A Escola Paulista da Magistratura (EPM) realizou, na última semana, curso Comunidade de Informações e o Combate ao Crime Organizado e ao Terrorismo Urbano. Oferecido presencialmente e a distância, o curso teve a participação de magistrados, promotores de Justiça, advogados, integrantes das Forças Armadas, policiais, servidores do Judiciário e outros profissionais e foi coordenado pelos desembargadores José Damião Pinheiro Machado Cogan e Marco Antonio Marques da Silva, responsáveis pela área de Direito Processual Penal e Direito Penal da EPM.
De acordo com o desembargador José Damião Pinheiro Machado Cogan, o curso foi ministrado em razão da atualidade do tema: “Diante dos problemas que estamos vivendo, surgem dúvidas sobre a atuação da inteligência de cada um dos órgãos relacionados à segurança e todos terão a oportunidade de apresentar sua visão no curso”.
Na abertura do evento, o desembargador Marco Antonio Marques da Silva ressaltou a necessidade de se atentar não apenas para o que acontece em determinado local, mas em todo o mundo: “Precisamos, cada vez mais, trocar ideias e informações e o desembargador Damião Cogan sempre teve essa visão de vanguarda de ouvir e debater com especialistas das diferentes áreas”.
Panorama – Iniciando as exposições, o coronel Rubens Alberto Rodrigues Januário, oficial da inteligência do Comando Militar do Sudeste, discorreu sobre a atuação do Exército no combate ao crime organizado. Ele apresentou um panorama histórico e explicou as razões de ascensão das principais organizações criminosas no Brasil. Por fim, destacou a preocupação e as medidas adotadas pelo Exército para evitar a infiltração de integrantes dessas organizações. “Para isso, é fundamental a cooperação com os órgãos de segurança pública, a avaliação sobre a necessidade de emprego de tropas, como ocorreu no Rio de Janeiro, e o foco no trabalho de inteligência”, concluiu.
Na sequência, o delegado regional de investigação e combate ao crime organizado em São Paulo, Marcelo Vieira Godoy, explicou os instrumentos e estratégias utilizados pela Polícia Federal. Entre elas, apontou a cooperação internacional (judiciária, jurídica direta ou administrativa e a policial, por meio da Interpol), citando, ainda, a importância da capacitação dos policiais, do fortalecimento das corregedorias, do aumento de pessoal de tecnologia e do estabelecimento de acordos de cooperação: “Somente com a integração das diferentes forças de atuação policial e de persecução penal nacionais e internacionais será possível o efetivo combate da criminalidade organizada moderna”.
A visão do Ministério Público foi apresentada pelo promotor de Justiça Fábio Ramazzini Bechara, secretário executivo do GAECO, que falou sobre os principais desafios e estratégias utilizadas. Ele ressaltou a necessidade de se buscar a desarticulação das organizações criminosas, principalmente no campo econômico-financeiro, para retirar-lhes a capacidade de cooptação. Destacou, também, a importância de um trabalho integrado dos diferentes órgãos do Estado, mas sem o distanciamento atual: “É preciso ir além do discurso e criar a cultura de trabalhar no mesmo ambiente físico, como é feito em outros países. Para isso, é preciso adotar uma relação horizontalizada e, principalmente, enfocar o comprometimento com a causa, deixando rivalidades de lado e passando a ver no outro a solução do problema”, concluiu.
Estratégias – No segundo dia do curso, o delegado de Polícia Civil do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) Márcio Martins Mathias falou sobre “Organizações Criminais: Estratégias de Combate. Visão da Polícia Civil”. Ele explicou algumas características comuns às organizações criminosas, tais como forma hierarquizada de comando, objetivo de lucro, uso de meios tecnológicos avançados, recrutamento de pessoas e conexão estrutural com o Poder Público ou o poder político. Os segmentos em que elas atuam são variados e lucrativos: tráfico de armas e drogas, roubo a bancos, sequestros, etc. “A maioria delas, em dado momento, tem contato com o tráfico de drogas, que faz com que o dinheiro gire na organização e sustenta suas práticas no decorrer do tempo”, afirmou.
Mathias ressaltou que a Polícia Civil paulista tem investido no combate ao tráfico de entorpecentes, aprimoramento do serviço de inteligência e treinamento de pessoal. Citou, ainda, alguns sistemas informatizados de interceptação telefônica e localização de ligações, como o Sistema Guardião e o Sistema Vigia. “De qualquer forma, precisamos de medidas mais eficazes para sufocar financeiramente as organizações criminosas e da colaboração dos demais órgãos de segurança. A ação integrada é importante.”
O tenente coronel PM Nelson Celegatto, chefe do Departamento de Inteligência da Polícia Militar de São Paulo, falou a respeito das estratégias da corporação no combate ao crime organizado. Como toda organização militar, a PM tem forte atuação na área operacional, incluindo o policiamento preventivo e a repressão imediata de crimes e desordens. Contudo, a atuação da área de inteligência é fundamental no enfrentamento de organizações criminosas. “A ação contra a criminalidade organizada passa pela realização de operações de inteligência e operações ostensivas, tais como o combate ao tráfico de drogas e de armas nas estradas e divisas do Estado, assim como operações específicas de ocupação de terreno e sufocação de ações ilícitas”, declarou. Ele ainda citou alguns instrumentos de monitoramento, como o Fotocrim, que é uma base informatizada de fotografias digitais.
“É necessário combater o crime no atacado. Para isso, é preciso o emprego contínuo da inteligência, tolerância zero com o delito, envolvimento de todos os órgãos responsáveis pela fiscalização e trabalhar cada vez mais na prevenção da infração, sem perder a repressão de vista”, completou.
Projeto de lei – Em seguida, o desembargador José Damião Pinheiro Machado Cogan, responsável por conduzir os trabalhos, iniciou os debates entre os convidados. Para ele, o projeto de lei 6.578/09, que define o crime organizado, acaba não trazendo consequências práticas para o seu combate. Ele sugeriu algumas medidas de aplicação em curto prazo – obviamente exequíveis dentro dos limites previstos no ordenamento jurídico –, como o monitoramento tanto de parentes de presos ou suspeitos de envolvimento em crimes quanto o de correspondências manipuladas por detentos, e propôs ao Ministério Público ação civil pública propondo a instalação de bloqueadores de sinal de celular em presídios.
Segundo o promotor de Justiça José Eduardo de Souza Pimentel, da Coordenadoria de Inteligência do Ministério Público de São Paulo e que representou o procurador-geral de Justiça, a instituição tem a percepção de que o processo penal atual não atende a contento a investigação e o combate ao crime organizado. Para ele, Estado, polícia e Ministério Público devem levar ao Judiciário novas formas de monitoramento. “É preciso mudar a percepção do processo, mudar o foco do processo penal”, afirmou.
O ex-delegado-geral da Polícia Civil paulista Marcos Carneiro Lima disse que a grande dimensão territorial do Estado de São Paulo, comparável à de um país, é um facilitador à atuação do crime organizado, pois ele surge onde o Estado não está presente. Ressaltou que o enfrentamento da questão passa, necessariamente, pelas vias legais. “Pela lei é que deve vir a mudança.”
“Partir para o confronto é a opção?”, indagou o chefe de gabinete do comandante-geral da Polícia Militar, tenente coronel PM José Luiz Sanches Valentin. Para ele, o aperfeiçoamento do arcabouço jurídico, o investimento no quadro policial – inclusive no tocante à remuneração – e o uso do aparato de inteligência, quando utilizados de forma integrada, conduzem a ações realmente eficazes de combate ao crime organizado.
Complexidades – De acordo com o superintendente da Polícia Federal em São Paulo, Roberto Ciciliati Troncon Filho, o problema é complexo. “O tratamento da questão passa por investimento público em saúde e educação, pela blindagem da juventude”, disse o delegado, que também comentou a respeito de acordo de cooperação firmado em novembro entre a União e o governo paulista, que prevê, entre outros pontos, a transferência de presos perigosos a penitenciárias federais e a participação do serviço de inteligência da PF na investigação de crimes praticados por grupos organizados.
O comandante militar do Sudeste, general de Exército Adhemar da Costa Machado Filho, encerrou os debates. Ele ressaltou que, ainda que a Força não seja uma especialista no combate ao crime, está à disposição para colaborar quando preciso. “Como em toda missão militar, o Exército age de forma delimitada quanto à tarefa, ao local de atuação e ao prazo da ação. São princípios observados em ações de combate ao crime nas ruas.” O general entregou aos presentes ao evento cópia do diagrama Ishikawa (também conhecido como diagrama de causa e efeito ou diagrama espinha-de-peixe), um instrumento gráfico para o controle de qualidade nas organizações, como forma de ilustrar o posicionamento das Forças Armadas no tocante à segurança pública.
Compareceram ao curso também o ex-diretor da Escola Paulista da Magistratura desembargador Rubens Rihl; o desembargador Ronaldo Sérgio Moreira da Silva; o deputado estadual Major Olímpio; a juíza da Vara do Foro Central de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, Elaine Cristina Monteiro Cavalcante; magistrados; integrantes do Ministério Públicos; policiais; militares; advogados e servidores.
Do TJSP