, voltado ao fortalecimento dos sujeitos para a qualificação do processo de denúncia. De acordo com o gestor da Coordenadoria de Saúde do órgão, Ricardo Sidney Nascimento Silva, a Política contribui para a diminuição do tempo de afastamento médico causados pela violência laboral, tendo como efeito prático a preservação da saúde de servidores e servidoras.
No TRT1, o enfrentamento a esse fenômeno é uma questão que diz respeito à saúde e segurança no trabalho, mas, em especial, como algo vinculado à cultura organizacional. Assim, o tratamento dado ao problema começa com o acolhimento e a recuperação da saúde da vítima. Em seguida, tem início a sistematização e a coleta das provas, bem como a análise e tentativa de aferição do tipo de violência laboral.
Por último, é elaborado um plano de enfrentamento e encaminhamento institucional e, se for o caso, extrainstitucional. A ideia é que não seja banalizado o sofrimento no trabalho. Ao contrário, o órgão atua para que os funcionários reencontrem sentido no trabalho, seu valor social e pessoal.
Para sensibilizar as equipes, são oferecidos treinamentos. No rol dos cursos, estão “Homens e Mulheres nas Relações de Trabalho: direitos, saúde e subjetividade”, voltado ao combate ao sexismo, à discriminação de gênero e à violência doméstica; “Gestão da Diversidade e Inclusão Social: debatendo a inserção laboral de pessoas com adoecimentos e de pessoas com deficiência”; “O Assédio Moral-Sexual e Outras Formas de Violência Velada no Trabalho”; “Relações de Trabalho no Contexto do Teletrabalho Emergencial”, entre outros. A Ouvidoria também desenvolveu podcast sobre violência laboral, com colaboração da Coordenadoria de Saúde.
Como resultados, o TRT1 tem registrado a adoção de mecanismos sociopedagógicos, em especial nos casos que não se caracterizam como assédio moral propriamente dito. Ricardo Sidney conta que, agora, a instituição fala abertamente desses assuntos e espera que, com a criação da Comissão como canal de resolução das questões, a Política se consolide de forma ainda mais efetiva. “Trata-se, aqui, da legitimidade que a Política traz às questões que antes ficavam veladas ou marcadas por concepções fatalistas que vão à contramão da instituição que buscamos construir.”
Lenir Camimura
Agência CNJ de Notícias