Cotas raciais em estágio ampliam ações afirmativas no Judiciário

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Foto: Banco de Imagens/CNJ
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Estudante de Pedagogia na Universidade de Brasília (UnB), Luciene Forte Barreto é negra e faz estágio no Superior Tribunal de Justiça (STJ) desde março de 2019. O STJ adota, desde 2005, ações afirmativas em estágio, quando firmou acordo de cooperação com a UnB para a disponibilização de 40 bolsas para estudantes cotistas negros.

Luciene atua nos programas da Secretaria de Educação e Cultura (Seduc) do STJ. Ela conta que imaginava que desempenharia apenas serviços burocráticos e que a experiência de estágio proporcionou uma desmitificação do órgão público. “Atuo na minha área e desempenho atividades práticas relativas à minha área de formação.”

A estagiária destaca que a reserva de vagas é uma iniciativa que favorece não apenas aos estudantes participantes, mas também à instituição. “A medida muda a paisagem e a cultura institucional. E também melhora a perspectiva para inserção de estudantes negros no mercado de trabalho.”

Ela observa que a presença de negros era quase que reduzida aos servidores da limpeza e manutenção e a presença dos estagiários contribui com a diversidade. “Acompanho as seções às terças e quintas-feiras e, ao longo de quase dois anos, em apenas uma ocasião tive a oportunidade de ver um advogado negro fazer uma sustentação oral.”

Mais vagas

No final de setembro, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou a Resolução nº 336/2020, que estabelece o percentual mínimo de 30% de vagas oferecidas nos programas de estágio nos órgãos do Poder Judiciário para estudantes negros. Desde 2015, está também em vigor a Resolução CNJ nº 203, que reserva 20% das vagas em concursos públicos para cargos efetivos e de ingresso na magistratura para esse mesmo grupo.

“A Constituição da República adota como valores fundamentais a promoção de igualdade entre os cidadãos. Tais mecanismos [sistemas de cotas] se apresentam como maneiras eficientes de se garantir a igualdade, substancialmente, entre os brasileiros”, afirma o presidente do CNJ, ministro Luiz Fux. Ele enfatiza a importância do papel da administração pública na adoção de mecanismos institucionais que viabilizem a eliminação das distorções na sociedade brasileira.

A nova norma, que deve ser seguida por todos os tribunais, está alinhada às atividades do Observatório de Direitos Humanos no Poder Judiciário e que, entre seus temas, traz a preocupação com o papel da Justiça para promover e garantir a igualdade e a isonomia previstas na Constituição federal.

Pioneirismo

O STJ é pioneiro no âmbito do Poder Judiciário na realização de afirmativas para as pessoas negras em vagas de estágio. De acordo com a chefe da Seção de Movimentação de Pessoas do STJ, Andreia Carla de Souza, o acordo firmado em 2005 com a UnB visou a inserção socioeconômica de estudantes de ensino superior incluídos no sistema de cotas para negros da universidade. “O STJ reconheceu que essa seria uma importante ação do Tribunal da Cidadania para mitigar a desigualdade racial e favorecer a representatividade de pessoas negras no Poder Judiciário.”

O acordo com a UnB vigorou até 2010. Em 2013, o STJ editou a Portaria nº 587, que regulamentou a possibilidade do estabelecimento de cota para o ingresso no Programa de Estágio Remunerado de estudantes pertencentes a grupos desfavorecidos, especialmente afrodescendentes e indígenas brasileiros. A portaria ampliou a disponibilidade de vagas de estágio para estudantes negros, beneficiando tanto os da UnB como de outras instituições de ensino médio e superior.

Andreia Souza observa que, inicialmente, os gestores do Tribunal manifestaram pouco interesse em receber estudantes oriundos do sistema de cotas raciais. “Ao longo dos anos, a resistência inicial foi sendo vencida e os gestores perceberam que não há distinção no desempenho dos estudantes, independente da forma de ingresso no estágio.”

Desde que adotou o sistema, 217 estudantes negros realizaram estágio no STJ. A chefe da Semop enfatiza que a iniciativa tem inegável repercussão social, “afinada com a missão do Tribunal da Cidadania”, e contribui efetivamente para o combate à discriminação racial no país. “É uma ação capaz de propiciar a erradicação gradual dos prejuízos historicamente causados à população afrodescendente. O ingresso de estudantes negros no STJ tem possibilitado indubitável enriquecimento ao funcionalismo, em face do intercâmbio de conhecimentos e experiências.”

Jeferson Melo
Agência CNJ de Notícias