O Brasil não é e não se tornará um país desenvolvido sem combater o trabalho infantil, que abarca atualmente cerca de 3 milhões de pessoas, entre crianças e jovens. Essa foi uma das conclusões do painel “O enfrentamento do trabalho infantil e a proteção dos direitos de jovens aprendizes e adolescentes no mercado de trabalho”, que reuniu mais de mil pessoas em discussão por videoconferência na terça-feira (14/7), no segundo e último dia do Congresso Digital 30 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente – Os novos desafios para a família, a sociedade e o Estado.
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Os assuntos de destaque foram o trabalho infantil, seus efeitos perversos para a infância e juventude, as consequências para famílias em situação de vulnerabilidade social e os casos de exploração de crianças e adolescentes no trabalho doméstico, em tarefas braçais e em atividades criminosas e degradantes como prostituição, pornografia e tráfico de drogas.
Os conferencistas chamaram a atenção, também, para a importância das políticas públicas e das iniciativas em curso no Poder Judiciário para o enfrentamento dessa situação. O ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e perito da Organização Internacional do Trabalho (OIT), Lélio Bentes, citou as convenções da entidade sobre o tema e apresentou um panorama do trabalho infantil no mundo, informando que essa é uma situação que abrange 152 milhões de crianças e jovens no mundo. Desse total, cerca de 50% têm entre 5 e 11 anos de idade.
“É um cenário extremamente desafiador que lamentavelmente pode se agravar. Segundo relato da Unicef e OIT divulgado no último dia 12 de junho, com pandemia da Covid-19, tivemos 350 milhões de empregos formais extintos. E, quando o emprego do adulto desparece, há um forte impacto com o incremento do trabalho infantil”, alertou o ministro.
Entre os pontos destacados, Lélio Bentes disse que, desde 2016, o IBGE não divulga os dados sobre o trabalho infantil no Brasil e que isso é uma deficiência que tem que ser solucionada. “Porque não é possível fazer um combate efetivo a essa mazela às cegas.”
Políticas públicas e postura pessoal
A ministra do TST e coordenadora do Programa Nacional de Combate ao Trabalho Infantil e Estímulo à Aprendizagem, Kátia Magalhães Arruda, destacou que reduzir a pobreza e as desigualdades é diretriz que auxiliam no combate ao trabalho infantil. “Há um rosto muito triste no trabalho infantil. A última década apresentou significativos resultados na redução disso, mas a realidade é desigual no mundo e no Brasil. Então, a grande questão que se coloca em discussão é que não basta o crescimento econômico, não basta aumentar o PIB (Produto Interno Bruto), é necessário que esse crescimento reflita melhores condições de vida para todos e para a proteção das nossas crianças.”
Kátia Magalhães Arruda afirmou que, a despeito de ações que contribuíram para reduzir o trabalho infantil nos últimos anos, atualmente há uma estagnação e que é preciso enfrentar o problema da exploração de crianças e adolescentes. Nesse sentido, sustentou que é preciso que as pessoas se perguntem quem ganha com o trabalho infantil, de forma a estimular posturas contrárias a essa exploração.
“Quem se beneficia do trabalho dessas crianças? Essas pessoas não têm nenhuma responsabilidade com a construção do futuro e do Brasil e a sociedade como um todo é agredida quando a dignidade das crianças é violada”, afirmou, complementando que existe uma medida de exigência governamental em relação ao tema, mas que há, também, uma medida individual que depende de cada pessoa de não mais tolerar a exploração de crianças.
Aprendizes
A conselheira do CNJ e desembargadora do TRT da 4ª Região, Tânia Reckziegel, apresentou a legislação sobre a proteção de direitos de jovens aprendizes e adolescentes no mercado de trabalho. Ela expôs um histórico sobre a evolução legislativa, fez uma diferenciação entre o trabalho infantil e a aprendizagem profissional, abordou as garantias constitucionais, as regras previstas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e as diretrizes do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Tânia Reckziegel citou, também, experiências no Judiciário, informando sobre a experiência na formação socioprofissional de jovens no Projeto Pescar, do TRT4, realizado em parceria com a OAB e com aulas práticas na escola judicial do TRT4.
Outra experiência, do TRT15, culminou na criação, em 2014, de dez Juizados Especiais da Infância e Adolescência (Jeias), com competência para analisar processos envolvendo trabalho por pessoas com idade inferior a 18. Já o Programa de Combate ao Trabalho Escravo instituído pela Justiça do Trabalho em 2013 envolve os 24 TRT´s em iniciativas para a profissionalização adequada de jovens. “Trata-se da importância da legislação que temos de benefícios aos menores: o ECA, as convenções da OIT, a CLT e a Constituição Federal”, destacou a conselheira do CNJ.
A procuradora do trabalho e coordenadora nacional da Coordenaria de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente do Ministério Público do Trabalho (MPT), Ana Maria Villa Real, afirmou que o problema tem que ser enfrentado a partir dos eixos da educação, da aprendizagem e das políticas públicas.
Para ela, outro desafio é a profissionalização no sistema socioeducativo, para a prática dos direitos ratificados em leis. “Ali (no sistema socioeducativo) nos damos conta da imensa distância, do abismo eu diria, entre o que está prescrito na Constituição Federal, no ECA, na própria Lei do SINASE [Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo], e o que é vivenciado na prática. Nos damos conta da falta de importância que os adolescentes e jovens em conflito com a lei geralmente têm para o Estado e para a sociedade.”
A procuradora comentou que a socioeducação, o ambiente socioeducativo e o sistema socioeducativo hoje, no Brasil, suscitam reflexões relativas às condições de dignidade e cidadania dos adolescentes na situação de conflito com a lei e que o sistema, em sua visão, não ressocializa, não educa e não recupera.
Luciana Otoni
Agência CNJ de Notícias