Preparar os agentes de segurança responsáveis por atender e acolher as mulheres vítimas de violência doméstica pode ter resultados mais positivos no esforço de combater essa situação. A experiência, testada e aprovada pela Patrulha Maria da Penha, formada pela Guarda Civil Metropolitana de Campo Grande (MS), mostrou que os agentes que fazem o primeiro atendimento podem levar informações importantes para a proteção das vítimas, além de apresentar formas para que essas mulheres tenham apoio para sair do ciclo da violência.
Desenvolvida desde 2017 pela 72ª Promotoria de Justiça na Casa da Mulher Brasileira na capital sul-matogrossense, a capacitação dos agentes da Guarda Civil e da Polícia Militar surgiu diante do alto índice de violência contra a mulher no município e da necessidade em proporcionar uma instrução continuada a esses profissionais. A proposta é formar multiplicadores de conhecimento sobre a Lei Maria da Penha e a rede de atendimento, além de difundir o trabalho do Ministério Público Estadual no âmbito da Guarda Municipal e da Patrulha Maria da Penha.
A Patrulha atua na Rede de Atendimento à Mulher Vítima de Violência e foi criada pela prefeitura de Campo Grande em resposta ao Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência contra as Mulheres. Para a promotora Luciana Rabelo, responsável pelo projeto, a iniciativa é uma parceira que viabiliza a execução das ações de proteção e combate à violência contra mulher. “O trabalho da Patrulha Maria da Penha é de total importância nas ações de supervisão e controle do cumprimento das medidas protetivas de urgência, bem como na garantia da segurança das vítimas e ainda, trabalhando na prevenção de reincidências, por meio das rondas e patrulhamento efetuados.”
Além de fornecer subsídios sobre as questões relacionadas à violência doméstica, o projeto padronizou a forma de atendimento, seguindo as melhores práticas que envolvam questões físicas e psicológicas da vítima. Vencedor do Prêmio Juíza Viviane Vieira do Amaral na categoria Atores do Sistema de Justiça – concedido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) -, o programa de capacitação é desenvolvido pelo Ministério Público em parceria com a Secretaria Municipal de Segurança e Defesa Social. A premiação garantiu a renovação da cooperação por mais dois anos.
“Percebemos que as mulheres não tinham informação sobre seus direitos enquanto vítima de violência doméstica nem das ferramentas jurídicas para que se tornassem protagonistas de suas ações e decisões”, explica Luciana Rabelo. A ação sensibiliza profissionais da segurança pública para os atendimentos das vítimas de violência doméstica, além de mapear a atuação frente ao suposto agressor. “Os guardas municipais e policiais militares relatam que se sentem mais preparados para o trabalho em campo, pois adquirem conhecimento extra sobre a Lei Maria da Penha, Lei do Feminicídio, Rede de Atendimento à Mulher, sobre as funções do Ministério Público, bem como, sobre como é feito o deferimento das medidas protetivas, como o inquérito policial se desenvolve e como deve ser um atendimento humanizado.”
A promotora de Justiça ressalta ainda a relevância da formação dos agentes, uma vez que eles realizam, em regra, o primeiro o contato com a mulher – momento fundamental para auxiliá-la a sair do ciclo da violência. “A capacitação não só fornece informações sobre direitos e rede de apoio, mas também visa possibilitar um atendimento mais humanizado para as vítimas.”
Até 2020, já haviam sido capacitados aproximadamente 1.130 guardas civis. O curso é anual e obrigatório, realizado a partir dos cursos de ingresso das carreiras da guarda municipal e da polícia militar. Entre os resultados alcançados, também estão a diminuição das reclamações referentes ao atendimento à vítima e o desenvolvimento de uma metodologia no atendimento e acompanhamento dos casos de violência doméstica.
A violência sofrida por mulheres em suas relações íntimas não é uma situação somente pessoal, mas uma questão da ordem social, defende Luciana Rabelo. Ela explica que as mulheres são mais vulneráveis a violências cometidas pelo namorado ou companheiro ao longo de relações de namoro e casamento formal ou informal, lembrando ainda que pesquisa realizada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em conjunto com a London School of Hygiene and Tropical Medicine mostrou que aproximadamente 35% dos assassinatos de mulheres no mundo foram cometidos por parceiros.
Para a coordenadora da Comissão Avaliadora do Prêmio e ouvidora nacional da Mulher, Tania Regina Silva Reckziegel, a iniciativa se revela uma forma de incentivar a conscientização sobre a temática, bem como a criação de um ambiente jurídico condenatório à violência de gênero e a inovação de medidas positivas nessa luta. “Cada um dos projetos que participaram representa fundamental ação de prevenção e enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher, além de exaltarem o compromisso institucional de conferir máxima efetividade aos direitos fundamentais da mulher.”
De acordo com Tânia Reckziegel, uma das formas de concretização “do ideal de esgotamento da violência é a implementação de ações afirmativas no combate a esse mal. Portanto, políticas institucionais como essa constituem ferramentas essenciais para a transformação social e prevenção de práticas de violência contra mulher”.
Prêmio Viviane Vieira do Amaral
O Prêmio CNJ Juíza Viviane Vieira do Amaral é um projeto do CNJ destinado a premiar e a dar visibilidade a ações de prevenção e enfrentamento do fenômeno da violência doméstica e familiar contra mulheres e meninas. Também pretende conscientizar os integrantes do Judiciário quanto à necessidade da permanente vigília para o enfrentamento desse crescente tipo de violência.
A premiação reverencia a memória da juíza do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro Viviane Vieira do Amaral, vítima de feminicídio em 2020. Os trabalhos apresentados foram analisados pela Comissão Avaliadora do Prêmio a partir de critérios como qualidade, relevância, alcance social, replicabilidade, resultados, criatividade e inovação. O prêmio foi dividido em seis categorias: Tribunais; Magistrados/Magistradas; Atores/Atrizes do Sistema de Justiça Criminal (Ministério Público, Defensoria Pública, advogados/advogadas, servidores/servidoras); Organizações não Governamentais; Mídia; e Produção Acadêmica.
Lenir Camimura
Agência CNJ de Notícias