Judiciário de Roraima ampara crianças venezuelanas nas ruas de Boa Vista

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As políticas públicas do Judiciário brasileiro têm beneficiado crianças venezuelanas em Roraima (RR), graças às parcerias da Coordenação de Infância e Juventude do Tribunal de Justiça do estado (TJRR) com órgãos como a Fundação Nacional do Índio (Funai) e o Corpo de Bombeiros, além de secretarias estaduais. Nesse sentido, as normas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) têm contribuído para a condução desse trabalho articulado no estado, que conta atualmente com quase 200 instituições atuantes no setor da infância.

A criação de coordenações do tipo, como órgãos permanentes, foi determinada a todos os tribunais estaduais, em 2009, pela Resolução n. 94/2009 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Desde o fim de setembro, após denúncias sobre o uso de crianças para mendicância, agentes de proteção da Vara da Infância fazem ronda por Boa Vista não apenas para fiscalizar, mas também para orientar. Eles coletam dados e fotos das famílias, além de instruí-las sobre a lei brasileira.

Segundo dados do governo estadual cerca de 30 mil migrantes do país vizinho chegaram ao estado em 2016. Por esse motivo, na capital Boa Vista, agentes da Vara da Infância da Juventude reforçaram a fiscalização do uso de crianças para pedir esmola. A vigilância e orientação ajudaram a baixar pela metade o número delas nas ruas da capital. Cerca de 150 crianças indígenas venezuelanas em condição de mendicância circulavam pela cidade no início deste mês, segundo relatório da 1ª Vara da Infância e da Juventude. Parte delas acompanhava as mães em semáforos e na rodoviária internacional.

A maior concentração foi registrada na Feira do Passarão. Ali, acampam em torno de 400 imigrantes, dos quais aproximadamente 100 são crianças e adolescentes. Como consequência, já foram registrados no local ocorrências de conflitos entre membros de diferentes comunidades e tentativas de abuso de menores.

Estudo do governo local indica que 60% dos venezuelanos deixam o Brasil após comprar itens básicos de alimentação e higiene. “A migração massiva trouxe diversos reflexos, mas o maior foi na área da infância. O impacto criminal é menor, com casos esparsos, pois a maioria não é de infratores. São pobres expulsos da Venezuela pela fome”, avalia o juiz Parima Veras, da unidade judicial. 

Histórico de casos – Os resultados do trabalho já estão surgindo. “Eram mais de 300 crianças há dois meses. O número varia, dado que é um movimento de ida e vinda”, observou o juiz. Criar o cadastro permitiu manter o histórico dos casos. Parte dos deportados meses atrás pela Polícia Federal, por exemplo, já retornou à capital. Como a maioria dos imigrantes é de indígenas, com língua própria, existe dificuldade no diálogo em português e em espanhol, conta o magistrado Veras. “Tentamos conscientizá-los de que não podem levar as crianças ao sinal. Mas vimos que era difícil, porque eles voltam”, relatou.

Em caso de reincidência, os filhos podem ser recolhidos para um dos quatro centros de acolhimento existentes em Boa Vista — dois para adolescentes e dois para crianças. “Não temos capacidade de comportar todos eles. Cada unidade infantil tem em torno de 30 vagas, no geral, para casos que precisam de cuidados especiais, como alimentação por sonda”, exemplificou o magistrado.

A vigilância busca prevenir danos às crianças. “As mães, quando saem para vender artesanatos, carregam bebês em tipoias. Temos sol forte na região, há riscos de atropelamento e de dormir em espaços abertos”, explica o juiz. “Na cabeça dos pais, nem existe negligência com os filhos, por estarem sempre juntos. Mas há quem os leve para comover. É o que queremos evitar”, reforçou.

Baixos índices – Mesmo no período das festas de fim de ano, o número de pedintes é pequeno na capital, segundo o juiz Veras. “É uma cidade pequena, com cerca de 400 mil habitantes. Sempre conseguimos deixar as ruas sem criança alguma. Elas não eram vistas nas esquinas”, lembra. “Temos receio de que, agora, as nossas também passem a pedir. Já tivemos essa etapa, que vencemos há mais de 10 anos. Programas sociais impedem que elas mendiguem”, disse.

A maior queda se deu após a instalação do Centro de Referência do Migrante, no início do mês. Criada como ponto de passagem, a unidade oferece serviço médico e odontológico, além de roupas e comida. Atividades como aulas e recreação, por sua vez, mantêm as crianças no local durante o dia. “Elas ainda saem à noite para dormir. Nossa preocupação, agora, é terem um lugar digno para isso”, adiantou o juiz.

O TJRR também estuda ceder um prédio onde os migrantes pernoitariam. Outras opções de local são um shopping ou um ginásio de esportes. O local receberia o centro de referência. Para isso, já estão sendo verificadas questões sanitárias e estruturais já são verificadas pela Defesa Civil. “Seria dedicado aos indígenas. Queremos cuidar dos que já estão aqui, sem estimular outros. A cidade não suporta”, alerta o juiz. 

Na visão do juiz as normas do CNJ auxiliaram na realização dessas ações conjuntas. “O Conselho orienta que o trabalho seja de rede. Todas as unidades que lidam com o tema devem dialogar”, disse.

Isaías Monteiro
Agência CNJ de Notícias