Artigo: A realidade inexorável do Processo Virtual

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Desembargador Raimundo Vales

Vários fatos recentes demonstram que o processo judicial virtual, base da chamada “justiça sem papel”, já é uma inexorável realidade no Brasil e não há mais fugir como dela.

O primeiro desses fatos é a existência de projeto de lei específico, já aprovado no Senado Federal e em fase de tramitação final da Câmara dos Deputados, com previsão de conclusão para logo após as eleições deste ano, mediante acordo de lideranças. Afinal, o projeto em questão, de autoria do executivo, também é fruto de iniciativas de entidades ligadas ao judiciário e à magistratura, e vem sendo aplaudido pelo conjunto dos operadores do direito, por sua pertinência e oportunidade como instrumento de combate à morosidade, problema-mor da justiça e será, quando lei, a base legal do processo virtual.

O segundo fato a apontar para a chegada do processo virtual foi a assunção da Ministra Ellen Gracie à Presidência do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional da Justiça, órgãos de cúpula do Poder Judiciário Brasileiro, e o público e institucional apoio que Sua Excelência deu e vem sistematicamente dando à idéia da virtualidade processual e ao projeto de lei em tramitação no Congresso Nacional. Cabe ao CNJ, como escrito na Constituição Federal, o planejamento estratégico do Poder Judiciário Nacional, papel que vem se esforçando para cumprir.

O terceiro dos fatos a chamar atenção para a virtualização como prioridade foi a criação, no âmbito do CNJ, da Comissão de Informatização do Judiciário e o desenvolvimento, sob seu patrocínio, de software em base livre para disponibilizar aos Tribunais mais atrasados tecnologicamente. Afinal, sem adequada ferramenta de processo eletrônico, impossível cogitar-se em virtualidade, pois aquele é a base dessa. O CNJ, além disso, dispôs-se a dar suporte técnico aos Tribunais, no que necessário ou cabível, acenando inclusive para apoio também em equipamentos de hardware.

O fato a seguir – o quarto – também chama a atenção para o processo virtual. O Tribunal de Justiça de Goiás, com o apoio do Colégio Permanente de Presidentes de Tribunais de Justiça do Brasil e do Conselho Nacional de Justiça, promoveu em Goiânia, nos dias 14 e 15 de setembro, encontro com os Tribunais de Justiça estaduais para discutir o processo judicial eletrônico, base da virtualidade, como já afirmado. Alguns sistemas em operação nos estados foram apresentados, inclusive o Tucujuris Processo Judicial Eletrônico, do Amapá, que teve enorme repercussão e grande receptividade.

Aproveitou o CNJ o mesmo encontro de Goiânia para apresentar aos Tribunais Estaduais o software de processo eletrônico que desenvolveu, também sistema livre, entregando aos interessados em instalá-lo, ainda que de forma experimental, os respectivos códigos fontes. A iniciativa foi recebida com vivo interesse, a demonstrar que o meio judiciário já se conscientizou de que o processo eletrônico-virtual já chegou e que isso é realmente para valer, sem possibilidade de volta. O software do CNJ, nesse contexto, será utilíssimo aos Tribunais mais atrasados tecnologicamente – a grande maioria.

No próximo dia 3 de outubro, em Brasília, na sede do CNJ, sob patrocínio desse, em continuidade ao evento de Goiânia, realiza-se encontro técnico entre o pessoal de informática dos Tribunais Estaduais e a equipe de desenvolvedores do software disponibilizado a todos. A oportunidade será de críticas e sugestões ao sistema do CNJ, especialmente sua adaptabilidade e integração aos já que operam em alguns Tribunais, como o Tucujuris, do Amapá, cujo corpo técnico também se fará presente a referido encontro.

Também aponta para irreversibilidade do processo virtual, um quinto fato: a realização, em Brasília (DF), nos dias 18 e 19 de setembro, do CONIP JUDICIÁRIO. O importantíssimo evento, patrocinado pelo Supremo Tribunal Federal, Conselho Nacional de Justiça e Tribunal Superior do Trabalho teve a inovação tecnológica e integração do Poder Judiciário como tema central. Em relevantes painéis, presentes todos os Tribunais do País, debateu-se o processo eletrônico-virtual, a certificação digital, a interligação-integração de sistemas-bases e os portais do judiciário.

Um sexto fato também merece ser apontado como fator de irreversibilidade do processo eletrônico-virtual: o estrondoso sucesso das Varas Virtuais já instaladas e funcionando em alguns Tribunais. Embora ainda restritas aos Juizados Especiais (Federais e Estaduais), as experiências em curso demonstram que a virtualização, além de viável e factível é primordial fator de eficiência e produtividade. Os números das Varas Virtuais são exuberantes: num mesmo espaço de tempo produzem dez vezes mais do que as convencionais, com custo várias vezes menor. Contra fatos desta natureza não há argumentos.

Um último fato, o sétimo – esse interno à Justiça do Amapá -, mostra a irreversibilidade do processo eletrônico e virtual. É a realidade da existência e operacionalidade do sistema Tucujuris Processo Judicial Eletrônico no Estado, já instalado em todas as comarcas do estado. O judiciário amapaense já convive hoje com sistema híbrido de processo judicial: a gestão dos processos já é eletrônica, e a parte pertinente às Secretarias dos Juízos (despachos, andamentos, certidões, decisões, sentenças etc.), totalmente virtual, mas esses atos ainda são impressos e juntados aos autos de papel. O próximo passo será digitalizar as peças e documentos produzidos pelos terceiros (advogados, defensores, promotores etc.) fora das Secretarias e a eliminação total do papel.

O Tucujuris – Processo Judicial Eletrônico é um software de automação da gestão processual desenvolvido pela equipe de informática do Tribunal de Justiça do Estado Amapá, com apoio de sua Comissão de Informatização de 1º Grau. Interativo, baseia-se em ritos e procedimentos processuais, aos quais se vinculam certidões, formulários e documentos específicos ou gerais. Software integralmente livre, o Tucujuris é um sistema servidor de rede interna (intranet) e deverá brevemente migrar para a linguagem Java, de modo a poder operar em ambiente web (internet), padrão da virtualização.

A sistematização do processo judicial virtual e a conseqüente instituição da “justiça sem papel” constitui-se, sem sobra de dúvidas, a mais inovadora e revolucionária mudança vivida pela justiça brasileira neste século. Implicará, pelas profundas transformações que enseja, em verdadeira reinvenção do processo, com a conseqüente readequação ou readaptação do papel de todos os seus operadores (advogados, defensores, procuradores, servidores e juízes).

A inovação está em que a tecnologia da informação (leia-se informática, ciência da computação, mídia global, comunicação digital etc.) passa a ocupar posição central no processo judicial, pelo menos enquanto método ou insumo de produção e serviço, dada a ausência do papel como meio físico de registro da informação e da documentação. Os elementos de prova, por exemplo, subsistirão no “caderno virtual” apenas como marcas digitais do que realmente são em concreto, e nesse modo não mais residirão dentro do processo, mas exclusivamente fora dele.

A adoção do processo judicial virtual é medida revolucionária porque rompe com paradigmas sacramentais do direito processual brasileiro; obcecado pela chamada segurança jurídica, é ele profundamente apegado a ritos e formas, todos eles pensados para assegurá-la. Na linha cultural do “o que não está nos autos não está no mundo”, não será fácil convencer os vários operadores do direito, formais por tradição e formação, de sua viabilidade e segurança. Sem alternativa, teremos todos de nos enquadrar. Quem não o fizer será atropelado.


Artigo publicado em 17 de novembro de 2006.