Depoimento especial: Tribunal do MS debate lei que expande método

Compartilhe

Seminu00e1rio sobre depoimento especial debateu Lei nu00ba 13.431/2017 no Mato Grosso do Sul

O Tribunal de Justiça de MS sediou, nos dias 26 e 27 de outubro, o Seminário sobre o Depoimento Especial de Crianças e Adolescentes Vítimas ou Testemunhas de Violência, com participantes de todos os estados brasileiros e palestrantes renomados na área de depoimento especial e na área da infância e juventude.

Na abertura do evento, na noite desta quinta-feira, o Des. José Antônio Daltoé Cezar, precursor no país com o Projeto Depoimento Sem Dano para inquirições judiciais de crianças e adolescentes vítimas de violência, em Porto Alegre, abordou o tema O depoimento especial no Brasil. 

Com os plenários novamente lotados hoje, os trabalhos recomeçaram com o Des. Daltoé abordando a Lei nº 13.431/2017 – A Escuta Protegida e os Desafios do Sistema de Garantias. Na mesa de debates estavam os juízes Mauro Nering Karloh (Vara da Infância e Juventude da Capital) e Giuliano Máximo Martins (Aquidauana), a Desa. Maria Isabel de Matos Rocha (TJMS), e o promotor Celso Antonio Botelho de Carvalho (Campo Grande).

Daltoé fez um relato histórico de como a Lei nº 13.431/2017 foi elaborada, lembrou que a escuta de criança não pode ser considerada somente na persecução penal, mas como uma fase de proteção, citou o quão difícil era quando não havia a lei que tenta reduzir a revitimização e apontou algumas formas utilizadas em outros países.

“Essa lei tem algumas dificuldades e ela terá que ser construída. O que vamos fazer no RS, e já estamos conversando, é expedir uma recomendação para todas as comarcas, assinada pelo MP e pela polícia, apontando que, onde for possível, faça-se a produção antecipada de provas, evite-se ouvir a criança em vários lugares. Ainda não temos salas em todas as comarcas, mas devemos ter até o final de 2018”.

A  Desa. Maria Isabel contribuiu com os debates relatando como foi implantar o depoimento especial em sua gestão frente a CIJ, em 2014, citou a Súmula 593 do STJ e apontou que a prova insegura favorece o réu, antes de questionar: por que ninguém reclamou da fala da vítima quando era feita de modo muito pior, muito mais revitimizador? 

“A ação de contar desencadeia dois tipos de resultados: um no sistema de saúde e outro no sistema de justiça. Os dois vêm tendo resultados falhos. A demanda de justiça e de saúde têm respostas pífias e o acesso não garante o sucesso. Devemos proteger a vítima. Por que reclamar agora que estamos tentando humanizar? Onde estavam todos os que reclamam hoje quando, durante décadas, foram as crianças ouvidas, massacradas em salas de audiências, e ninguém falou nada?”, disse ela.

A perita criminal Luiziana Souto Schaefer abordou as Consequências do Abuso Sexual de Crianças e Adolescentes. A coordenadora de Projetos da CIJ, Rosa Pires Aquino, a psicanalista Viviane Vaz e Daniela de Cássia Duarte, da ONG Movimento Mãe Águia, estavam na mesa de debates.

Luiziana questionou a razão de se falar em abuso sexual infantil, citando números alarmantes: uma em cada quatro meninas e um em cada seis meninos sofreram algum tipo de abuso durante a vida. Ela citou a sintomatologia pós-traumática, mostrou indicadores de abuso e garantiu que o abuso sexual deve ser visto como um problema de saúde pública.

“A revelação do abuso contribui para a saúde das vítimas, por isso a necessidade de capacitação e atualização de quem atua, evitando-se assim mais problemas para a vítima. Mas como identificar o abuso sexual? A função da perícia é avaliar os indicadores para saber se a criança tem condições de testemunhar. Como avaliar a credibilidade da criança? Produzir provas é um desafio”.

Os debates do período vespertino começaram com a promotora Tarcila Santos Teixeira, da Promotoria de Justiça de Infrações Penais contra Crianças, Adolescentes e Idosos de Curitiba. Ela falou sobre a Produção Antecipada de Prova à Luz da Lei nº 13.431/2017.

Na mesa de debates estavam o juiz Marcelo Ivo Oliveira, da 7ª Vara Criminal de Campo Grande, o delegado Paulo Sérgio Lauretto, da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente de Campo Grande, além dos promotores Luiz Antônio Freitas de Almeida e Henrique Cândia.

Tarcila destacou a violência institucional, responsabilidade direta e indireta do Estado, e fixou sua fala em três pontos: a demora na prestação jurisdicional, a ausência de fluxo e protocolos, e a falta de profissionais qualificados. Ela destacou a necessidade de preparo para se atuar na área da infância e apontou que a criança ainda é utilizada como instrumento de prova na persecução penal.

“O investimento em capacitação é algo novo, mas ainda insuficiente. Infelizmente, no Brasil, em média, a criança é ouvida oito vezes. Em Curitiba, onde atuo, por dia, três crianças sofrem abuso sexual e 85 % dessa violência sofrida é intrafamiliar, acontece dentro de casa. Nós não conhecemos o problema do abuxo sexual, não temos números ou estatísticas. Precisamos conhecê-lo primeiro para poder atacá-lo”.

O último a falar no seminário foi Itamar Batista Gonçalves, gerente de Advocacy da Childhood Brasil e coordenador da pesquisa sobre escuta de crianças e adolescentes em processos judiciais. Ele abordou o Protocolo do Depoimento Especial no Brasil.

Pós-graduado em Violência Doméstica contra crianças e adolescentes, ele dividiu a mesa dos trabalhos com a juíza Katy Braun do Prado, da Vara da Infância, da Juventude e do Idoso da Capital e coordenadora da Infância e da Juventude de MS (CIJ), com Doêmia Ignes Ceni, coordenadora de Articulações Interinstitucionais da CIJ/MS, e Marleci V. Hoffmeister, assessora técnica da Coordenadoria da Infância e Juventude do Rio Grande do Sul.

Itamar fez um relato histórico do trabalho realizado pela Childhood, relatou a evolução do projeto nº 3792 até a Lei nº 13.341/2017, falou sobre o protocolo de entrevista forense, citou o surgimento do atendimento integrado e apontou os objetivos estabelecidos para o ano de 2017.

“Mais que destacar o depoimento especial, este é o momento de dar voz à criança, pois o abuso sexual não tem classe social. O mais cruel para a criança é quando ela sente que ninguém acredita nela. Atualmente no país temos seis experiências em andamento de centros que realizam atendimento integrado”.

Fonte: TJMS