As propostas em discussão no Executivo e no Congresso Nacional sempre afetam a vida do cidadão, mas o impacto é ainda maior quando atingem a vida de muita gente. É o caso das normas que tratam dos temas de competência dos Juizados Especiais e o seu sistema de funcionamento. A discussão sobre o alcance dessas regras ganha evidência no momento em que se comemora os 20 anos da Lei nº 9.099, de 1995, que abriu as portas do Judiciário para expressiva parcela da população brasileira.
De acordo com o ex-presidente do Fórum Nacional de Juizados Especiais (Fonaje), Mario Kono de Oliveira, os principais entraves para leis de qualidade são interesses em jogo, desconhecimento do sistema dos juizados e falta do ponto de vista dos que atuam no sistema. “Tramitam diversos projetos de lei diretamente ligados aos Juizados Especiais, alguns com novidades excelentes e outros com pensamentos retrógados que causariam grande prejuízo a este tipo de Justiça”, avalia.
A Comissão Legislativa do Fonaje fez um levantamento com os 32 projetos que mais afetam o sistema, sendo os mais antigos de 1997. Em geral, eles buscam ampliar a competência dos juizados. De acordo com o presidente da comissão e ex-conselheiro do CNJ, Ricardo Chimenti, merece atenção o Projeto de Lei nº 5.741/2013, que pretende instituir uma nova instância nos juizados estaduais com a criação da Turma Nacional de Uniformização – atualmente, a TNU existe apenas no âmbito federal.
De acordo com a nota técnica da comissão, o projeto preocupa, “pois impõe atrasos processuais e em nada contribui para a segurança jurídica”. O Fonaje argumenta que os juizados teriam “complexidade recursal superior à da Justiça tradicional”, submetendo causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo a cinco degraus de jurisdição.
Panaceia – O atual presidente do Fonaje, Gabriel Gastal, informa que a questão já foi levada à corregedora nacional de Justiça, Nancy Andrighi. “O que se espera é que não se mexa no que está funcionando. Existe no Congresso Nacional mais de 100 projetos de lei alterando competências. Se o juizado for eleito como panaceia para todos os males, ele vai trancar, a Justiça vai parar”, aponta Gastal.
Outro ponto sensível para os juizados, especialmente os que lidam com questões estatais, é a alteração pontual de políticas públicas. Integrante da TNU, o juiz João Lazzari cita como exemplo a minirreforma previdenciária que mudou regras para concessão da pensão por morte e do auxílio-doença no fim de 2014. “Esse tipo de mudança provoca avalanche ainda maior de ações, pois é trazida por medida provisória e as regras são questionáveis no aspecto jurídico”, explica.
A aplicação de leis do processo civil nos juizados é outro tema que preocupa os magistrados. “As leis dos juizados preveem alguns atos processuais, mas não um procedimento completo. Por isso, alguns juízes se utilizam de regras dos Códigos de Processo, algumas vezes indevidamente”, analisa o conselheiro do CNJ Guilherme Calmon. Também causa polêmica o possível cruzamento de competências entre juizados e o sistema da Justiça comum.
Padrão – Embora receie o engessamento do sistema devido ao aumento da demanda – e também por a maioria dos projetos de lei pretender a elevação de competências dos juizados especiais –, o juiz Mário Kono de Oliveira acredita que os gestores do Judiciário vão canalizar melhor os recursos, inclusive com supressão de varas e criação de novos juizados. “Acredito que, se seguir um desenvolvimento racional, em um futuro próximo o rito principal a ser seguido será o adotado hoje pelos juizados, ficando o complexo e burocrático rito ordinário para atender aqueles casos que realmente demandem complexidade”, analisa.
Débora Zampier
Agência CNJ de Notícias