Na Paraíba, crianças e adolescentes que são vítimas ou testemunhas de crimes de violência física, psicológica ou sexual, são atendidos pelo Projeto ‘Justiça Pra te Ouvir’, ação itinerante do Tribunal de Justiça da Paraíba, que percorre 56 comarcas do Estado, realizando a coleta do chamado depoimento especial. Desde a implantação do Projeto, em 2012, já aconteceram 675 oitivas, coordenadas por psicólogas habilitadas a realizar o trabalho. No entanto, o número chega a 1.138 escutas especializadas, quando somados os trabalhos realizados anteriormente, conforme apontou o juiz-coordenador da Infância e Juventude, Adhailton Lacet Correia Porto.
O depoimento especial passou a ser obrigatório a partir da Lei nº 13.431/2017, que entrou em vigor em abril de 2018, e regulamenta (nos artigos 7º a 12) a escuta especializada segundo os moldes do antigo ‘Depoimento Sem Dano’. No entanto, no âmbito do Judiciário paraibano, a ação de entrevistas especializadas com crianças e adolescentes já vem sendo desenvolvida desde 2010, seguindo a Recomendação nº 33 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Somente nos últimos cinco anos, os dados registrados foram os seguintes: em 2013, 81 escutas foram realizadas; em 2014, 66; o número subiu para 87 em 2015 e 103, em 2016. No ano de 2017, 200 crianças e adolescentes foram ouvidos e, neste ano de 2018, até o momento, a equipe executou 138 entrevistas. Os dados foram fornecidos pela Coordenaria da Infância e Juventude do TJPB (Coinju).
O juiz Adhailton Lacet celebrou o número, superior a 1000, de entrevistas realizadas, avaliando como um resultado de êxito. E acredita que, futuramente, o Projeto poderá ser regionalizado na Paraíba. “Isso é um dado importantíssimo, é um número que revela a relevância e o sucesso desse Projeto que, agora, foi positivado através da Lei do Depoimento Especial. O Tribunal de Justiça da Paraíba, certamente, irá implantar, ao menos em alguns fóruns das circunscrições, salas para a tomada de depoimento especial. Por enquanto, a equipe da Coinju continua atendendo às solicitações dos magistrados, através desse trabalho itinerante que tem merecido elogios, inclusive, fora do Estado da Paraíba”, afirmou o magistrado.
Tanto as comarcas do interior, quanto as varas da Capital e Região Metropolitana podem solicitar a atuação do ‘Justiça pra te Ouvir’, através da Coinju, para realizar a coleta de depoimento especial em processos que tenham crianças e/ou adolescentes envolvidos.
Experiência nas comarcas – A escuta especializada pode ser aplicada não apenas aos feitos de varas da Infância e Juventude, mas, também, em casos Criminais e de Família, por exemplo.
A juíza Hyanara Torre de Souza, que responde pela 3ª Vara Mista da Comarca de Itaporanga, com competência para feitos de família, solicitou, nos últimos 15 dias, a atuação do Projeto ‘Justiça Pra te Ouvir’, que se deslocou até a comarca para ouvir duas crianças vítimas de estupro, meninas com 6 e 4 anos. Os processos tramitavam na 3ª e 2ª Varas, respectivamente. A magistrada elogiou as técnicas utilizadas pela psicóloga e considerou essencial a coleta do depoimento especial, na forma humanizada como é feita.
“A equipe extraiu muitas informações que eu, como magistrada, não teria conseguido, pela delicadeza como é conduzido. Os juízes não são preparados para isso. No caso da menina que tinha 4 anos, por exemplo, foi muito difícil, porque, além de ser muito nova, o trauma que ficou foi grande, e ela não conseguia falar. Com maestria, a equipe conseguiu colher a versão da vítima, que é a principal. Os depoimentos são fundamentais para o deslinde do processo”, disse a juíza.
A magistrada também avaliou o ambiente lúdico montado para receber as crianças: “Além de proporcionar o conforto para ela falar, também evita a revitimização. Colocar uma criança, que já foi vítima de um crime, em frente a pessoas sérias, de toga, que estão julgando, causa um desconforto e constrangimento. Isso seria revitimizá-las. E, as psicólogas atendem num ambiente infantil, trazendo brinquedos. É o ideal”, acrescentou.
Em 2017, quando ainda era titular na Comarca de Pocinhos, o juiz Luiz Gonzaga de Melo Filho também contou com a ação de escuta especializada em dois casos: um processo criminal que investigava abuso sexual de criança no meio familiar, e uma Ação de Divórcio em que se disputava a guarda do filho. “Nesse caso, o problema é que havia uma suspeita de que a criança sofria agressão quando estava na companhia do pai”, explicou o magistrado. As duas crianças envolvidas eram menores de 10 anos.
O juiz comentou que uma das principais marcas do Projeto é a habilidade de lidar com as personalidades de cada criança, que são ímpares. “Foi extremamente eficiente. Os profissionais são muito preparados e têm um jeito especial de extrair as informações da criança, sem gerar traumas, que é o mais importante. Cada criança tem seu jeito, umas são mais comunicativas, outras, mais acanhadas, mas a equipe sabe até onde pode ir”, analisou.
Ao considerar a grande relevância da escuta especializada, o juiz Luiz Gonzaga Filho ressaltou que é um projeto necessário e primordial. “Recentemente, respondi a um questionário do CNJ que fazia um levantamento sobre as metas futuras. Ao responder, eu deveria elencar, por ordem de prioridade, as metas que estavam dispostas. Quando li ‘expansão do depoimento especial’, marquei como primeiro, porque eu recomendo e acho essencial a expansão desse trabalho”, relatou.
Também no ano passado, duas adolescentes, de 12 e 15 anos, foram ouvidas no ‘Justiça Pra te Ouvir’, quando o juiz João Lucas Souto Messias, atuando na Comarca de Sumé, à época, conduziu o andamento de dois processos sobre violência sexual. Ao avaliar o trabalho de oitiva especial realizada pelo Projeto, o magistrado disse que “ficou claro que só uma equipe habilitada pode fazer as entrevistas da maneira menos constrangedora possível”.
“Nós, juízes, e posso dizer que os promotores também, fazemos nosso trabalho com comprometimento. Porém, ainda que a gente se esforce para ser mais humanizado, não é a mesma coisa. Eu só tenho elogios a fazer à equipe, que foi muito preparada, atenciosa, acolhedora, e deixou evidente que esse é um trabalho necessário e imprescindível”, avaliou o magistrado.
O juiz João Lucas afirmou, ainda, que o depoimento colhido é de grande importância para a análise do processo. “Do ponto de vista do julgador, a gente infere que a vítima está à vontade e confortável naquele ambiente para falar sua versão, então se sente mais seguro para sentenciar”, concluiu.
Curso de capacitação – No mês de maio, 50 profissionais participaram do ‘I Curso de Coleta de Depoimento Especial de criança e adolescente no Sistema de Justiça’, que aconteceu na Escola Superior da Magistratura da Paraíba. Entre os participantes, estavam psicólogos, assistentes sociais e pedagogos que integram as equipes multidisciplinares das Comarcas de João Pessoa, Cabedelo, Bayeux, Santa Rita e Campina Grande; além de servidores dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos (Cejuscs), Ministério Público e Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). A formação teve o objetivo de capacitar os profissionais a conduzirem as entrevistas da melhor forma possível, visando evitar a revitimização da criança ou adolescente ouvido e dar celeridade ao julgamento dos processos relacionados.
Avaliação do precursor do Depoimento Especial sobre a Paraíba – Há cerca de 15 anos, a forma mais humanizada de ouvir crianças vítimas e testemunhas de crimes de violência surgiu no Estado do Rio Grande do Sul, em uma Vara da Infância e Juventude de Porto Alegre. O desembargador José Antônio Daltoé Cezar, atual presidente da Associação Brasileira dos Magistrados da Infância e da Juventude (Abraminj), que era juiz à época, foi pioneiro na implantação do Depoimento sem Dano.
O magistrado tomou conhecimento dos números alcançados pelo ‘Justiça Pra te Ouvir’ na Paraíba e considerou que são positivos. Sobre a atuação do Projeto atendendo a 56 comarcas, por parte da Coinju, comentou: “Essa foi uma prática importante”, e recomendou a expansão e atualização, inclusive com a instalação de salas fixas, como já se pretende no Judiciário paraibano.
“O Depoimento Especial tende a se apresentar como uma prática corriqueira não só na área criminal, como na área de família, infância, por exemplo. Juízes e servidores devem ser capacitados, entender que a forma de ouvir crianças e/ou adolescentes, vítimas ou testemunhas, mudou, sendo necessário que todas as instituições se adequem a essa nova prática. A adesão por parte dos magistrados é muito importante, eis que são eles os destinatários da prova judicial”, analisou.
Quanto ao Curso da Capacitação realizado, o desembargador também foi otimista, por ser fundamental para a ampliação e adequação do Projeto, no cumprimento da Lei nº 13.431/17. “É imprescindível. Sem a capacitação de todos os profissionais que atuam no Depoimento Especial, a ferramenta eletrônica ficará obsoleta. Todos têm que entender a lógica acadêmica do procedimento”, afirmou.
Fonte: TJPB