O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) encerrou na sexta-feira (13/05) a inspeção no sistema socioeducativo de Mato Grosso e concluiu que direitos fundamentais, previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), no Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) e na Constituição Federal, são ignorados. Na solenidade de encerramento, no Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso (TJMT), autoridades do Judiciário e do próprio Executivo foram unânimes: os adolescentes em conflito com a lei são submetidos a condições inadequadas, até subumanas. O ponto positivo é que o governo do Estado iniciou a implantação de um plano de construção de novos centros e contratou novos socioeducadores.
As informações coletadas pela equipe coordenada pelo juiz da Infância e da Juventude de Natal/RN, José Dantas de Paiva, depois de analisadas, serão condensadas num relatório a ser encaminhado a todas as autoridades envolvidas no assunto. Durante o encerramento, Dantas relatou aos presentes o que viu nos três centros visitados – Cuiabá, Rondonópolis e Cáceres, os únicos do estado.
“A nossa missão em Mato Grosso não é fiscalizar, mas diagnosticar a situação do adolescente em conflito com a lei”, explicou ele, mas chamando a atenção para a necessidade de reflexão sobre o assunto: os centros de Rondonópolis e Cáceres eram antigas delegacias, abandonadas porque não serviam para a finalidade, e o de Cuiabá, além dos problemas comuns aos outros, ainda sofre com a superlotação (abriga 157 adolescentes no espaço planejado para 70).
Dantas advertiu que os centros de internação são para os adolescentes “que cometeram ato infracional grave” e são locais para reeducação e inserção social, e não só de punição. Magistrados, delegados e Ministério Público devem avaliar bem antes de decidir pela internação, o recurso extremo para preparar o adolescente a desempenhar o seu papel social. “Centro socioeducativo não é cela”, destacou o secretário de Segurança Pública do Estado, Diógines Gomes Curado filho.
Reafirmando o compromisso do governo de apurar as denúncias de agressões aos internos, a secretária adjunta de Justiça e Direitos Humanos, Vera Araújo, ressaltou que o Estado contratou 241 novos agentes, que concluem o treinamento nesta semana, e está construindo novo centro próximo a Cuiabá. Ficará pronto até dezembro. O plano do governo é construir centros regionais e ter, até 2015, todas as unidades funcionando nos padrões do SINASE.
Banco de dados – Ao concluir as visitas a todos os centros socioeducativos do país, o CNJ terá uma vasta quantidade de informação sobre o sistema de atendimento aos adolescentes em conflito com a lei, afirma o juiz José Dantas de Paiva. O processamento desses dados, diz ele, vai permitir ao Conselho estabelecer políticas e diretrizes para o efetivo cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente e do Sistema Nacional de Atendimento Socoeducativo.
Agora falta visitar apenas as unidades do Estado de São Paulo, o que deve ser feito em junho. A equipe liderada por Dantas percorreu oito estados de abril de 2010 a maio deste ano. São cinco técnicos que trabalham com ele há muitos anos, com total dedicação à causa das crianças e adolescentes. “É um trabalho que me enriquece muito”, comenta João Francisco de Souza, diretor da secretaria da Vara da Infância em Natal. “Minha vocação é para essa área”, explica Vânia Vaz Barbosa Cela, técnica judiciária, que ressalta a necessidade de empatia com a causa.
Cabe aos dois a verificação dos processos e a coleta de informações processuais importantes. O trabalho permite também, segundo Souza, que ele conheça novas experiências que podem ser aplicadas em Natal, buscando sempre aperfeiçoar o sistema. A vontade de melhorar os centros e oferecer condições dignas aos adolescentes está presente entre todos os técnicos dos estados visitados, conta Souza.
Enquanto Vânia e Souza examinam os processos, a assistente social Suely Florêncio de Medeiros e a socióloga Tomázia Isabel Fernandes de Araújo percorrem os cômodos dos centros de internação, verificam as instalações, conversam com os adolescentes e com os responsáveis pelo local. Desde 1985, Tomázia trabalha com meninos de rua. “Esse trabalho tem sido muito importante para mim, porque a gente consegue entender como o sistema funciona por dentro”, diz. “A gente percebe que têm alguns gargalos que não são só de Cuiabá ou de Natal, mas da sociedade”, acrescenta.
Um desafio, avalia ela, é dar suporte ao adolescente quando ele deixar o centro. “Se o menino não tiver um amparo, ele volta à prática de novos atos infracionais”, alerta Tomázia. Segundo ela, a angústia sobre o que fazer depois que sair do centro é comum entre os adolescentes internados. “A gente encontra adolescentes com disposição para mudar, mas não têm oportunidade, não encontram caminho”, explica.
Quando o centro oferecer qualificação profissional, a perspectiva é outra, o adolescente passa a vislumbrar possibilidade de integração à sociedade, a sonhar com um futuro melhor. Em Cuiabá, o centro ofereceu um curso de padaria e confeitaria aos adolescentes. “Os que fizeram o curso ficaram maravilhados”, conta Célia Regina Vidotti, juíza da 2ª Vara da Infância e Juventude de Cuiabá.
A maioria, porém, sai do mesmo jeito que entrou. “Sem sonho, sem perspectiva, o que será dele? Tem menino que não tem sonho”, relata.
“Eu fico muito triste e muito preocupada diante da realidade”, confidencia Suely Florêncio. E acrescenta: “Por falta de oportunidade, os adolescentes caíram ali, no centro socioeducativo, e por falta de oportunidade voltam ao centro ou à prisão, depois de completar 18 anos”. Ou seja, o sistema como está hoje reforça a marginalização: “É uma ponte para o presídio”.
São necessários investimentos em infraestrutura, mas a principal mudança tem que vir da sociedade: “Se tratarmos os adolescentes em conflito com a lei como bandidos, como criminosos, no futuro eles serão bandidos, criminosos”, prevê Célia Regina Vidotti, juíza da 2ª Vara da Infância e Juventude de Cuiabá.
Gilson Luiz Euzébio
Agência CNJ de Notícias