A eficiência e o bom atendimento prestados pelos núcleos psicossociais e a celeridade com que são emitidas as medidas protetivas às mulheres em situação de violência doméstica e familiar são os principais fatores que evidenciam os avanços do Poder Judiciário no combate à violência contra a mulher. Essas conclusões foram obtidas no estudo “O Poder Judiciário no enfrentamento à violência doméstica e familiar contra as mulheres”, contratado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) junto ao Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).
A pesquisa qualitativa foi apresentada durante a XIII Jornada Lei Maria da Penha realizada pelo CNJ na sede do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em Brasília. O levantamento avaliou o atendimento prestado pelo Poder Judiciário às mulheres em situação de violência doméstica e familiar, especialmente em relação ao seu caráter multidisciplinar e integral. A questão, que já integra a agenda prioritária do Poder Judiciário, ainda exige avanços que garantam um atendimento que dê respostas efetivas às expectativas das mulheres que recorrem à Justiça.
Entre as medidas que precisam ser implementadas – conforme a pesquisa – está a disponibilização de espaços físicos adequados ao atendimento das mulheres em situação de violência, garantindo-lhes privacidade e escuta sensível. Também a ausência de padronização da política judiciária de enfrentamento à violência doméstica é apontada como fator que necessita de aprimoramento. O levantamento conclui que, apesar de o fenômeno da violência doméstica seguir uma dinâmica pouco variada, a resposta do Judiciário é muito heterogênea, a depender de fatores tanto pessoais quanto institucionais, sendo o perfil do magistrado que responde pela vara ou juizado fator decisivo na qualidade do atendimento prestado às mulheres.
Leia mais:
Na avaliação da conselheira do CNJ Daldice Santana, a produção de estudo como este permite ao Poder Judiciário aprimorar os mecanismos de repressão e prevenção à violência. “Mas não basta só o diagnóstico, a identificação dos fatores que potencializem da violência ou feminicídio. É preciso ações que garantam a proteção da mulher”, afirmou. Ela ressalta que a atuação não pode ficar restrita ao Poder Judiciário, mas exige a participação de todos os envolvidos, como as delegacias, defensorias públicas, sistema de saúde. “Todos os locais onde a mulher chegar, tem que estar pronto para atende-la bem”, enfatizou.
A conselheira destacou que o aprofundamento de estudos sobre o tema possibilita o desenvolvimento e aperfeiçoamento dos mecanismos existentes. Uma barreira apontada pelas mulheres ouvidas pela pesquisa está no fato de o sistema de Justiça lidar com linguagem, ritos e conhecimentos que muitas vezes não são acessíveis a elas. Como na maioria dos casos elas não têm acesso a advogados ou atendimento jurídico por meio da Defensoria Pública, o conteúdo e a interpretação das normas bem como o desenrolar de seus processos, incluindo o desfecho, lhes parecem incompreensíveis.
A pesquisa ouviu a opinião de mulheres em 12 unidades judiciárias: seis juizados e varas exclusivas e seis não exclusivas, distribuídas nas cinco regiões do país. “Conhecer em profundidade a forma de funcionamento da rede de atendimento prestado pelo sistema de Justiça às mulheres que foram vítimas de violência doméstica é um importante passo para a adequação e o aprimoramento de ações e políticas públicas judiciárias, cuja responsabilidade está a cargo do CNJ”, destacou a diretora do Departamento de Pesquisas Judiciárias (DPJ) do CNJ, Gabriela Azevedo.
O estudo recolheu uma série de depoimentos que revelam como as vítimas violência doméstica e familiar avaliam o atendimento recebido, a motivação pela busca de proteção e os sentimentos despertados pela situação:
– “Explicou direitinho, eu até agradeci [a servidora], porque tem gente que conversa e nem olha para a cara da pessoa, é aquela ignorância… Então, agradeci muito pelo jeito que ela me atendeu”;
– “Era só pra pedir que ele parasse, ficasse longe de mim. Foi [eficaz], eu estou muito satisfeita, graças a Deus.”;
– “Criei coragem, depois de ter sofrido bastante, né?!”
Estrutura
O Brasil conta, atualmente, com 131 varas ou juizados especializados no processamento de casos de violência doméstica e familiar contra as mulheres. Eles já estão presentes nas 27 unidades da federação e se encontram expansão desde a implementação da Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha). Paralelamente, essas unidades não conseguem atender toda a demanda processual relativa à matéria, o que obriga que varas criminais comuns respondam por parte significativa dos feitos.
Entre as conclusões apresentadas pelo levantamento, destaca-se o fato de o Judiciário brasileiro ter incorporado em sua rotina a discussão da violência motivada por gênero e se empenhar em dar respostas à altura da legislação nacional na área. Paralelamente, constata-se a existência de um longo caminho a percorrer para que este tipo de conflito seja tratado a contento, com garantia de realização de um atendimento tecnicamente apurado, mais humanizado, que não reproduza violências de gênero e dê respostas efetivas às expectativas de justiça das vítimas.
Mas, apesar das deficiências encontradas, a maioria das mulheres entrevistadas pela equipe do IPEA disse que voltaria a procurar a Justiça caso fosse vítima novamente e também indicaria o mesmo caminho para amigas ou colegas que estivessem em situação semelhante. De acordo com a pesquisa, as mulheres acreditam na Justiça, reconhecem o Judiciário como a instância disponível para lidar com a violência e entendem que devem lutar pelos próprios direitos.
Barrar a violência
A pesquisa “O Poder Judiciário no enfrentamento à violência doméstica e familiar contra as mulheres” integra as ações do Poder Judiciário para o combate à violência contra a mulher no âmbito familiar e doméstico – crime responsável por mais de um milhão de processos que tramitam na Justiça brasileira. Desse total, 3,6 mil são casos de feminicídios, segundo dados dos tribunais de Justiça.
No curso do trabalho, foram entrevistados os profissionais jurídicos envolvidos no processamento dos casos (magistrados, promotores, defensores, advogados e servidores de varas e juizados), especialistas das equipes multidisciplinares e mulheres em situação de violência.
O levantamento contou ainda com dados obtidos por meio de formulários preenchidos pelos chefes de cartório, por meio de observação de audiências e dos atendimentos, assim como da análise de autos de processos em tramitação.
O sumário executivo pode ser acessado aqui e a íntegra da pesquisa pode ser acessada aqui.
Agência CNJ de Notícias