Desde quando foi criada, em 2006, a Lei Maria da Penha (n. 11.340) conseguiu ser reconhecida pela maioria dos brasileiros como importante instrumento de punição aos homens que agem com violência contra as companheiras. No entanto, a lei também prevê programas que visam à reabilitação e reeducação do agressor. Cursos, palestras e programas de acompanhamento psicopedagógico fazem parte da rotina dos enquadrados na lei, que garantiu conquistas importantes às vítimas de agressão doméstica.
A formulação de políticas públicas que tenham como alvo os homens autores de violência ainda é rara e pouco conhecida, e, na avaliação da conselheira Ana Maria Amarante, coordenadora do Movimento Permanente de Combate à Violência Doméstica e Familiar do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), é preciso que este caminho seja ampliado o quanto antes.
“Se visamos à redução da violência, precisamos focar no autor dessa violência. Fazer o homem mudar de comportamento, ensiná-lo a lidar com sua raiva, ciúme. É preciso reeducar o agressor, promover a cultura do diálogo, da paz na família”, defende a conselheira. Atualmente, há 490 homens em acompanhamento. Mas o número de casos de agressão, infelizmente, é muito mais alto. Como exemplo, foram contabilizados pelo governo do Distrito Federal, até junho deste ano, 6.938 casos de violência doméstica.
Os casos considerados mais urgentes, identificados e encaminhados pela Justiça ou Ministério Público, são atendidos com prioridade. Em sua maioria, os homens que frequentam os cursos foram processados por violência psicológica (injúria, difamação), ameaça ou lesão corporal leve.
No Distrito Federal, mais de 7 mil homens já foram atendidos pelo Núcleos de Atendimento à Família e aos Autores de Violência Doméstica, desde que foi criada a primeira unidade, em 2003. A meta do trabalho dos psicólogos, pedagogos e assistentes sociais que trabalham com os homens agressores encaminhados ao programa é provocar a responsabilização de seus atos.
“Eles chegam aqui atribuindo a causa da violência à mulher, à bebida ou qualquer outra pessoa. Quase nunca percebem sua parte”, afirma a psicóloga Maísa Guimarães, coordenadora dos Núcleos. As palestras a que eles são obrigados a assistir também tratam de revelar a raiz da violência.
“No Brasil, o motivador da agressão contra a mulher é cultural, nasce do machismo”, explica. “Por isso insistimos em trabalhar essas questões com eles. Não é um trabalho terapêutico, é social. É preciso combater a cultura da violência do mais forte, de um homem que se considera superior, dono”, reforça.
Ceará – Com o objetivo de proporcionar a oportunidade de reflexão sobre as consequências da violência cometida e diminuir a reincidência criminal, a Vara de Execução de Penas Alternativas e Habeas Corpus de Fortaleza oferece oficinas educativas para os autores de violência contra a mulher.
Após cumprirem as penas, os autores da violência participam das oficinas por um ano, condição determinada por meio de uma medida cautelar da Justiça, para que possam refletir sobre os seus atos. Desde 2012, cerca de 200 egressos já passaram pelos grupos e, atualmente, 45 fazem parte das oficinas que ocorrem semanalmente e têm a sua situação informada ao Juizado da Mulher de Fortaleza todos os meses.
De acordo com a juíza Graça Quental, titular da Vara de Execução de Penas Alternativas de Fortaleza, nenhum episódio de violência ocorreu desde o início dos grupos, a despeito da inexistência de policiais no local e da quase totalidade dos profissionais serem mulheres.
“Trabalhamos sentimentos como a raiva, medo, angústias e dependência. Já na terceira sessão ouvimos de participantes que já não sentem mais raiva da mulher e que estão aptos a pedir perdão. Ensinamos que ele tem de perdoar a si mesmo primeiro e depois pedir perdão para a mulher”, diz a juíza Graça.
Outras ações – Em São Paulo, homens processados judicialmente por violência doméstica também participam de um projeto social que objetiva a reflexão e a reeducação. Os participantes ainda não sentenciados são encaminhados pela Vara Central da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher a participar dos projetos, mas a adesão é facultativa.
Além dos casos encaminhados pela Justiça e pelo Ministério Público, o projeto atende demandas espontâneas de homens envolvidos em violência conjugal.
Por iniciativa do CNJ, 89 juizados ou varas especializadas no combate à violência doméstica e familiar contra a mulher foram criados após a edição da Recomendação n. 9/2007. O órgão também vem realizando anualmente as Jornadas da Lei Maria da Penha, em que magistrados se reúnem para debater e formular propostas para o enfrentamento à violência contra a mulher, principalmente no âmbito do Sistema de Justiça.
Serviço:
Distrito Federal – Para entrar em contato com os Núcleos de Atendimento à Família e aos Autores de Violência Doméstica, basta ligar para a gerência: (61) 3961-4669. O programa está presente em 10 cidades, mas para conseguir uma vaga há uma lista de espera de, em média, dois meses.
São Paulo – Para mais informações sobre o Curso de Reeducação Familiar da Academia de Polícia Civil do Estado de São Paulo e o Grupo de Reflexão para Homens Autores de Violência da ONG Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde: (11) 3812-8681
Ceará – Vara de Execução de Penas Alternativas de Fortaleza: (85) 3492-8770
Regina Bandeira
Luiza de Carvalho
Agência CNJ de Notícias