Ex-secretário do Ministério da Saúde destaca normativos do CNJ sobre a pandemia

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Foto: Luiz Silveira/CNJ
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O Comitê Executivo da Saúde do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no estado do Rio de Janeiro realizou na última segunda-feira (18/5), reunião por videoconferência com o objetivo de analisar a Recomendação nº 66/2020 (dirigida aos tribunais e magistrados e que trata de medidas preventivas à propagação do novo coronavírus no sistema de justiça penal e socioeducativo) e a Nota Técnica nº 24/2020 (endereçada aos Poderes Executivos Federal, Estaduais e Municipais e à Procuradoria Geral da República, para tratar da adoção de medidas de gestão voltadas à prevenção da judicialização da saúde durante a pandemia da Covid-19).

Os dois normativos foram expedidos pelo CNJ e estão disponíveis em https://www.cnj.jus.br/coronavirus/. A organização do encontro esteve a cargo da juíza federal titular da 23ª Vara Cível da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, Maria Amélia Senos de Carvalho, que coordena o Comitê Executivo da Saúde no estado.

Na ocasião, o médico sanitarista, ex-secretário nacional da vigilância sanitária do Ministério da Saúde e ex-diretor presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) Gonzalo Vecina Neto palestrou sobre o tema.  Ele iniciou sua participação destacando, a título de exemplo, os efeitos de uma outra epidemia também ocorrida no Brasil, só que no início do século passado: a gripe espanhola.

“Essa doença, somente entre 1918 e 1919, vitimou cerca de 35 mil pessoas no Brasil, principalmente nos grandes centros, como São Paulo e Rio de Janeiro. Naquela época corpos eram deixados nas ruas e eram recolhidos como lixo”, afirmou. O detalhe, lembrou, é que a população brasileira era então de cerca de 29 milhões: “Se a gripe espanhola se reproduzisse agora no Brasil, com a população atual de 210 milhões de pessoas, a expectativa é que tivéssemos 550 mil mortos”, destacou o ex-secretário nacional da vigilância sanitária do Ministério da Saúde.

Dinâmica da pandemia

Em seguida, Gonzalo Vecina Neto abordou a chamada “dinâmica” da atual pandemia, destacando as formas de enfrentá-la de forma científica. Uma delas diz respeito à chamada “imunidade de rebanho”, segundo a qual o vírus deixa de se propagar por não encontrar mais pessoas que ainda não tenham sido infectadas: “É um evento probabilístico. A hipótese é de que essa doença deixaria de ter casos novos quando 70% da população tivesse sido infectada, no caso do Brasil, 147 milhões de pessoas.”

Ele, no entanto, alertou para as consequências de uma estratégia deste tipo, pois não se abe ainda por quanto tempo as pessoas expostas ao vírus permanecem imunes a ele. Além disso, é preciso considerar a taxa de letalidade da doença, que é de cerca de 0,36%, ou seja, 3,6 mortes a cada 1000 casos. “Com este indicador muito conservador haveria, pelo menos, 529 mil mortes no Brasil causadas pelo novo coronavírus.”

Uma segunda teoria – a mais utilizada ao redor do mundo -, segundo o ex-secretário, é aquela que defende um lockdown rigoroso (bloqueio total de uma região, imposta pelo estado ou pela Justiça). Para Vecina Neto, no entanto, um bloqueio tão rígido é de difícil implantação em países democráticos. “No Brasil, acredito que teremos períodos alternados de fechamento e de abertura de localidades. Pelo menos, até que a curva de contaminados pela Covid-19 atinja patamares compatíveis com a estrutura de saúde.”

Nota Técnica

Em seguida, Gonzalo Vecina Neto comentou a Nota Técnica CNJ nº 24/2020. Segundo ele, “a pandemia exige um gerenciamento contínuo das demandas e necessidades dos recursos disponíveis, pois esses variam constantemente no decorrer da crise. Por isso, é necessária uma reconfiguração da gestão de cada hospital, com a instalação de um gabinete de crise, decorrente de deliberação do Centro de Operações de Emergência Estadual – COE, já criado e em funcionamento em todas as unidades federadas”. Os COE têm por finalidade o gerenciamento de todos os recursos de uma região, principalmente os hospitalares.

Para Vecina Neto, “nas capitais brasileiras, de uma forma geral, seja por falta de equipamentos de proteção individual (EPIs), por medo de contaminações, os agentes comunitários de saúde não estão fazendo seu trabalho, não estão indo na casa das pessoas. É importante que a atenção primária, básica funcione. Temos que reforçar essa atuação. Cabe aos municípios dar condições para que as equipes de saúde da família funcionem”, sob pena de piorarmos a situação da pandemia no Brasil”.

O ex-secretário também atentou para a necessidade de a redes estaduais e municipais se comunicarem. “Não ocorre essa simbiose que poderia acarretar uma sinergia. Tem de haver um comando único.”

Leitos

Gonzalo Vecina também destacou que o SUS tem apenas sete leitos de UTI por cem mil habitantes, enquanto a iniciativa privada tem quase cinco vezes mais. “O SUS deveria ter entre 20 a 22 leitos por cem mil habitantes, pelo menos, para ter uma boa cobertura de leitos de UTI. Isso, sem levar em consideração a questão da pandemia da Covid-19″, destacou. Para ele, se o problema não for tratado com urgência, “corremos o risco de termos, brevemente, pessoas morrendo na porta de hospitais públicos enquanto haverá leitos desocupados nos grandes hospitais privados”.

Como alternativa, ele defende a contratação de leitos particulares, pelo poder público, como opção à construção de leitos provisórios nos chamados Hospitais de Campanha, que pode custar quase R$ 300 mil por leito: “Além disso, não deixam legado, já que, ao término da pandemia, serão desativados. “A edição da Nota Técnica promove a discussão sobre essas questões e auxilia a magistratura na tomada de decisões em relação à judicialização, que certamente vai ocupar a atenção dos magistrados em tempos de pandemia.”

Gonzalo Vecina concluiu ressaltando a importância do fortalecimento do Sistema Único de Saúde, de forma permanente. “Sabemos que o SUS perdeu pelo menos R$ 22 bilhões de reais nos últimos anos. Ele é historicamente subfinanciado. O gasto per capita do SUS, atualmente, é de R$ 1.100,00. Insuficiente. Enquanto isso, o gasto per capita na Saúde pela iniciativa privada é mais do que o triplo: R$ 3.400.00. Temos que acordar para a necessidade de financiar melhor o SUS. Temos de fortalecer a atenção médica primária, enfim, a estratégia de Saúde da Família.”

Fonte: TRF2