A lei é clara. Empresas com mais de 100 funcionários são obrigadas a contratar pessoas com deficiência física ou intelectual. Apesar de estar em vigor há mais de 10 anos, a norma ainda é descumprida no Brasil e motivou uma decisão inovadora da 4ª Vara do Trabalho de Curitiba. Em vez de multar uma empresa pelo descumprimento da lei, o juiz Bráulio Gabriel Gusmão proferiu uma sentença exigindo que a empresa se adaptasse para receber os trabalhadores com deficiência. A decisão foi premiada no I Concurso Nacional de Decisões Judiciais e Acórdãos em Direitos Humanos, promovido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em parceira com Secretaria Especial de Direitos Humanos (SDH), do Ministério da Justiça.
Vencedor na categoria “Garantia dos direitos da pessoa com deficiência e da pessoa com transtornos e altas habilidades/superdotação”, o magistrado acolheu pedido do Ministério Público do Trabalho em uma ação civil pública, e determinou a aplicação da Lei n. 8213/1991 (regulamentada em 2004), que trata da exigência mínima de trabalhadores com deficiência nas empresas. “O problema não é multar ou deixar de multar a empresa por ela descumprir a cota, mas permitir que a pessoa com deficiência tenha acesso ao trabalho”, afirma Bráulio.
Foto: Luiz Silveira/Agência CNJ |
Conselheiro Bruno Ronchetti faz a entrega do prêmio na categoria Direitos da Pessoa com Deficiência e da Pessoa com Transtornos e Altas Habilidades/Superdotação ao Juiz Bráulio Gabriel Gusmão, do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região. |
No processo, a empresa alegou dificuldades para encontrar trabalhadores aptos a preencher as vagas destinadas aos deficientes, o que era questionado pelo Ministério Público. A fim de promover um debate sobre o assunto, o juiz promoveu uma audiência pública em que foram ouvidas pessoas com experiência no tema, como representantes da área de recursos humanos, da área acadêmica e uma auditora fiscal do trabalho. “A maior dificuldade foi justamente buscar esse novo olhar, tentar superar o que se faz hoje e tentar contribuir de uma maneira diferente para resolver o problema”, explicou o juiz.
Na sentença, o magistrado fundamentou seu entendimento na Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que foi ratificada pelo Brasil por meio do Decreto Legislativo n. 186 de 2008, adquirindo status de norma constitucional.
De acordo com dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais) 2015, divulgados pelo Ministério do Trabalho no ano passado, 403,2 mil pessoas com deficiência atuam formalmente no mercado de trabalho, correspondendo a um percentual de 0,84% do total dos vínculos empregatícios.
A premiação – O concurso destaca o papel de juízes na defesa dos direitos humanos. Qualquer cidadão, inclusive o juíz responsável, pode indicar a decisão e inscrevê-la em até duas categorias apenas um caso foi premiado em cada uma. Foram consideradas decisões em processos de primeiro e segundo grau, dadas por um juiz ou por colegiados, entre 25 de outubro de 2011 a 25 de outubro de 2016. A análise coube a uma comissão julgadora de cinco membros, indicados pelo CNJ e pela SDH.
A premiação avaliou decisões em 14 temas: garantia dos direitos da criança e do adolescente, da pessoa idosa e das mulheres; da população negra; dos povos e comunidades tradicionais; dos imigrantes e refugiados; da população de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais; da população em privação de liberdade e em situação de rua; da pessoa com deficiência e da pessoa com transtornos e altas habilidades/superdotadas; promoção e respeito à diversidade religiosa; prevenção e combate à tortura; combate e erradicação ao trabalho escravo e tráfico de pessoas.
Thaís Cieglinski
Agência CNJ de Notícias