Em uma parte da tela do computador, é possível ver Kléber, preso há dois anos, no Centro de Ressocialização de Sorriso/MT, acusado de homicídio. De outro, está sua ex-mulher Isaura acompanhada de um defensor público e, no canto da tela, estão os mediadores do Centro Judiciário de Mediação e Solução de Conflitos (Cejusc) da comarca de Sorriso – os nomes das partes são fictícios. Todos conversam tranquilamente e decidem acerca do futuro do filho de Kléber e Isaura, de 11 anos, que não é beneficiado com pensão alimentícia desde que o pai foi preso. A situação inédita passa a ser possível a partir de hoje por meio do projeto de mediação virtual do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso (TJMT), que possibilita ao preso e sua família solucionar demandas cíveis por meio de acordo consensual, sem a necessidade de judicializar o conflito.
A mediação é um método voluntário de solução de disputa, no qual uma terceira pessoa conduz a negociação, mas sem poder de decisão. Seu papel é estimular as partes a desenvolverem soluções consensuais para o conflito. Em geral, trata de ações complexas, de relação continuada, como conflitos familiares ou criminais. A prática é incentivada pela Resolução n. 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que institui a Política Nacional de Conciliação e prevê que os tribunais devem oferecer mecanismos de soluções de controvérsias, em especial os chamados meios consensuais, como a mediação e a conciliação, e prestar atendimento e orientação ao cidadão.
A primeira mediação virtual realizada dentro do presídio foi idealizada pelo juiz titular da Comarca, Anderson Candiotto, que já possuía prática de mediação virtual. “Com a técnica, conseguimos resolver conflitos na esfera cível que antes teriam que ser judicializados pela impossibilidade de o estado custear uma escolta para transportar o preso a um centro de conciliação”, conta o juiz Candiotto. Além de poupar a máquina judiciária, outro benefício que o magistrado ressalta é a oportunidade dada à pessoa presa de participar, por exemplo, de decisões acerca da guarda de seus filhos, o que não seria possível judicialmente, já que o processo teria que correr à sua revelia.
Acordo consensual – Dos quase 280 presos da comarca, 50 possuem demandas cíveis que serão submetidas à mediação virtual. Foi o caso de Kléber, que participou pela manhã da mediação dentro do presídio, em uma sala que foi decorada seguindo a mesma preocupação da sala do Cejusc, de modo a facilitar diálogos e acordos entre as partes. Além de resolver a questão da pensão alimentícia para seu filho, Isaura, sua ex-mulher, também tentava obter a guarda do filho e o consentimento para formalizar o divórcio, além de voltar a usar seu nome de solteira. “Ela é uma excelente mãe para meu filho, não tenho mágoas e ela pode ter a guarda”, disse Kléber, visivelmente emocionado ao ver a ex-mulher pela tela. Kléber, que antes de ser preso trabalhava prestando serviços em fazendas da região, deu o consentimento para o divórcio e propôs destinar o auxílio-reclusão que vier a receber – pois ainda não conseguiu fazer o pedido – ao filho. Além disso, declarou na audiência que abre mão do terreno que ambos teriam adquirido no Maranhão. “Não quero nada, pode ficar para ela e meu filho”, disse.
Participação voluntária – Antes de começar a sessão de mediação, conduzida pelas mediadoras do Cejusc Bárbara Elisa Benitez de Araújo e Vânia Caroline Schwann, foi esclarecido às partes, que não conheciam a prática, que a participação de ambas na tentativa de acordo é voluntária e que nenhuma solução seria imposta pelos mediadores. “O procedimento é sigiloso, nada será gravado e, havendo acordo, será levado ao juiz e seu cumprimento é obrigatório”, ressaltou Vânia.
A mediação realizada dentro do presídio pelo TJMT segue a tendência de informatização do Judiciário brasileiro. Já é realidade em diversos estados, por exemplo, a realização de audiências de réus presos por meio virtual.
Outra iniciativa nesse sentido, reconhecida em 2015 pelo CNJ por meio do Prêmio Conciliar é Legal, é o projeto Conciliação sem Fronteiras, idealizado pelo defensor público Cassio Bitar Vasconcelos, da Defensoria Pública do Estado do Pará. A prática, implementada em 2012, tem o intuito de promover via internet a solução de conflitos entre pessoas de comarcas distintas que não teriam como sair de suas cidades para comparecer a uma audiência em outra localidade, seja por problema de saúde ou financeiro.
A utilização de ferramentas tecnológicas pelos tribunais é estimulada pelo CNJ, que conta com um projeto que tem por objetivo informatizar e interligar a Justiça brasileira, o Processo Judicial Eletrônico (PJe). O Poder Judiciário já tem 5,274 milhões de ações tramitando no Processo Judicial Eletrônico (PJe), presente em 44 tribunais.
Lei da Mediação – A Lei n. 13.140, conhecida como “Lei da Mediação”, foi sancionada em junho deste ano. A proposta, elaborada com a participação do CNJ, tem como uma das principais finalidades resolver conflitos de forma simplificada e rápida para ambas as partes e, com isso, reduzir a entrada de novos processos na Justiça.
O CNJ colocou à disposição para download em seu Portal a 5ª edição do Manual de Mediação Judicial. A publicação, apoiada pelo CNJ, é parte do material pedagógico de apoio nos cursos de mediação e conciliação, que também incluem vídeos, exercícios simulados e slides realizados pelo CNJ. Todo o material está em conformidade com a Resolução n. 125/2010 e a Recomendação n. 50/2014 do órgão.
Luiza de Carvalho Fariello
Agência CNJ de Notícias