Em 11 de março, a Organização Mundial de Saúde (OMS) anunciou, em Genebra, na Suíça, que a Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus, estava caracterizada como uma pandemia. Neste mesmo dia, em Goiânia (GO), a analista judiciária do Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região (TRT18), Laise Cruz da Silva, dava entrada no hospital onde teve a sua primeira filha, Laura.
Os sentimentos de felicidade e esperança se misturaram à angústia, medo e incerteza ante o cenário sanitário que chegara, o que refletiria em sua saúde mental. “Tive que encarar todas dificuldades e angústias do puerpério incrementado com a incerteza sobre o futuro decorrente da Covid-19. Cerca de 15 dias após, comecei a ter crises de ansiedade. Era muito medo pela pandemia e muita coisa nova para assimilar”, relata a servidora.
Naquela altura, o TRT18 se estruturava para continuar a oferecer os seus serviços à população de forma remota em meio à crise sanitária, bem como dar condições estruturais e garantir atenção integral à saúde dos seus servidores e magistrados, conforme a Política de Atenção Integral à Saúde de Magistrados e Servidores do Poder Judiciário, instituída pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
O TRT18 desenvolveu várias iniciativas para ofertar atendimentos em saúde e, sobretudo, em saúde mental ao quadro de pessoal, tais como: o projeto Conte Conosco, com atendimento psicoterapêutico individual na modalidade virtual; AmarElo, suporte psicológico e fisioterapêutico a mulheres no puerpério e no retorno ao trabalho após a licença maternidade; Grupo de Meditação Mindfulness, com atividades on-line voltadas a quadros de ansiedade e depressão; Caravana da Saúde, levando as ações de saúde desenvolvidas na capital para as unidades do interior do estado; live sobre saúde mental na pandemia; além de atividades de psicoeducação, com orientação e divulgação de materiais informativos.
Foi nesta gama de iniciativas que Laise encontrou apoio para lidar com suas angústias e ter mais segurança para retomar suas atividades laborais em novembro, após a licença, na elaboração de minutas de voto para o gabinete em que trabalha. “Com a Gabriela, passei a ter atendimento psicológica on-line toda semana, até mesmo nos feriados. Superada a crise, passei a contar com o serviço do programa AmarElo que me proporcionou fisioterapia em sessões on-line e um encontro mensal com a psicóloga. Tudo isso foi fundamental para que eu conseguisse superar aquele quadro de ansiedade. Sem esse suporte, tudo seria muito difícil.”
Laise se refere à chefe da Gerência de Saúde do TRT18, Gabriela Brito de Castro, uma das responsáveis pelos atendimentos psicológicos e psiquiátricos aos servidores e magistrados do órgão. “A Política de Atenção Integral à Saúde de Magistrados e Servidores do Poder Judiciário tem sido a nossa bússola, pois a demanda de atendimentos psicológicos aumentou consideravelmente. A partir dela implementamos as iniciativas e os servidores relataram se sentir amparados e acolhidos nesse período, o que é fundamental.”
Segundo a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em cartilha produzida por ocasião da atual pandemia de Covid-19, estima-se, que entre um terço e metade da população exposta a uma crise sanitária como a que vivemos no momento pode vir a sofrer alguma manifestação psicopatológica, caso não seja feita nenhuma intervenção de cuidado específico para as reações e sintomas manifestados. Em pesquisa realizada entre abril e maio pelo TRT18, 24% dos servidores e 22% dos magistrados apresentaram suspeita de transtornos de humor, ansiedade ou somatização no período, com os quais o órgão fez contato e disponibilizou atendimento.
“Os efeitos psicológicos decorrentes deste cenário podem suscitar ou agravar quadros psicopatológicos. E é esperado que estejamos frequentemente em estado de alerta, preocupados, confusos, estressados e com sensação de falta de controle frente às incertezas do momento”, conta Gabriela, que também se preocupa com a própria saúde mental ao conciliar o trabalho com os cuidados de duas filhas pequenas, uma de 4 anos, e outra recém-nascida.
Gestação
O período de pandemia também coincidiu com o período de gestação da chefe do Serviço de Apoio Psicossocial do Tribunal de Justiça do Pará (TJPA), Carolina Monteiro, outra analisa judiciária responsável por prestar atendimento psicológico a servidores e magistrados que também necessitou de atenção especial à sua própria saúde mental.
“Minha experiência durante a pandemia foi marcada pela peculiaridade de uma gestação, que por si só já traz uma série de implicações emocionais. Se a pandemia trouxe, principalmente em seu início, uma série de incertezas e medos, isso se acentuou um pouco com a gravidez. Por essa condição, também fiquei os dois últimos trimestres em teletrabalho.”
O período no qual a servidora entrou no modelo de teletrabalho coincidiu com a publicação da Resolução CNJ nº 313/2020, com vistas a uniformizar o funcionamento dos serviços judiciários para prevenir o contágio pelo novo coronavírus. “A adaptação ao teletrabalho foi positiva, conseguimos abranger os servidores do interior que pouco tinham oportunidade de atendimento presencial; a nossa demanda aumentou consideravelmente, até mesmo pela comodidade que o teleatendimento trouxe aos servidores.”
A partir da Política de Atenção Integral à Saúde de Magistrados e Servidores do Poder Judiciário, o TJPA promoveu uma série de ações voltadas para o cuidado com a saúde mental dos trabalhadores do órgão. Foram realizados webinários e entrevistas para a Rádio web do tribunal com especialistas em promoção da saúde, divulgação de material informativo e a oferta de atendimento psicossocial aos magistrados e servidores na modalidade de teleatendimento, com a utilização do telefone e diversas plataformas virtuais de comunicação. A equipe de Apoio Psicossocial da corte promoveu ainda o acompanhamento dos servidores buscando informações sobre a rotina e como estava o andamento da saúde mental em meio ás atividades laborais.
Meditação
Um dos servidores assistidos por estas ações do tribunal paraense foi o analista judiciário Lucídio Gomes de Cerqueira Filho. Após 7 dias recluso em sua residência, o servidor contou com ações promovidas pelo Serviço de Apoio Psicossocial do TJPA. “Foram dias de angústias, medos e incertezas. Foi minha própria chefe que me apresentou ao serviço e, logo que procurei o setor, fui prontamente atendido. Tudo muito rápido e com contato por WhatsApp, o que me deixou ainda mais à vontade para conversar.”
Lucídio relata que a meditação, sugerida e incentivada pelo Serviço Psicossocial do tribunal, somada à religiosidade que faz parte da vida do servidor há algum tempo, se somaram e se tornaram um divisor de águas para que ele pudesse não somente se readequar ao trabalho no Poder Judiciário, como também a encarar o atual cenário pelo qual passa a humanidade com mais sobriedade. “Passei a meditar por algumas horas. Aos poucos a mente foi se alinhando com o mundo exterior, de modo que consegui enxergar e encarar o caos que vivemos com mais parcimônia. Foi um período em que o suporte dado pelo TJPA me fez sentir acolhido e valorizado, e sentir ainda mais orgulho e gratidão pelo órgão em que trabalho.”
Pesquisa
Em agosto, o Conselho Nacional de Justiça divulgou os resultados de pesquisa sobre o impacto que as mudanças de hábito – surgidas no contexto da pandemia do novo coronavírus – tiveram na saúde mental de magistrados e servidores do Poder Judiciário. O levantamento contou com a colaboração de 46.788 magistrados e servidores, que responderam ao questionário de forma voluntária, anônima e sigilosa.
Dos que responderam à pesquisa, 47,8% declararam se sentir mais cansados quando comparado ao período pré-pandemia; 42,3% tiveram piora no humor e 48% tiveram alteração na rotina do sono. O sentimento mais citado entre magistrados e servidores foi o medo, atingindo 50% dos que responderam ao questionamento.
Alex Rodrigues
Agência CNJ de Notícias