Em um ano de implantação, as audiências de custódia no Rio de Janeiro registram 1,4% de reincidência. Dados da Defensoria Pública do estado indicam que, dos 2.567 atendidos, apenas 35 voltaram a ser apresentados, desde o início do projeto, em setembro do ano passado. O órgão prepara a quarta edição de estudo sobre o perfil dos detidos, a ser lançada no próximo dia 20.
O projeto Audiências de Custódia, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), foi implantado em 2015, numa parceria com o Ministério da Justiça e o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. O programa consiste na garantia da rápida apresentação do preso a um juiz, nos casos de prisão em flagrante. Além de combater a cultura do encarceramento, as audiências permitem avaliar eventuais ocorrências de tortura e de maus-tratos.
No Rio de Janeiro, a apresentação de presos provisórios a juízes em 24 horas ocorre somente na comarca da capital, com planos de expansão para o interior.
Nos questionários respondidos pelos defensores, são registrados dados como grau de escolaridade do detido, emprego e se houve agressão policial.
Resposta aos críticos – “Pretendemos, em um evento de 20 a 21 de outubro, lançar o primeiro relatório anual das audiências. Faremos um retrato do ano”, adiantou o defensor público Emanuel Queiroz, coordenador de Defesa Criminal da Defensoria. “As pessoas terão uma leitura efetiva das audiências de custódia. Em todos os relatórios, a reiteração criminosa, por exemplo, não passou de 1,5%. O dado afasta a conclusão de críticos de que o projeto elevaria a impunidade. A análise diária aponta em sentido contrário.”
A capital fluminense recebe, em média, 24 audiências por dia. Foram mantidas 69,7% das prisões. O furto foi a segunda acusação mais comum nas decisões de soltura, atrás de delitos de trânsito. Dos 35 reincidentes, 25 foram detidos por furto na primeira prisão, outros cinco por roubo e dois com drogas. Apenas um réu chegou a passar por três audiências no período analisado.
Perfil – Pretos e pardos, com baixa escolaridade, emprego informal e acusados de crime contra o patrimônio ou ligado a drogas formam a maioria dos detidos. Sem advogado particular, buscaram a Defensoria Pública em 93,5% dos casos. Desde o início das audiências de custódia, seis defensores se revezam para atender às sessões. “Nunca há menos de dois disponíveis”, detalhou Queiroz.
Para ele, as audiências de custódia contribuíram na qualidade do direito de defesa. “Melhorou a qualidade da defesa de forma fundamental. O total de presos no Rio já passou de 50 mil. A Defensoria tinha muita dificuldade, porque o volume diário gira em torno de 120 prisões. Era mais trabalhoso identificar, já com a pessoa presa, a razão do encarceramento”, explicou.
“O direito de defesa ganhou um novo status. Muitas vezes, não obtemos a liberdade, mas, com o atendimento logo após a detenção, identificamos problemas de saúde, por exemplo”, relatou o defensor. Segundo ele, foi identificado alto número de pessoas com doenças renais, que morreriam no sistema penal se não houvesse atendimento. “Já fizemos requisições, também, de tratamentos de Aids, diabetes e pressão alta.”
Emanuel Queiroz disse que o que mais surpreendeu a Defensoria, após a implantação das audiências de custódia, foi a violência policial. “Sabíamos da existência, mas pensamos que haveria diminuição, o que não ocorreu”, disse o defensor. Segundo ele, pelo menos um em cada quatro custodiados (27,5%) relatou ter sofrido violência policial. “Nos assusta que essa continue sendo a conduta das forças de segurança da cidade. É uma prática de agressão rotineira contra o cidadão que já está custodiado”, avaliou. “A mudança de cultura só ocorrerá quando as audiências chegarem a todos os rincões do país e com a determinação de apurações”, previu.
Para o defensor público, as audiências de custódia têm levado à evolução do direito penal e da prática humanitária. “São um avanço civilizatório. Trabalhamos para que sejam expandidas, levando essa bandeira do CNJ”.
Isaías Monteiro
Agência CNJ de Notícias