As questões referentes ao meio ambiente estão no foco do Judiciário em todo o mundo. Com ações que vão desde o treinamento de juízes e juízas em relação ao direito ambiental até o uso de ferramentas tecnológicas que mapeiam áreas protegidas e o avanço do desmatamento, os tribunais têm se especializado para garantir o cumprimento da legislação. Nesta terça-feira (21/6), algumas dessas experiências foram detalhadas no 2º Webinário “O Estado de Direito Ambiental”, promovido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e pelo Fórum Europeu de Juízes para o Meio Ambiente (EUFJE).
Segundo os participantes, as leis ambientais são diferentes em cada país, mas a ciência e a necessidade de proteção são universais. O presidente do CNJ, ministro Luiz Fux, destacou que a Constituição brasileira estabelece que todos têm direito ao ambiente ecologicamente equilibrado, de uso comum do povo e essencial à qualidade de vida saudável, impondo ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as gerações presentes e futuras. “Entendemos que, para lidar sistematicamente com problemas de tamanha complexidade, como são os conflitos jurídicos ambientais, é preciso evoluir para um novo modo de se pensar e de se fazer Justiça, com o apoio de novas tecnologias e a ação articulada entre órgãos públicos, sempre respeitados os limites de suas competências.”
Fux apresentou as ações desenvolvidas pelo CNJ nessa temática, como a criação do Observatório do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas do Poder Judiciário, que recentemente definiu um grupo de trabalho para acompanhar os desdobramentos do caso do assassinato do indigenista Bruno Araújo e do jornalista inglês Dom Phillips, mortos no Vale do Javari, na região Amazônica. “Essa região de 85 mil quilômetros quadrados é um dos maiores territórios indígenas do Brasil, com registro de 17 povos isolados, e tem apresentado uma série de denúncias relativas a conflitos violentos, grilagem de terras públicas, mineração, pesca ilegal e outros crimes ambientais.”
Para Keith Lindblom, vice-presidente da EUFJE, a cooperação judicial em matéria ambiental contribui para o enfrentamento dos desafios globais. Lembrou que os políticos e os responsáveis por desenvolver as políticas públicas devem se atentar para o acesso igualitário ao meio ambiente. “Precisamos defender o Direito de Estado Ambiental, especialmente para esse período de declínio econômico global que devemos enfrentar”, afirmou, alegando que, mesmo que os efeitos da pandemia da covid-19 estejam diminuindo em todo o mundo, os juízes devem lembrar as lições aprendidas nesse período, como o uso da tecnologia, que “ajuda a continuar a fazer Justiça e dar acesso a ela”.
O ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Herman Benjamin destacou a importância da magistratura na implementação das leis ambientais. Para ele, é preciso que as normas do Estado de Direito Ambiental sejam fielmente aplicadas, “na perspectiva de uma ética ampliada que leva à proteção ambiental e também a vida, a segurança e a integridade das pessoas que protegem o meio ambiente”.
Experiências mundiais
Representante da Corte Criminal de Segovia, na Espanha, e membro do EUFJE, Faustino Gudin disse que o meio ambiente é uma questão de direitos humanos. Ele analisou a questão do garimpo e desmatamento ilegal na Floresta Amazônica no território do Peru e chamou a atenção para a necessidade do combate à corrupção também, uma vez que 8% da madeira exportada por aquele país é de origem ilegal e os governos que adquirem o produto não levam isso em consideração.
“Isso é perigoso porque todas as cadeias de distribuição estão envolvidas na corrupção, que fecha os olhos para o desmatamento ilegal e a contaminação ambiental dos garimpos na Amazônia peruana”, afirmou Gudin. Ele apontou ainda que 50% da contaminação de carbono no mundo ocorre por causa do desmatamento, que já chega a 40% na Amazônia. “O meio ambiente é internacional e o aquecimento global é fruto disso.”
Justine Thornton, juíza da Suprema Corte Inglesa, também defendeu que os direitos humanos são o foco para a mitigação climática no mundo. A magistrada explicou que os países europeus estão desenvolvendo planos para abordar a mudança climática. Na Holanda, por exemplo, a Suprema Corte definiu que deveria haver uma redução de 25% na emissão de gases poluentes. Justine também destacou que estão aumentando os litígios contra corporações e como a opinião pública tem tido um papel relevante nesses processos. Na Bélgica, mais de 60 mil cidadãos entraram em um processo sobre questões climáticas, por exemplo.
“O clima é o maior desafio de nossa época. Os juízes precisam responder a essas questões sem abandonar os princípios jurídicos, e levando em conta a opinião pública. É preciso entender a ciência e respeitar o limite entre o Estado de Direito e a política”, defendeu Justine Thornton.
Na Europa, há uma tendência de ampliar o networking entre juízes para o treinamento em direito ambiental, além de utilizar os conhecimentos técnicos de cientistas e especialistas nas cortes, para subsidiar as decisões dos magistrados. Segundo o presidente do Fórum Europeu de Juízes, Luc Lavrysen, um levantamento realizado pela instituição mostrou aumento dos litígios civis, especialmente como efeito da pandemia do novo coronavírus. Um processo semelhante é utilizado no Brasil, na área de saúde, com os pareceres técnicos dos NatJus, que são produzidos por médicos e especialistas.
Já na África, nota-se uma estabilidade ou redução no número de processos ambientais em alguns países e um aumento no número de tribunais e câmaras especializadas – com destaque para o Kenya – o que também foi observado na Europa. O relatório completo da EUFJE será lançado na próxima quinta-feira (24/6), em Nairobi.
Nas questões referentes ao fornecimento de energia, o juiz Ian Dove, da Suprema Corte da Inglaterra e País de Gales, afirmou que os desafios envolvem a criação de estabelecimentos ambientais de produção de energia sustentável. No Reino Unido, os projetos de infraestrutura são desenvolvidos com diferentes tipos de tecnologia, mas as fontes de energia são polêmicas e têm interface com a mudança climática. Esses projetos, para serem aprovados, passam por consulta pública e pela análise do Legislativo.
No Brasil, por sua vez, há um investimento em tecnologia para mapear as áreas protegidas – o Sirenejud, desenvolvido pelo CNJ e pelo Conselho Nacional do Ministério Público –, por meio de imagens de satélite e dados de órgãos parceiros como o Ibama. O ministro Fux destacou que a plataforma digital é um painel interativo, que fornece um painel de business intelligence e mapa geoespacial, que organiza imagens fornecidas por satélites públicos com a intenção de medir áreas florestais em uma determinada série temporal, proporcionando uma maneira concreta de comparar as condições antes e depois do dano. A ferramenta permite investigar crimes ambientais, sem precisar enviar um especialista ao local para avaliar os danos.
De acordo com o secretário especial de Programas, Pesquisas e Gestão Estratégica do CNJ, Marcus Lívio Gomes, a plataforma permite aos juízes verificar se as decisões estão sendo cumpridas. “Identificamos quase um milhão de casos ambientais desde 2015. Dado o volume de processos, estamos desenvolvendo um algoritmo de inteligência artificial para ajudar na análise e acompanhamento das ações.”
Para otimizar as ferramentas, também passarão a utilizar a Plataforma Codex, que é mais avançada. Além disso, o CNJ está fazendo parceria com as universidades para trabalhar a tecnologia e analisando a leitura das imagens de satélites para verificar se podem ser utilizadas como evidência digital.
Texto: Lenir Camimura
Edição: Thaís Cieglinski
Agência CNJ de Notícias
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