O volume de processos na Justiça vem crescendo constantemente. Chegou a 90 milhões em 2011, segundo o relatório Justiça em Números do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Para José Guilherme Vasi Werner, juiz de direito do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, mantidos os procedimentos do atual Código de Processo Civil e a cultura da litigância, o Poder Judiciário continuará com dificuldade para atender à demanda. Nem mesmo o eventual aumento da quantidade de magistrados e de servidores solucionará o problema, diz ele, porque o crescimento da estrutura do Judiciário não acompanhará o aumento da demanda.
Depois de ocupar o cargo de juiz auxiliar da Presidência e secretário-geral adjunto do colegiado, Vasi Werner conclui nesta semana seu mandato de dois anos como conselheiro do CNJ. Em entrevista à Agência CNJ, ele defende um conjunto de ações para diminuir o grau de litigiosidade da sociedade brasileira.
Conselheiro, o senhor já foi juiz auxiliar da Presidência do CNJ e está agora completando o mandato de conselheiro. Como o senhor avalia essa sua passagem pelo Conselho?
Com nossa participação em diversos trabalhos realizados por diversas equipes do Conselho podemos dizer que saímos nesses dois anos com um trabalho importante realizado na parte de acompanhamento estatístico, de metas, dos relatórios Justiça em Números e os 100 Maiores Litigantes, alguns aspectos relacionados aos juizados especiais. Por exemplo, a regulamentação da atividade dos juízes leigos, que era uma coisa que estava precisando que fosse feita.
O senhor trabalhou na criação e presidiu o Fórum de Precatórios. A questão dos precatórios ainda é um problema para o Judiciário?
O Fonaprec tem e terá grande importância para auxiliar os tribunais nesse trabalho imenso que é a gestão e o pagamento dos precatórios. É claro que o Fórum Nacional dos Precatórios foi criado a partir da Resolução n. 115, que foi trabalho essencial realizado pelo CNJ, que buscou dar elementos aos tribunais para que eles pudessem fazer melhor gestão dos precatórios. Após a Emenda Constitucional n. 62, muitas dúvidas ficaram com relação ao processamento dos precatórios, os pagamentos, as preferências, e a Resolução n. 115 foi muito bem recebida; um trabalho elogiável da gestão anterior, sob o comando do ministro Ives Gandra, realmente deu aos tribunais elementos para que tivessem mais segurança para o processamento dos precatórios. O Fonaprec foi criado na esteira dessa Resolução n. 115, exatamente para congregar os agentes dos tribunais, das procuradorias, da OAB, que lidam com os precatórios, para que diversas dúvidas e procedimentos pudessem ser resolvidos, os procedimentos unificados.
Acho que a instalação do Fonaprec é grande passo para isso. Mas os trabalhos precisam aguardar a decisão do Supremo Tribunal Federal, que julgou inconstitucional a Emenda Constitucional n. 62. Mas há possibilidade que haja uma modulação de efeitos por parte do STF. É preciso aguardar essa modulação para que os trabalhos do Fonaprec, principalmente na parte referente à atualização do valor dos precatórios, possa prosseguir.
O Fonaprec não perdeu o sentido após a decisão do Supremo?
Nós demos o pontapé inicial no Fonaprec. É preciso que ele continue para dar aos tribunais elementos para que administrem com maior segurança os precatórios. O processamento dos precatórios é muito complexo, envolve a interpretação da decisão judicial, a formação dos precatórios, a negociação política com as entidades dos estados e municípios para que destinem mais verbas para o pagamento dos precatórios, dessas dívidas.
Os tribunais ainda têm dificuldade em lidar com os precatórios?
O próprio processamento dos precatórios está sujeito a uma série de impugnações por parte dos interessados, o que torna ainda mais complexa a execução dessas decisões, sujeito a vários recursos. É um procedimento muito complicado e qualquer interpretação que um tribunal dê sem o respaldo e uma orientação nacional pode gerar dúvida e impugnação e pode gerar prejuízo, ainda que inadvertidamente, para o credor ou para a entidade devedora. Realmente é uma questão muito delicada. Por isso, uma das atividades que o Comitê Nacional do Fonaprec estava adiantando era estabelecer enunciados para uniformizar os entendimentos para atualização do valor dos precatórios. Mas, com a decisão do Supremo, que julgou inconstitucional a Emenda 62, é preciso que se aguarde a eventual modulação de efeitos para que a questão seja resolvida. Pode ser que a própria decisão do Supremo já indique o caminho a seguir.
Desde quando era juiz auxiliar, o senhor já atuava na área de estatística, que avançou muito nos últimos anos…
Eu diria que uma das coisas mais significativas para mim como conselheiro foi ter participado da produção direta dos relatórios do Justiça em Números, e ter, na gestão do ministro Cézar Peluso, coordenado junto com o Departamento de Pesquisas Judiciárias (DPJ), a primeira edição do relatórios dos 100 Maiores Litigantes. Acho que esse foi um passo fundamental do CNJ que envolve o autoconhecimento do Poder Judiciário. Isso é importante para podermos efetivamente dar uma solução aos problemas que se apresentam. A primeira tarefa foi fazer o levantamento quantitativo dos processos, quantos existem em cada tribunal, quantos juízes somos, qual a estrutura que nós temos. O CNJ fez isso a partir do Sistema Nacional de Estatísticas do Poder Judiciário, que é mostrado no relatório Justiça em Números. Mas era preciso um passo a mais. Precisávamos saber também quem são os responsáveis por esses processos, os autores e os réus. O estudo dos 100 Maiores Litigantes mostrou isso, os réus e autores dos 90 milhões de processos, e mostrou uma coisa que os juízes sabiam intuitivamente: que o Governo responde por 38% desses processos, o setor bancário responde por outros 38%. Aí nós temos que 76% dos processos em tramitação dos 90 milhões de processos são de responsabilidade de dois setores apenas, o setor governamental e o setor bancário. Isso é importante para mostrar à sociedade que a lentidão do Judiciário deve-se a essa litigância de setores que poderiam, quem sabe, agir de outra maneira em vez de depender de uma decisão judicial.
Como convencer esses setores a diminuir a litigância na Justiça?
Não existe uma fórmula mágica, uma solução única para isso. São diversas soluções que, se aplicadas conjuntamente, podem contribuir para essa redução. Primeiro é a mudança de cultura, que passa pela transformação do currículo acadêmico das universidades. O CNJ já conseguiu convencer o Ministério da Educação (MEC) a incluir no currículo das faculdades de Direito disciplinas que envolvam a ideia de solução consensual de conflito, pela mediação, conciliação e arbitragem. É preciso que os advogados que saem das faculdades saibam encaminhar a solução dos problemas sem depender de uma sentença do juiz. Por essa razão, o CNJ começou a trabalhar para tentar resolver os gargalos, incentivando a conciliação e a mediação. Isso vem sendo feito com a edição da Resolução n. 125, que determina a criação dos núcleos de conciliação e mediação pelos tribunais. Isso está começando a dar resultado, o que mostra que há espaço para a cultura de solução consensual de conflitos por meio da conciliação. Na época em que eu era juiz auxiliar do ministro Cézar Peluso, a conselheira Morgana Richa era a presidente da Comissão de Acesso à Justiça e Cidadania e trabalhamos na edição da Resolução n. 125, que foi um marco nessa política judiciária de conciliação e mediação.
O MEC já alterou o currículo dos cursos de Direito?
Não. Mas o MEC está atento para essa necessidade. Muitas faculdades e universidades voluntariamente já incluem em seus currículos essas cadeiras de solução consensual de conflitos. O CNJ participou da criação da Escola Nacional de Conciliação e Mediação, que também é um marco importante para que profissionais possam ser formados nessa cultura de conciliação e mediação e auxiliem os tribunais a resolver os conflitos ou até mesmo evitar que os conflitos sociais virem conflitos judiciais.
O Judiciário suporta a continuidade do aumento das ações como vem acontecendo?
É muito difícil lidar com essa demanda crescente com a estrutura que nós temos. É preciso que os julgadores, partes e advogados saibam aproveitar a eficiência que o processo pode dar para encontrar uma solução. É preciso haver alteração no sistema processual, grande mudança de estrutura, mudança de cultura.
Aumentar a estrutura do Judiciário resolveria o problema?
Não. Acredito que essa é uma solução que só adia o problema. Se a gente for escolher uma solução de aumento de servidores, de magistrados, de tribunais, com essa demanda aumentando potencialmente todos os anos, não vamos chegar nunca a alcançar a estrutura ideal. Temos de otimizar os instrumentos que temos para que eles possam ser utilizados da maneira mais eficaz para a solução dos conflitos.
O senhor tinha um projeto de envolver as agências reguladoras nas negociações com os grandes litigantes, de forma a estimular os setores a resolverem seus problemas de forma negociada. Como fica esse projeto?
O CNJ já alcançou um grau de maturidade institucional em que os projetos não precisam mais de pessoas para prosseguir. A comissão de gestão estratégica está devidamente documentada para prosseguir no projeto.
Quanto tempo deve levar até que o volume de processos judiciais comece a cair?
Nós temos ainda uma massa, uma inércia de crescimento de demanda. E alguns estudos mostram que quanto maior o grau de evolução da economia, maior o número de demandas. No Brasil, ainda há muito espaço para crescimento das demandas. Temos de nos preocupar em manter uma estrutura que possa se adaptar a esse crescimento e possa atuar preventivamente. Não é só o juiz que está legitimado para resolver os conflitos. As partes e seus respectivos advogados podem resolver as coisas independentemente do juiz. Isso depende não só do Judiciário. Depende da cultura dos órgãos governamentais, que fiscalizam os serviços dos concessionários públicos, para que exijam dos fornecedores de serviços e produtos, que prestem serviços eficientes e tenham atendimento eficiente ao consumidor, que possa resolver problemas sem que o consumidor tenha de buscar seus direitos em juízo.
Que outros pontos o senhor gostaria de destacar?
Eu destaco ainda a minha participação na relatoria da recomendação que exorta os tribunais a se prepararem para catástrofes ambientais, como, por exemplo, preparar grupos interdisciplinares, com órgãos do governo, da defesa civil, de juízes de várias competências, para que diante de uma catástrofe ambiental, como ocorreu no Rio de Janeiro e em Santa Catarina, possam preventivamente estabelecer ações estratégicas que auxiliem todo o poder público a lidar com as consequências dessas tragédias. É preciso formar um grupo que possa ir ao local e resolver todas as situações que desaguariam no Poder Judiciário de uma maneira mais eficiente e planejada.
Queria destacar os seminários Justiça em Números, o seminário de execução fiscal, organizado em conjunto com o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) e os juizados especiais. Queria lembrar também o curso para jornalista. É algo que talvez possa ser reeditado, pois foi um grande sucesso. É importante para que os jornalistas possam falar da mesma maneira que o Judiciário.
Gilson Luiz Euzébio
Agência CNJ de Notícias