Durante audiência de instrução na 7ª Vara no Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região (TRT/MT), a juíza do Trabalho Carolina Guerreiro percebeu que o autor da ação, Anderson Fabrício, na verdade era um transexual. A magistrada não teve dúvidas: perguntou como ele gostaria de ser chamado e determinou que constasse nos autos o nome social do autor, Alexandra Monteiro, inclusive registrando no sistema Processo Judicial Eletrônico (PJe). “A pessoa ficou muito satisfeita quando registrei. Perguntei se ela gostaria que fosse tratada com o nome social e, com um sorriso, ela respondeu que sim. Senti que foi um reconhecimento muito importante”, explicou a juíza.
Desde os 13 anos, Anderson Fabrício adotou o nome de Alexandra. Disse que sofre preconceito no convívio social e que entrou com processo contra o seu antigo empregador exatamente por ter sofrido discriminação no trabalho. “Aconteceram muitas coisas lá, eu era humilhada pelo meu chefe. Eles queriam, por exemplo, que eu usasse o banheiro masculino, mas eu não posso entrar no banheiro masculino, ainda mais vestido de mulher”, afirmou. Ela já entrou com processo judicial para constar em seus documentos oficiais o seu nome social, mas o processo ainda não foi concluído. “Eu já passei muito bullying e discriminação, mas hoje sei que posso ir a um hospital, por exemplo, e ser tratada pelo nome que me identifico. Foi muito bom ter esse direito reconhecido também na Justiça”, disse.
Ser tratado pela identidade de gênero, independentemente do sexo, é tema de proposta de resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), sob a relatoria do conselheiro Carlos Eduardo Dias. A iniciativa foi deliberada pela Comissão Permanente de Eficiência Operacional e Gestão de Pessoas do CNJ, que recebeu cerca de 90 sugestões, depois de submeter a proposta à consulta pública. “Pretendemos oferecer condições para que os profissionais e usuários do sistema de Justiça tenham respeitado o direito de ser chamado pelo nome que corresponda ao gênero com o qual se identifica. Entendemos que não se pode prestar uma Justiça adequada se não formos capazes de respeitar esse importante atributo da dignidade humana”, afirmou o conselheiro.
A proposta de ato normativo assegura a possibilidade de uso do nome social às pessoas “trans, travestis e transexuais usuárias dos serviços judiciários, aos magistrados e magistradas, aos estagiários, aos servidores e trabalhadores terceirizados do Poder Judiciário em seus registros, sistemas e documentos”. No caso dos colaboradores, o uso do nome social, de acordo com a proposta de ato normativo, pode ser requerido no momento da posse ou a qualquer tempo.
Uso do banheiro – Essa não foi a primeira vez que o TRT da 23ª Região julgou um caso envolvendo um transexual. Há dois anos, uma trabalhadora pediu indenização por danos morais por se sentir violada ao ter de trocar de uniforme no mesmo vestuário que um trabalhador transexual. A empresa se defendeu alegando que estava cumprindo normas e que a funcionária estaria cometendo crime de discriminação contra o colega. Nesse caso, a magistrada, relatora do processo, indeferiu o pedido de indenização e argumentou que não seria razoável “que um trabalhador transgênero, com sentimentos e aparência femininos, fosse compelido a utilizar vestiário masculino”. Na opinião da juíza, “desconfortos advindos de convicções sociais e religiosas não podem configurar dano moral”.
No mesmo sentido da decisão, a proposta de ato normativo do CNJ prevê que, nas sedes judiciais e administrativas dos órgãos do Poder Judiciário, deve ser garantido o uso de banheiros, vestiários e demais espaços separados por gênero, quando houver, de acordo com a identidade de gênero de cada pessoa.
Precedentes – A Constituição Federal, em seu artigo 5º, estabelece a igualdade de todos perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, o que abrange as diferenças quanto ao sexo, orientação sexual e identidade de gênero. Diversos tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário também consagram princípios relativos aos direitos humanos no sentido de as pessoas serem livres e iguais em dignidade e direitos, sem distinção de sexo, a exemplo da Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU/1948) e da Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem (OEA/1948), entre outros.
A autorização para o uso do nome social já é prática em alguns órgãos públicos. Recentemente, no dia 28 de abril de 2016, foi editado pela Presidência da República o Decreto 8.727, que dispõe sobre o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis e transexuais no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional.
O Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (CNCD/LGBT), órgão da Secretaria de Direitos Humanos (SDH), também aprovou duas resoluções sobre o tema. A Resolução n. 12/2015 dispõe sobre o reconhecimento institucional da identidade de gênero nos sistemas e instituições de ensino. Já a Resolução n. 11/2014, estabelece os parâmetros para a inclusão dos itens “orientação sexual”, “identidade de gênero” e “nome social” nos boletins de ocorrência emitidos pelas autoridades policiais no Brasil.
Paula Andrade
Agência CNJ de Notícias