Atuação de tribunais no combate à crise penal permanente é discutida em evento

Você está visualizando atualmente Atuação de tribunais no combate à crise penal permanente é discutida em evento
xxxxxxxxxx
Compartilhe

O impacto que pode ser fomentado via Judiciário para o enfrentamento da crise permanente do sistema penal e socioeducativo do país é o tema do II Encontro Nacional dos GMFs, evento promovido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) nesta quinta e sexta-feira (26 e 27/9) em Brasília. Magistrados e servidores dos Grupos de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário (GMFs) discutem as potencialidades de intervenções a partir do programa Justiça Presente, parceria entre o CNJ, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e o Ministério da Justiça e Segurança Pública para enfrentar problemas estruturais no sistema penal e socioeducativo.

Os GMFs são ligados aos tribunais de Justiça e têm a responsabilidade de implementar as políticas penais judiciárias difundidas pelo Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas do CNJ (DMF/CNJ). Durante a abertura do evento na noite desta quinta-feira (26/9), o corregedor nacional de Justiça, ministro Humberto Martins, afirmou que o Judiciário não pode ser partícipe de um sistema com condições degradantes de cumprimento da pena, além da carência de ofertas de educação e trabalho. “Ao reconhecer esse quadro, a gestão do ministro Dias Toffoli estabeleceu um conjunto de ações para a área, que ganha contornos de política judiciária ao prever a articulação de diversos órgãos e instituições para o real enfrentamento da questão prisional”, destacou.

Iniciado pelo CNJ em janeiro deste ano, o programa Justiça Presente busca atacar os problemas estruturais do sistema prisional e socioeducativo de forma simultânea, desenvolvendo soluções adaptadas à realidade de cada unidade da federação e reforçando o protagonismo dos atores locais para o sucesso das iniciativas. Após missões de apresentação em todo o país entre março e junho para início das atividades locais, o Encontro Nacional dos GMFs reúne representantes dos tribunais e integrantes da equipe do programa para discutirem desafios comuns para resultados de curto e médio prazo, assim como a pactuação de novas atividades.

Secretário-geral do CNJ, o desembargador Carlos Vieira von Adamek propôs uma reflexão sobre a atuação da magistratura em uma lógica punitivista, lembrando que a maioria das pessoas encarceradas cometeram crimes sem violência. “Quando se compreende a complexidade do problema e as realidades locais, percebe-se que soluções simples são enganosas”, disse. “O Justiça Presente enfrenta o problema em toda sua complexidade, da porta de entrada à de saída, trazendo modernidade e dignidade ao sistema. Tenho confiança que, juntos, podemos oferecer respostas que o país exige há tanto tempo”, disse.

O defensor público-geral federal, Gabriel Faria Oliveira, disse ser importante avançar na melhoria do sistema com comunhão de trabalho de atores, opinião reforçada pelo diretor-geral do Departamento Penitenciário Nacional, Fabiano Bordignon. “Precisamos de todos juntos para melhorar o nível e qualidade de nossa execução penal”, disse. O diretor do Depen propôs um olhar além do disciplinar, com a abordagem de temas como alternativas penais, monitoração eletrônica, superlotação e ociosidade das pessoas privadas de liberdade.

Representante residente adjunto do PNUD no Brasil, Carlos Arboleda afirmou que o Justiça Presente é estratégico para o desenvolvimento do país, com grande potencial de transformação. “A reintegração de egressos pode ser a chave para a construção de uma sociedade mais justa e pacífica”, disse. O coordenador da Unidade de Estado de Direito do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), Nívio Nascimento, abordou a qualificação das audiências de custódia realizado pelo órgão junto ao Justiça Presente. “É a primeira vez que vejo um programa ser integral, trazendo todos os elos da justiça penal para tentar reverter um grave quadro”, afirmou.

Atividades

A programação incluiu diálogos internos entre os representantes dos GMFs, as coordenações estaduais e as equipes nacionais do Justiça Presente e do DMF/CNJ para o refinamento de estratégias. Também foi apresentado um histórico dos GMFs e um raio x sobre a atual configuração dos grupos em todo o país, com variações ainda sentidas de tribunal a tribunal quatro anos após a resolução que regulamentou o funcionamento dos GMFs (214/2015). “O maior desafio é como transformar a boa vontade de pessoas e gestões em uma política judiciária institucionalizada, que atenda ao interesse público de forma continuada e com base em evidências”, analisou o coordenador do DMF/CNJ, Luís Lanfredi.

Para o juiz auxiliar do DMF Carlos Gustavo Direito, é fundamental o trabalho articulado entre o DMF e os GMFs. “É impossível que o DMF conheça todas as necessidades e problemas vividos nos GMFs locais e dar soluções ao sistema penal e socioeducativo, especialmente em um país de dimensões continentais. As palavras-chave devem ser colaboração e construção conjunta, e isso tem sido elemento de sucesso do programa Justiça Presente até agora”, disse.

Também fez parte da programação a conferência Punição, Estigmatização e Subjetividades, apresentada pelo psicólogo professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e ex-integrante da Polícia Militar do Rio de Janeiro, Pedro Paulo Bicalho. Ao destacar a seletividade penal, ele lembrou que a punição não nos atinge da mesma forma considerando marcadores como gênero, identidade e raça. “Falar em subjetividade não é de algo etéreo, é muito concreto. Sua concretude serve para nos estigmatizar e está presente e palpável quando analisamos o sistema prisional e o socioeducativo”, afirmou.

O especialista propôs, então, que o reconhecimento entre todas as partes é fundamental para o enfrentamento deste quadro. “Isso só é possível quando entendemos que cumplicidade é estruturante no tipo de intervenção que queremos pensar. Mudar as lógicas, enfrentar, ousar, fazer diferença.”

 

Iuri Torres
Agência CNJ de Notícias