“Se o Juiz pensa como eu e decide de acordo com os meus interesses ele é um ótimo Juiz, merecedor de respeito, mas se o Juiz toma uma decisão que eu considero errada e que contraria os meus interesses ele é um péssimo Juiz, corrupto e ignorante, merecedor de todos os xingamentos e mesmo de agressão física”. Essa frase pode não ter sido dita textualmente por alguém, mas, lamentavelmente, reflete uma atitude muito freqüente na sociedade brasileira de hoje. Na prática, já houve vários casos de agressões físicas a Juízes e, com grande freqüência, agressões verbais, absolutamente grosseiras e primárias, a Juízes de todos os graus, inclusive Ministros do Supremo Tribunal Federal.
Essa mentalidade veio à tona e foi sendo revelada à medida em que, à semelhança do que ocorreu em muitos outros países, os magistrados brasileiros deixaram de ser estritamente legalistas formais, aplicadores passivos da lei escrita, ou simplesmente “a boca da lei”, segundo uma expressão francesa do início do século dezoito, que refletia as limitações impostas aos Juízes, que deveriam ater-se ao legalismo formal sem nenhuma veleidade de considerar os valores e princípios inerentes ao compromisso com a Justiça. Os juízes passaram a ser mais agredidos a partir da vigência da Constituição de 1988, quando, a par da afirmação do Direito e da Justiça como valores fundamentais da sociedade brasileira deu-se à magistratura um papel ativo na guarda e na implementação dos direitos civis e políticos, econômicos, sociais e culturais consagrados na Constituição. Isso está bem sintetizado no artigo 102 da Constituição, que estabelece como “função precípua” do Supremo Tribunal Federal a guarda da Constituição.
Esse tratamento constitucional do Direito e da Justiça foi complementado por uma série de dispositivos que vêm contribuindo para dar efetividade aos direitos proclamados na Constituição, inclusive possibilitando às pessoas das camadas mais humildes da população de irem ao Judiciário para reclamar a defesa, proteção e implementação de seus direitos constitucionalmente assegurados. Isso, especialmente, foi recebido com grande contrariedade, podendo-se dizer, como revelam os fatos, foi recebido até mesmo com ódio por muitas pessoas das camadas tradicionalmente privilegiadas, que consideram um atrevimento das pessoas mais pobres, e um erro imperdoável dos magistrados de todos os níveis, o reconhecimento e a proteção desses direitos.
Há poucos dias os jornais deram notícia da agressão física a uma Juíza, corajosa e serena cumpridora de seus deveres de magistrada, por um indivíduo inconformado pela proteção dada aos direitos de sua esposa, que ele costumava agredir covardemente, considerando-se no direito de assim proceder por sua condição de homem bem dotado economicamente. Várias vezes foi noticiada a agressão verbal a Ministros do Supremo Tribunal Federal e a seus familiares em locais públicos, como restaurantes e estabelecimentos comerciais ou de recreação. Essas agressões, que têm sido freqüentes em Brasília, são as expressões do ódio, da intolerância e do inconformismo de pessoas sem nenhum preparo para a convivência civilizada, numa demonstração do baixíssimo nível intelectual e de civilidade de uma parte das camadas mais ricas da população.
Essas violências contra os magistrados, incompatíveis com os princípios constitucionais e, especialmente, com a proclamação do Brasil como sociedade livre e democrática, são agressões aos direitos fundamentais da pessoa humana, proclamados em documentos internacionais, inclusive tratados a que o Brasil aderiu. A par disso, contribuem, inevitavelmente, para o desprestígio do Brasil e para a imagem da sociedade brasileira como desenvolvida, democrática e justa. É necessário, portanto, que todos os que desejam a preservação da boa imagem brasileira e, mais do que isso, aqueles que são dotados de consciência cívica e aspiram por uma convivência democrática e justa condenem com veemência as agressões aos magistrados e apóiem a punição dos agressores, para que o Brasil seja, efetivamente, um Estado Democrático de Direito, como proclama a nossa Constituição.
Dalmo de Abreu Dallari, 84, jurista, é professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
Artigo publicado em 13 de abril de 2016, no Jornal do Brasil.