Desinformação impede que homens solteiros adotem crianças, dizem juízes

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Célio Wanderson de Araújo é assistente social no Distrito Federal (DF), solteiro, e desde 2013 é pai de dois irmãos: um menino de 9 e outro de 11 anos. Peterson Rodrigues dos Santos, vendedor em Porto Alegre/RS, solteiro, se tornou pai de um menino de 9 anos em 2015. José Ubiratan Vieira Cavalcanti, técnico em enfermagem em Recife/PE, se tornou pai de um menino de sete anos com paralisia cerebral em 2009. Esses são apenas alguns dos casos de adoção bem-sucedida feita por “pais solteiros” em todo o país. Todos foram unânimes em afirmar que o amor incondicional foi o que os motivou a encarar o desafio de criar uma criança adotiva sozinhos.

Atualmente, dos mais de 37 mil pretendentes inscritos no Cadastro Nacional de Adoção, gerido pela Corregedoria Nacional de Justiça, órgão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), 5.019 são pessoas solteiras. Em média, elas representam cerca de 15% do total de crianças adotadas em todo o país. Não existem dados específicos sobre adoção de crianças por homens solteiros. No entanto, magistrados da Vara da Infância consultados pelo CNJ confirmam que o número ainda é muito pequeno e aquém do que poderia ser.

“Culturalmente o homem ainda não se descobriu como capaz de formar uma família sem a necessidade de uma mulher”, afirmou o juiz Élio Braz, titular da 2ª Vara da Infância e Juventude de Recife. “Eles tendem a achar que não ‘levam jeito’. Só que para adotar uma criança não precisa ter ‘jeito’, mas ter amor”, completou.

Campanha – Em setembro do ano passado, a Vara da Infância da Juventude fechou uma parceria com o Sport Clube do Recife. Os jogadores do time de futebol da capital pernambucana entraram em campo para uma partida contra o Flamengo de mãos dadas com crianças que vivem em abrigos em Recife à espera de adoção. A ação chamada “Adote um pequeno torcedor” mobilizou a cidade e 19 crianças foram adotadas. Entre elas, três por pais solteiros. “Foi uma surpresa muito positiva. Tivemos homens solteiros do Rio de Janeiro vindo adotar crianças em Recife”, contou o magistrado.

De acordo com o juiz, homens solteiros adotam crianças maiores e a adaptação é mais rápida, pois a criança escolhe o pai. Eles são mais abertos e se entregam emocionalmente mais à criança. “A criação do vínculo é muito mais rápida e mais forte do que vemos em adoção por casais”, contou.

Cuidador de um abrigo em Brasília, Célio Wanderson sempre quis ser pai, mas nunca se casou. Um dia, quando chegava em casa de um plantão, viu dois meninos de rua. Passou a mapear os locais por onde eles passavam e se aproximou. “Eram crianças muito difíceis, tinham sofrido agressão do padrasto e passado por muitos momentos complicados. Mas criamos um vínculo e não me vi mais sem eles. Eram os meus filhos. Percebi que o problema deles era a falta de presença de um adulto”, contou o assistente social. ´”É um desafio ser ‘pãe’. Tenho que ter um lado mais acolhedor e um lado mais limitador. Mas não é nenhum bicho de sete cabeças. No meu caso, são apenas duas cabeças: dos meus dois filhos”, brinca Célio Wanderson. A guarda definitiva ainda está para sair e o assistente social luta agora para ter direito a mais do que os sete dias de licença paternidade que lhe foi consignado no local de trabalho.

O vendedor porto-alegrense Peterson Rodrigues dos Santos se tornou conhecido em todo o país exatamente por ter conseguido o reconhecimento do direito a quatro meses de licença após ter adotado sozinho um menino de nove anos chamada Lucas. A história dos dois começou em 2013, quando Peterson passou a frequentar uma ONG que promove o apadrinhamento de crianças que vivem em abrigos. Apesar de as crianças que participam do programa não poderem ser adotadas por ainda manterem vínculo com suas famílias de origem, um ano depois do primeiro encontro, o menino foi destituído da família e se tornou apto para adoção. “Inicialmente, as visitas eram a cada 15 dias, mas logo passei a vê-lo toda semana, e o amor foi crescendo”, contou. “Contratei um advogado e entrei com um pedido de guarda em outubro de 2014. Levou um ano para a decisão sair e Lucas ser oficialmente meu filho”, lembrou.

Desafio – Se adotar uma criança sozinho já é um desafio para qualquer pessoa, seja homem ou mulher, adotar uma criança com deficiência é ainda mais complexo. Mas nada fez o técnico em enfermagem José Ubiratan Vieira Cavalcanti mudar de ideia. “Foi amor à primeira vista”, disse. Ele conheceu Victor Emanuel enquanto fazia trabalho voluntário em um orfanato e desde o primeiro encontro não conseguiu mais se ver longe do menino, que então tinha sete anos. Victor tem paralisia cerebral, não enxerga e há algum tempo se alimenta apenas por meio de sonda abdominal. “O amor não encontra razões quando quer realizar algo. Eu não vejo defeitos no meu filhinho. Ele brinca, expressa emoções, sorri e me chama de ‘Bibi’”, contou emocionado. “Todas as crianças que ficavam com ele na enfermaria do abrigo já faleceram. Tenho certeza que é o amor e o carinho que o mantém vivo”, completou.

Ubiratan conta que pensou que, por ser homem e solteiro, teria dificuldades para adotar Victor. “Na Justiça foi rápido. Pensei que ia sofrer preconceito, mas nada disso aconteceu. Logo ganhei a guarda de Victor e dei para ele o meu sobrenome. Se eu tivesse mais condições financeiras, adotaria mais crianças. Crianças que ninguém quer, como as com deficiências, as difíceis e as mais velhas”, afirmou.

Regras – Com a alteração do Código Civil, todas as pessoas com mais de 18 anos podem adotar uma criança ou adolescente. A restrição é que o adotado deve ser 16 anos mais novo que o adotante. O processo de adoção para os solteiros demora o mesmo tempo que para os casais. Para se candidatar, basta ir a um Fórum de sua cidade, com a identidade e um comprovante de residência, e abrir um processo de habilitação para adoção. Os documentos exigidos variam de Vara para Vara.

Além de preencher alguns formulários, estão previstas entrevistas para avaliação psicossocial do adotante. Na entrevista, o pretendente a pai preencherá a ficha de triagem onde poderá solicitar o tipo físico, idade e sexo da criança. Com o processo sendo aprovado, o interessado estará habilitado para adoção e fará parte de uma lista, junto ao Cadastro Nacional de Adoção. Quanto menor o número de restrições nas características da criança desejada, menor o tempo de espera. Escolhida a criança, dá-se início a um processo de adoção propriamente dito.

No Distrito Federal, em 2014, mais de 20 crianças foram adotadas por homens solteiros. Em 2015 aconteceu apenas uma adoção. Em 2016 ainda nenhuma. “Os homens solteiros não acreditam que um juiz irá deferir a guarda de uma criança para ele. Eles não conhecem as regras. Há muita desinformação. Por isso os números são baixos”, destacou Walter Gomes de Souza, supervisor da área de adoção da Vara de Infância e Juventude do Distrito Federal. “Ser homem ou mulher não faz diferença. O que importa é o bem-estar da criança e o vínculo criado com o adotante”, completou.

Paula Andrade
Agência CNJ de Notícias