Magistrados, magistradas e integrantes do Ministério Público e da Defensoria Pública foram apresentados, na última sexta-feira (19/11), ao Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, criado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em parceria com a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam). O texto possui 120 páginas contendo conceitos, apresentação de casos e um passo a passo para aumentar o conhecimento dos profissionais do direito no sentido da equidade de gênero em julgamentos, e sinalizando pontos que devem ser observados em todo o processo, a fim de reduzir a desigualdade na Justiça.
A conselheira do CNJ Tânia Regina Silva Reckziegel, coordenadora da Comissão Permanente de Políticas de Prevenção às Vítimas de Violências, Testemunhas e de Vulneráveis, afirmou que a criação do Protocolo demonstra o amadurecimento do Poder Judiciário em relação às questões afetas à igualdade de gênero e deixa clara a necessidade de assegurar a adoção de medidas nessa luta. “O Protocolo exalta o dever de conferir máxima efetividade aos direitos fundamentais, em respeito à dignidade humana e ao reconhecimento de que o Judiciário, dotado de poder estatal, deve atuar para assegurar o pleno respeito a todos, salvaguardando a igualdade, a liberdade e a autonomia individual, que constitui a base do Estado Democrático de Direito.”
Conheça o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero
Criado a partir de estudos desenvolvidos por um grupo de trabalho do CNJ composto por especialistas e magistrados e magistradas de todos os ramos de Justiça, o Protocolo tem por objetivo capacitar e orientar operadores e operadoras do Direito – em especial, a magistratura – para que promovam julgamentos com maior nível de efetividade, equidade e não discriminação. O documento está em consonância com o ODS 5 da Agenda 2030 da ONU, que trata especificamente da igualdade de gênero.
Transformação necessária
A apresentação do Protocolo ocorreu em evento da Escola da Magistratura do estado do Rio de Janeiro (Emerj), em parceria com o CNJ, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) e a Enfam. A ex-conselheira Ivana Farina, que esteve à frente da elaboração do documento no grupo de trabalho do CNJ, afirmou durante a apresentação que se trata de um instrumento importante de transformação para que no espaço do Judiciário não sejam repetidas desigualdades estruturais.
“O protocolo é um instrumento que, se bem utilizado pelo Sistema de Justiça, não permitirá que sejam repetidas opressões, nem discriminações. É um instrumento por uma Justiça sem preconceitos, voltado a garantir o direito à igualdade substancial e à não discriminação”, afirmou Ivana, que é procuradora de Justiça do Ministério Público de Goiás.
Durante o encontro, foi apresentado o conteúdo do manual, que traz sugestões práticas e objetivas para operadores e operadoras do Direito trabalharem menos influenciados por preconceitos. A juíza Adriana Ramos de Mello, presidente do Fórum Permanente de Violência Doméstica e Familiar e de Gênero do TJRJ e uma das elaboradoras do texto, defendeu que juízes e juízas “tirem o protocolo do papel”, citando-o em votos e sentenças. Ela também ressaltou a importância de o procedimento ser incorporado às aulas nas universidades e que especialistas escrevam artigos sobre ele. “Está na hora fazermos a sociedade conhecer o protocolo. Esse trabalho é de extrema relevância e há muito trabalho pela frente para aplicarmos na prática esse conteúdo.”
A ratificação do Protocolo pelo CNJ é um importante marco em direção à aplicação de políticas nacionais voltadas à igualdade de gênero. “O simples fato desse protocolo existir e ter sido feito pelo órgão máximo do Judiciário – que, para fazê-lo, teve de reconhecer a importância do combate à violência e a realidade das mulheres em nosso país– tem uma importância simbólica imensa”, ressaltou a juíza Tani Maria Wurster, da Justiça Federal no Paraná e coordenadora da Comissão de Igualdade de Gênero da Associação dos Juízes Federais (Ajufe).
Orientador teórico e prático
A juíza federal Adriana Cruz, que também integra o Observatório de Direitos Humanos do Judiciário, citou a interseção das vulnerabilidades e defendeu que o julgamento com perspectiva de gênero deve alcançar todas as formas de opressão. “Precisamos caminhar para julgamentos de vulnerabilidades. Sabemos que o gênero está em diálogo e conexão com outras formas de opressão que vulnerabilizam vidas. É impossível pensar em gênero sem pensar em raça e pobreza.”
Já Alcioni Escobar da Costa Alvim, juíza do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) no Pará, apresentou a parte teórica do Protocolo e destacou sua aplicabilidade. “As lentes de gênero são importantes e devem ser utilizadas em todas as áreas da Justiça, seja em processos criminais ou familiares, civis, trabalhistas, e outros.”
Estruturada em três eixos, a norma é um orientador teórico e prático. A proposta é jogar luz em diversos momentos da condução de um processo – desde perguntas, instrução e produção de provas até a emissão de sentença – contribuindo para o esclarecimento de situações, sem gerar uma assimetria e vitando, por exemplo, perguntas que desqualificam a palavra da depoente ou que podem revitimizar ou expor a intimidade da vítima.
Para a secretária-geral da Enfam, juíza federal Cíntia Brunett, o documento é fruto de um amadurecimento institucional e uma “verdadeira caixa de instrumentos para a neutralização das desigualdades”. Ela lembrou que o Judiciário é composto, em sua grande maioria (70%), por homens e citou uma frase dita pela escritora feminista Simone de Beauvoir em seu livro Segundo Sexo. “A representação do mundo é operação dos homens; eles o descrevem do ponto de vista que lhes é peculiar e que confundem com a verdade absoluta.”
Regina Bandeira
Agência CNJ de Notícias